23/05/2011 – 10h07
Quando a austeridade fracassa
Muitas vezes me queixo, com razão, quanto ao estado do debate econômico nos Estados Unidos. E a irresponsabilidade de alguns políticos -como os republicanos que declaram que um calote da dívida pública norte-americana não seria grande problema- é assustadora.
Mas ao menos nos Estados Unidos, os membros da escola dolorosa de pensamento econômico, os quais alegam que elevar juros e cortar severamente os gastos do governo diante de desemprego maciço de algum modo melhorará as coisas, em lugar de piorá-las, precisam enfrentar certa medida de reações adversas, do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e do governo Obama.
Já na Europa, em contraste, a escola dolorosa de pensamento econômico domina o debate há mais de um ano, e insiste em que moeda forte e orçamentos equilibrados servem como resposta a todos os problemas. O que embasa essa insistência é uma série de fantasias econômicas, principalmente a crença na fadinha da confiança -ou seja, a crença em que cortar gastos na verdade criará empregos porque a austeridade fiscal propiciará melhora na confiança do setor privado.
Infelizmente, a fadinha da confiança continua se recusando a dar o ar de sua graça. E uma disputa sobre como lidar com essa realidade inconveniente ameaça fazer da Europa o ponto focal de uma nova crise financeira.
Depois da criação do euro, em 1999, os países europeus que anteriormente eram vistos como devedores de risco, e que portanto enfrentavam limitações nos montantes que podiam captar, começaram a receber fortes influxos de capital. Afinal, os investidores aparentemente acreditavam, Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha eram membros da união monetária europeia, e o que poderia sair errado?
A resposta a essa pergunta agora se tornou dolorosamente aparente. O governo grego, que se viu capaz de realizar captação a juros apenas ligeiramente mais altos que os pagos pela Alemanha, se endividou demais. Os governos da Espanha e Irlanda não o fizeram (a situação de Portugal é intermediária) -mas os bancos desses países se endividaram e, quando a bolha estourou, os contribuintes se viram forçados a arcar com as dívidas contraídas pelos bancos. O problema foi agravado pelo fato de que o boom de 1999 a 2007 causou sério desalinhamento entre os preços e custos dos países endividados e os das nações vizinhas.
Que fazer? Os líderes europeus ofereceram empréstimos de emergência aos países em crise, mas apenas em troca de promessas de que programas severos de austeridade seriam impostos, consistindo basicamente de fortes cortes de gastos. As objeções no sentido de que programas como esses se provariam contraproducentes -não só por imporem sofrimento direto como por reduzirem a arrecadação tributária e assim agravarem a crise- foram desconsideradas. A austeridade era uma resposta expansiva, alegavam os defensores da doutrina, porque traria melhora na confiança.
Ninguém acatou a doutrina de uma austeridade expansiva com mais confiança do que Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE). Sob seu comando, o banco começou a pregar austeridade como elixir econômico universal que deveria ser imposto imediatamente em toda parte, mesmo em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, que continuam a enfrentar desemprego elevado e não vêm sofrendo pressão nos mercados financeiros.
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Mas, como eu disse, a fadinha da confiança não apareceu. Os países devedores europeus em situação mais grave estão, como seria de esperar, sofrendo declínio econômico renovado graças aos programas de austeridade, e a confiança está despencando em vez de subir. Tornou-se claro, a essa altura, que Grécia, Irlanda e Portugal não podem pagar suas dívidas integralmente, e não o farão, se bem que a Espanha talvez se prove capaz de aguentar o tranco.
Em termos realistas, portanto, a Europa precisa se preparar para alguma forma de redução de dívida, que envolveria uma combinação entre assistência pelas economias mais fortes e a imposição de perdões parciais de dívida aos credores privados, que teriam de aceitar pagamento inferior ao valor de face de seus títulos. Mas o realismo parece estar em falta.
