Pepe Escobar: Obama e um certo delírio nuclear

Tempo de leitura: 6 min

Obama nuclear

14/4/2010, Pepe Escobar, “Blog The Roving Eye”, Asia Times Online

http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LD15Ak05.html

Tradução de Caia Fittipaldi

A reunião sobre segurança nuclear do presidente Obama dos EUA e 47 países, uma espécie de ‘Grupo dos 20’ bombado, bem pode ter sido a maior solenidade de engambela-trouxas, comandada por presidente dos EUA, desde a conferência de San Francisco em 1945, que criou a ONU.

Ninguém jamais precisou de qualquer show de relações públicas & propaganda, acompanhado de chave-de-braço à moda Washington, para convencer os políticos globais do perigo de urânio ou plutônio enriquecidos caírem em mãos de grupos jihadistas à moda al-Qaeda, ou de terroristas free-lancers.

Pois, ainda assim, analistas norte-americanos como Steve Clemons da New America Foundation não se cansam de elogiar a “sutileza calculada” de Obama, falam de “habilidade nixoniana” e de “profundidade estratégica”; e, isso, quando não estão falando dos esforços para elevar a reunião à categoria de “manifestação do que pode ser uma ordem mundial liderada pelos EUA”. A realidade é muito mais prosaica. Ou mais perigosa. Ou as duas coisas

A agenda nada-oculta do “Obama nuclear” visou exclusivamente a obter apoio global para uma rodada de sanções mais duras contra o Irã. Obama quer que as novas sanções estejam implantadas em junho. Obama e o presidente Hu Jintao conversaram sobre isso durante uma hora e meia. O impecavelmente lacônico Hu saiu da sala para dizer, basicamente, que o mundo está preparado para discutir o assunto – mas nada prometeu, absolutamente nada.

Obama, ao mesmo tempo em que, na conferência de imprensa pós-reunião, ainda insistia em que o Irã estaria tentando burlar a opinião pública global e estaria, sim, construindo armas atômicas – e, isso, sem qualquer prova do que diz –, insiste também em não convidar Israel a descer da torre de marfim em que se autoexilou e esclarecer se tem ou não armas atômicas (apesar de todos os especialistas garantirem que sim, Israel têm bombas atômicas). Obama, no máximo, repete que os EUA sempre convidaram “todos os países” a respeitar os acordos de não-proliferação (Israel, que nunca se declarou potência nuclear, nunca assinou o Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares, NPT).

O SALT da terra

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O governo Obama está atualmente impingindo à opinião pública global que seu principal desejo seria amarrar todos os fios nucleares, sem deixar ponta solta em todo o mundo, antes de 2014. O desejo foi manifesto pelo próprio Obama, em discurso em Praga, ano passado: quer um mundo “livre de armas nucleares”.

Bem… Não é bem assim, não exatamente, como podem ver com os próprios olhos os cidadãos bem informados da imensa maioria das nações do mundo. Com ou sem reduções, o grosso do poder de fogo nuclear mundial continuará protegido nos EUA e na Rússia – não por acaso os juízes supremos, por décadas, que decidiam quem podia e quem não podia entrar no clube nuclear.

Semana passada, Obama e o presidente russo Dmitry Medvedev assinaram um acordo de desarmamento nuclear em – outra vez – Praga, o qual, teoricamente, reduzirá os arsenais de EUA e Rússia grosso modo em um terço.

Até agora, ninguém em Washington sabe, sequer, se o Senado ratificará esse acordo.

O que acontecerá com certeza é que o Senado não ratificará o Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty (CTBT) [“Tratado Geral de Proibição de Testes Nucleares”] o qual, na opinião dos Republicanos, “ameaça a segurança nacional dos EUA”. Diferente de George W Bush em 2001, Obama em 2010 apoia a ratificação do Tratado da Proibição de Testes Nucleares.

Bom momento para lembrar o que aconteceu aos antigos tratados de limitação de armas estratégicas [ing. Strategic Arms Limitation Talks (SALT)].

O SALT-1, em 1972, anulou o Sistema de Mísseis Antibalísticos [ing. sistema Anti-Ballistic Missile (ABM)]. Os EUA começaram a corrida. A ex-URSS correu atrás dos EUA. Washington entrou em pânico. E então Richard Nixon teve um choque de realidade.

