por Nelson Peralta, no Esquerda.Net
O Egipto fervilha. O ditador caiu mas muitos dos seus antigos governantes mantém-se no poder e o exército conduz a transição. No meio deste processo entrevistamos activistas do Movimento 6 de Abril, um dos movimentos na base da agitação popular no Egipto.
A cada minuto o telemóvel toca. Ahmed Maher, engenheiro civil de 30 anos, vai rejeitando as chamadas durante a conversa. Por vezes interrompe por algum telefonema mais importante. Este é o retrato do ritmo frenético que se vive no Egipto e da importância que as novas tecnologias de comunicação tiveram na revolução. Ahmed faz parte de uma geração que não via grande perspectiva de futuro no país e que é movida por uma enorme vontade de mudança.
Uma greve geral que começou na internet
Em 2005 começaram a surgir vários movimentos da juventude pela mudança. Ahmed contactava regularmente com os comités locais de trabalhadores e escrevia online sobre as condições de trabalho, as greves e as lutas que encontrava. Foi um dos activistas que convocou um greve geral nos grupos do Facebook. A iniciativa teve um sucesso ímpar, a cada dia aderiam três mil pessoas. “Antes usava o Yahoo!Grupos e o blogger. O facebook era novo e popular e, acima de tudo, era a única destas ferramentas imune ao controlo governamental. Passou assim a ser a nossa ferramenta”, relata. Mas não esquece a preciosa ajuda do Ministro do Interior que fez uma declaração sobre o movimento. Esse ataque governamental tornou a iniciativa imensamente mais conhecida do que aquilo que as acções do próprio grupo tinham conseguido até então.
O apelo surtiu efeito e a greve geral realizou-se a 6 de Abril de 2008 com um enorme sucesso. A luta iniciada na internet tinha passado para o mundo real. Na sequência do protesto, vários membros do grupo são presos e uma activista espancada mas a agitação social permaneceu. “É um movimento jovem que fala a mesma linguagem dos jovens. Usa o facebook, o twitter, as SMS. O protesto não é tradicional, os jovens vão para a rua cantar, fazem conferências e festas na rua. Tiraram membros da internet para o mundo real. Todos queriam conhecer a cara uns dos outros e para nos organizarmos era preciso esse contacto”. É assim que Ahmed retrata a evolução do movimento. As suas actividades levaram a que em Julho desse ano tivesse sido preso. Durante essas duas semanas sentiu uma intensa tortura psicológica.
Da Tunísia ao Egipto, foi possível!
No início as manifestações juntavam mil a três mil pessoas. Surge contudo um imprevisto. “De repente houve uma revolução na Tunísia. Passou a haver a percepção de que afinal era possível”. A partir daí a participação nas manifestações foi crescendo, até à revolução. Estava em curso um protesto no facebook, organizado por vários movimentos, contra o Ministro do Interior. Mas o que começou como uma luta contra as políticas de repressão, tornou-se quase inadvertidamente numa contestação a todo o regime de Mubarak.
Em Dezembro passado criaram o Movimento 6 de Abril, com um grupo facebook que juntava ainda mais pessoas que o anterior grupo da greve geral. A partir de 15 de Janeiro realizaram reuniões diárias de cinco horas onde desenharam mapas das ruas. Na internet publicaram os pontos, cinco no Cairo e dois em Alexandria, de onde partiriam as marchas para a concentração, no caso da capital na Praça Tahrir. Contudo, não se limitaram a esperar. Duas horas antes do inicio do protesto foram para os bairros pobres apelar à participação. A polícia já estava à sua espera nos locais marcados, mas não esperava que cada marcha juntasse mais de 20 mil pessoas. Ao verem a polícia a retirar perante a imensidão de gente perceberam que o protesto ia ser bastante eficaz. Perceberam que estavam perante uma revolução quando viram milhares e milhares de egípcios de todas as idades a juntarem-se em Tahrir. Nesse dia, 25 de Janeiro de 2011, ocuparam a praça onde ainda hoje continuam. Durante a noite a polícia atacou com violência, muitos membros foram presos. Milhares estavam em fuga procurando esconderijo nas áreas pobres. Este foi um ponto de viragem. “A partir daqui todas as pessoas passaram a agir sozinhas, sem a organização. Todos queriam participar”. Pelo meio o regime ainda cortou a internet e as ligações telefónicas mas era demasiado tarde, Mubarak caía 18 dias depois.
Uma prioridade: a democracia
Para Ahmed Maher “as exigências políticas, sociais e económicas são apenas uma”, não se tratam de coisas diferentes. Desconfia da ordem vigente, “não tenho ideia do que o exército quer. Os movimentos pediram muitas medidas mas o exército ignorou” explica, referindo que a táctica dos militares é ir adiando os assuntos de reunião em reunião sem qualquer decisão. Não se sente representado nas actuais forças políticas e pede que se criem “novos partidos e novas organizações”.
Mohammed Adel, também activista do movimento 6 de Abril e prestes a entrar para o serviço militar, junta-se à conversa enquanto espera a ida para uma importante manifestação que os aguarda a minutos e metros de distância. Ambos têm bem definidas as suas prioridades políticas para o momento. Todas passam pela democratização do Egipto.
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Em primeiro pretendem uma mudança imediata do governo que continua com muitos membros do anterior governo de Mubarak e com vários tecnocratas fiéis ao regime. Querem que o exército deixe de comandar o período de transição, defendendo que esse papel passe a ser desempenhado interinamente por um Conselho Presidencial composto por dois juízes e um militar. A abolição da lei de emergência e a libertação dos presos políticos é outra das suas exigências imediatas. Pedem ainda a dissolução do NDP, o partido do regime, assim como dos seus mecanismos de dominação. Por fim, pedem uma reorganização do Ministério do Interior.
E com isto partiram para a Praça Tahrir. Tinham uma revolução para concluir.
Comentários
Bonifa
O grande avestruz ocidental meteu a cabeça no buraco e lá, só está enxergando a Líbia.
Vinícius Camargo
Alguém conhece esta organização? Avaaz? E as campanhas que a mesma apóia pelo mundo? https://secure.avaaz.org/po/blackout_proof_the_pr…
jeison
Ouvi dizer que a CIA não previu a revolução…
Marcos C. Campos
É mais do que a mistura entre Diretas Já e os Cara Pintadas.
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