De um lado, a Alemanha adotou linha dura quanto a qualquer coisa que leve jeito de assistência aos seus vizinhos em crise, ainda que uma motivação importante do atual programa de resgate tenha sido a de tentar proteger os bancos alemães contra prejuízos.
Do outro lado, o BCE está agindo como se estivesse determinado a provocar uma crise financeira. Começou a elevar as taxas de juros a despeito do estado terrível de muitas economias europeias. E funcionários do BCE vêm alertando contra qualquer forma de redução de dívida -de fato, um membro do conselho executivo da instituição na semana passada sugeriu que até mesmo uma reestruturação modesta dos títulos públicos gregos levaria o BCE a deixar de aceitar esses papéis como caução de empréstimos aos bancos da Grécia. Isso equivale a declarar que, caso os gregos busquem reduzir suas dívidas, o BCE suspenderá toda assistência ao sistema bancário grego, que depende crucialmente desse tipo de operação de empréstimo.
Caso os bancos gregos entrem em colapso, isso poderia forçar a Grécia a sair da zona do euro -e não é difícil perceber que isso poderia dar início à queda dos dominós financeiros em boa parte da Europa. Portanto, o que o BCE acha que está fazendo?
Meu palpite é que a instituição simplesmente não está disposta a encarar o fracasso de suas fantasias. E se isso parece incrivelmente insensato, bem, quem disse que a sabedoria governa o mundo?
TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI
Leia mais sobre o impacto da instabilidade grega no futuro da União Europeia
Comentários
Crise e retrocesso | Verdade Virtual
[…] de dúvida. Estava claro que um novo modelo teria que ser aplicado. A idéia vem sendo apoiada por Paul Krugman e Joseph Stiglitz, os dois laureados com o Nobel de economia e o último contrariando tudo que ele […]
João Carlos
O problema é que hoje em dia os governantes são eleitos com altos financiamentos de suas campanhas por banqueiros. Resultado: estes governantes governam para a banca e não pelo bem estar de seus eleitores.
Stiglitz: Austeridade levará EUA e Europa à estagnação | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Aqui, Paul Krugman, também alerta sobre o fracasso da austeridade. […]
Niveo Campos e Souza
Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália… etc…FMI?
Austeridade financeira???
O grande Senhor FMI, falando no popular: " vai tomar o sangue deles no canudinho".
E adivinhe quem vai pagar a conta?…… como sempre, QUEM NÃO TEM NADA COM ISSO: "O POVO".
Niveo Campos e Souza
Roberto Locatelli
A crise que começou com a quebra do Lehman Brothers é mais uma crise do capitalismo. A última, em 29, resultou na II Guerra Mundial.
Desejo que o mundo comece a discutir seriamente um outro sistema econômico para substituir o capitalismo, que já deu o que tinha que dar.
Roberto Locatelli
Ao fim e ao cabo, o PCdoB, ou setores dele, seguem os cânones do stalinismo. Ou seja, o importante é a aliança com setores menos à direita da elite, para mudar a "correlação de forças".
A aliança dos excluídos para derrotar o capitalismo não é levada em consideração pelos stalinistas. Quem esses excluídos pensam que são para quererem derrotar a elite?
Alceu Gonçalves
Pouco ou nada sei sobre os meandros desta tal de economia, ciência hermética, quase mística, uma religião professado por poucas e sábias pessoas. Mas que tal um pouco de bom senso? Então, vamos lá; paises fracos e pobres como Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e vários outros paises do Leste Europeu, tinham alguma chance quando renunciaram à sua moeda própria em benefício da tal união europeia? eles realmente confiaram na beemerância dos banqueiros europeus e americanos, os quais no frigir dos ovos são quem realmente decide sobre a economia em todo o mundo ocidental? Bão, se os dirigentes destes paises confiaram são, ou otários ou pilantras que viram a chance de se tornarem bilionários e não deixaram escapar. Um país que renuncia à moeda própria é um pais que renuncia à sua independência.