O SALT-2 foi construído para monitorar o crescimento dos arsenais nucleares. Washington temia o poder de fogo dos mísseis balísticos intercontinentais soviéticos [ing. Intercontinental Ballistic Missiles (ICBMs)] – SS-1, SS-18 e SS-19. Se não fossem monitorados, a URSS poderia instalar quantas ogivas nucleares quisesse em cada um desses mísseis, o que triplicava o poder de fogo.

Os EUA não ratificaram o acordo SALT-2 – embora, na prática, tenha sido respeitado pelo Pentágono. Nada disso foi explicado à opinião pública dos EUA à época, final dos anos 70s. O acordo SALT-2 foi vendido aos cidadãos como “um favor” dos EUA a Moscou – e, depois, foi rasgado, quando, nas palavras do presidente Jimmy Carter, a URSS atacou “aquele país profundamente religioso”, o Afeganistão, em 1979.

Meses antes, o embaixador dos EUA no Afeganistão fora assassinado por aqueles tipos “profundamente religiosos”, apesar de até a inteligência russa ter tentado salvá-lo. Essa história foi revelada à imprensa por ninguém menos que o rei supremo da política exterior de Carter, Dr. Zbigniew “vamos conquistar a Eurásia” Brzezinski.

Anos depois, o governo Bush rabiscou o tratado antimísseis balísticos [ing. Anti-Ballistic Missile Treaty (ABM Treaty ou ABMT) e, em 2003 decidiu adotar o Prompt Global Strike [Ataque Global Imediato] – sob o qual milhares de armas nucleares estratégicas passaram a poder ser convertidas para ser disparadas por ogivas convencionais no prazo de duas a quatro horas, o suficiente para destruir totalmente a infraestrutura vital de qualquer inimigo.

O plano de ataque global imediato de Bush é hoje o plano de ataque global imediato de Obama. Nada, rigorosamente nada, foi alterado.

Impressionados com a minha postura?

Já enquanto negociava um possível acordo SALT-3 com os russos, o governo Obama anunciou sua Revisão da Postura Nuclear dos EUA [ing. US Nuclear Posture Review (NPR)], de 72 páginas. A ‘nova postura nuclear’, pelo menos, reconhece explicitamente que a Rússia “já não é inimigo” e entroniza, nua e crua, uma política de “nenhuma nova arma nuclear”.

Mas a ‘nova postura nuclear’ não estabelece claramente o quanto ainda será reduzido o formidável arsenal nuclear dos EUA. E, como os russos imediatamente perceberam, nada diz, nem uma palavra, sobre as 200 bombas atômicas táticas que os EUA guardam em cinco bases da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Europa: na Alemanha, na Itália, na Bélgica, na Holanda e na Turquia.

Em teoria, a ‘nova postura nuclear’ dos EUA é um primeiro golpe dos EUA contra qualquer dos países que assinaram os tratados NPT – com duas notáveis exceções: o Irã, Estado-bandido (signatário dos NPT) e a Coreia do Norte, Estado-bandido, também, mas que não assinou os NPT. Não por acaso, nem um nem outro foram convidados para a reunião de engabelação geral em Washington – o que converte a reunião de engambelação geral, é claro, em reunião de engambelação geral sem importância alguma.

Nada se ouviu, vindo de Piongueangue – mas a Coreia do Norte é potência nuclear altamente idiossincrática; e Piongueangue, como o resto do mudo, sabe que a Coreia do Norte é imune a qualquer intimidação vinda dos EUA. E o resto do mundo sabe também que, se o Iraque se tivesse convertido em potência nuclear, jamais teria sido atacado por Washington.

Quanto ao Irã, não há qualquer prova de que seu programa de enriquecimento de urânio tenha sido orientado para fabricar armas. Por isso, precisamente, Obama jamais convencerá Hu, da China, a aceitar sanções pesadas contra o Irã.

E logo no início do encontro de Washington, ambos, Brasil e Turquia – anunciaram, mais uma vez, que são contrários a sanções, e especialmente contrários ao que o primeiro-ministro de Israel insiste em repetir que devem ser “sanções incapacitantes”.

