Cheiro de preconceito
Por Meraldo Zisman*, no blog Chumbo Gordo, sugestão de Dirceu Greco
Em se tratando de discriminação, tenho mais de cinco mil anos de experiência, e observo, com apreensão, a mídia tornar-se – mais uma vez – preconceituosa contra o nordestino.
Contrariamente aos da minha região, sou alto, possuo olhos azuis e o que restou da minha vasta cabeleira se apresenta mais próximo do castanho.
Quando fiz a residência médica no Rio de Janeiro (em 1959), as pessoas achavam engraçado um sujeito alto e louro falar como um nordestino.
Duas primas minhas cariocas, inclusive, estranhavam aquele sotaque. Uma delas dizia: “Se não abrir a boca, vão até pensar que você é daqui do Rio ou de São Paulo. Credo! Você fala arrastado… Parece até com o porteiro do edifício, o cearense”.
Também aturei “brincadeiras” dos colegas do hospital, das primeiras namoradas cariocas e durante minhas poucas noitadas no Rio.
Vez por outra, ouvia alguns frequentadores do bairro boêmio da Lapa dizerem uns para os outros: Lá vem aquele doutorzinho galego que fala nordestino!
Eu trabalhava com afinco e o Chefe da Especialidade demonstrava interesse para que eu permanecesse como seu assistente.
Quando estava tudo acertado, veio visitar o Serviço de Pediatria o Professor Antônio Figueira, Catedrático de Puericultura no Recife. Reconhecendo-me, falou baixinho: “Volte para Pernambuco, lá é sua terra! O Recife precisa de gente como você, gente nova e bem treinada!” E eu voltei!
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Quando saiu publicada na revista Veja uma matéria sobre o Homem Guabiru (o nanico nutricional), que versava sobre o livro Nordeste Pigmeu, de minha autoria, fui convidado por Jô Soares para ser entrevistado em seu programa.
No entanto, recusei o convite: não me apetecia fazer gracinhas com a região em que nasci.
No presente, requentando um assunto já tão antigo, quando a mídia volta a culpar o nordestino pelos males do país, como judeu que sou, além de ser ainda nordestino, volto aos meus cinco mil anos de experiência em discriminação e advirto os leitores: basta, somente, um pouquinho de cheiro de fumaça, para eu sentir a presença de preconceito.
E como o preconceito cheira mal!
O preconceito é uma catinga. Péssimo odor exalado pelo corpo suado; inhaca; catinga de roupa usada; um tecido com fedor de comida estragada.
Meraldo Zisman é médico, psicoterapeuta. Um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz. Acaba de relançar “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradox
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