AlceuCG.
Bonifa
Sarkoky quer acabar com a Internet:
"Na abertura do Forum Global Digital sobre a Internet que antecede a reunião do G-8, que incluiu os chefes do Facebook, Google e eBay, a audiência foi informada por Sarkozy de que a "revolução total global” alcançada pela rede não deve substituir a democracia tradicional."
Por “democracia tradicional” entenda-se o Sistema que se expressa oficialmente pela imprensa tradicional corporativa. Sarkozy está com medo da revolução da Democracia Real e está ameaçando cortar as linhas de comunicação do “inimigo”.
“Tire suas patas sujas da WEB, Sarkozy.” Foi o mínimo que disseram os comentaristas.
http://www.guardian.co.uk/technology/2011/may/24/…
Em jogo, o futuro da Grécia – e da União Europeia | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Saiba o que diz o economista Paul Krugman sobre o fracasso dos planos de austeridade […]
sergio
Um texto sem muito fru-fru. Dai a facilidade de entender o que está ocorrendo e o que está por vir na Europa. Ou a Europa tem um choque de sensatez ou veremos em breve uma catastrofe econômica maior ainda, com pitadas de convulsão social cada vez maior. A Grécia deveria seguir o caminho argentino. Pular fora do euro, declarar moratória, e só voltar a mesa de negociação para reduzir a divida, e fazer com que credores irresponsáveis assumam sua parcela de culpa. Fazer com que banqueiros tambéma sejam afetados por suas decisões, invariavelmente baseada da ganância e cobiça exagerada. E aliviar para a população em geral.
Anão Zangado
Essa idéia é absurda. Se a Grécia – ou Portugal, ou a Irlanda, ou qualquer outro país em dificuldade – saírem do sistema monetário europeu o sistema cai como um castelo de cartas. Pela simples razao de haver mais incentivo em sair do sistema do que permanecer nele. E o desmonte da União Européia não é algo desejável, pois jogaria o sistema financeiro internacional no mais absoluto caos. Isso faria a crise de 2008 parecer brincadeira de criança.
João
A idéia não é absurda não. Veja o que está acontecendo em Madri (Movimento 15-M). Caso o povo queira, saia as ruas, se mobilize, pode ser que Grécia, Portugal e Irlanda saiam da zona do euro sim.
Depois, com crise ou não a Europa resistiria (já resistiu a tantas coisas, como as Guerras Mundiais, por qeu não resistiria a mais uma crise?)
JIL
Ai que ta, a Europa saiu quebrada da 1a e da 2a GM: da primeira, Inglaterra, Alemanha e França sairam das primeiras posições da economia mundial para algo BEM atras dos Estados Unidos.
Mesma coisa com a segunda guerra mundial, sairam quebradas e foram reconstruidas em grande parte graças a ajusa do Plano Marshall…
Para não correr o risco de quebrar de novo, é melhor a Europa (Banco Central Europeu e Commissão sobretudo) abandonarem a ilusão ultraliberal, voltar a controlar o sistema financeiro, para evitar novas bolhas de crédito incontrolaveis.
Mas parece que não é este o caminho que està sendo trilhado…
Sobre a Grécia e Portugal, acho mesmo que a Argentina poderia ser um modelo. Mas os seus governos também decidiram seguir as imposições da União e do FMI. Vão pagar muito caro por isso!
Bonifa
Isto, esta idéia que você diz ser absurda, poderá perfeitamente acontecer, se não acontecer coisa muito pior. Já se espalha pelo continente a idéia da negação de uma União Européia construída sobre bases estritamente neoliberais. E esta crise ainda é a mesma crise de 2008, não é outra. Acontece que a crise vem em ondas, e elas serão cada vez maiores, até que surjam as condições necessárias para a construção de um novo sistema global. Ou será isso ou será a destruição global.
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