Os líderes iranianos viram a ‘nova postura nuclear’ pelo que ela é: uma abertura para que os EUA ataquem o Irã com armas nucleares. Teerã exigirá da ONU uma resolução que condene os EUA – mas todos sabem que a medida dará em nada.

Não se metam com o meu espectro

Obama disse em Praga ano passado que queria “por um fim ao pensamento da Guerra Fria”; pregou que “o papel das armas nucleares seja reduzido, em nossa estratégia de segurança nacional” e conclamou “outros a fazerem o mesmo”.

Se isso é bem assim, Obama está em rota de colisão com o Pentágono e sua doutrina de “espectro total de dominação”.

Não há qualquer sinal de que os EUA estejam a caminho de reduzir o orçamento militar, maior que todos os orçamentos nacionais do planeta, somados. Com Obama, trata-se de “ataque global imediato”. O Pentágono está reforçando todo seu vasto poder estratégico não-nuclear; está muito à frente, e a plena carga, nos mísseis de defesa global; está impulsionando a OTAN, para que se converta em polícia global; já converteu submarinos nucleares de classe Ohio em transportadores de mísseis-cruzadores com ogivas não-nucleares; e nem cogita de abandonar seus sonhos de nuclearizar o espaço estelar.

A beleza disso é que o Pentágono só tem a ganhar com a ofensiva “Obama Nuclear”. O espectro de total dominação não exige imenso arsenal nuclear; o atual arsenal de mísseis balísticos intercontinentais que transportam ogivas nucleares é mais do que suficiente.

O Irã deve ser o teste. Na eventualidade – até aqui pouco provável – de um ataque ao Irã, o “ataque global imediato” teria seu batismo de fogo (literal), o que implicaria uma nova versão atualizada da operação “choque e pavor”.

Mas o show não pode parar. Mês que vem, haverá a conferência da ONU dedicada à revisão de cinco anos dos Tratados de Postura Nuclear. Obama estará no comando dessa revisão – que já está sendo divulgada em Washington como uma “estratégia efetiva” para conter o Irã.

Assim sendo, deve-se esperar que o governo Obama pressione ainda mais as relutantes China e Rússia – o que pouco tem a ver com “habilidade nixoniana” de oferecer cenouras (não só porretes), e terá de enfrentar a absoluta (e não infundada) paranóia de Teerã, que não se cansa de falar de golpe orquestrado pelos EUA contra o regime dos aiatolás.

Quanto à conversa, de que Washington teria interesse em “mundo completamente livre de armas nucleares”… Desse material se fazem os sonhos-delírios de quem não conhece o Pentágono.

Pepe Escobar é jornalista, colaborador de Asia Times Online. Recebe e-mails em [email protected]

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Comentários

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eduardo ayrton

pois é aquele tema de governança global…um grande lider mundial para por ordem ao caos…ta tudo se desenhando

Silva

Ate o fim deste seculo e o processo ja começou a hegemonia americana acabara , mas lembre-se que
o desespero faz com que se tenha atitudes desesperadas.
Eles podem atirar pra todo lado.
E bom ficar atento aos movimentos dos moribundos.

Obama e um certo delírio nuclear « Substantivo Plural

[…] aqui […]

francisco.latorre

ainda bem que obama não engana mais.

decepcionou rapidão.

..

Ubaldo

Penso que o Brasil poderia enriquecer urânio para uso nuclear. Para venda e para fins pacíficos. Pacíficos?
Sim. Se temos tecnologia e podemos fabricar a bomba devemos fazê-lo. Seria mais ou menos como nós mantermos uma arma em casa para evitar a entrada de ladrões.Não que a gente saia atirando por ai em alguém. A gente evita uma guerra pelo respeito que os outros tem só em saber ou ao menos duvidar que temos fogo também. Vocês não acham que isso pode ser denominado "fins pacíficos"?

francisco.latorre

ô gustavo…

se preparando pra invasão?..

ou traduziu mesmo pra facilitar os google-spys?..

..

    francisco.latorre

    hahahahaa.

    that's it.

    so easy. so dumb.

    ..

francisco.latorre

“espectro total de dominação”.

“manifestação do que pode ser uma ordem mundial liderada pelos EUA”.

..

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