Marcio Tenenbaum: Presidente, infelizmente, o senhor aprendeu apenas a pior parte de Israel
Tempo de leitura: 4 minBolsonaro, a religião e o pen drive
por Marcio Tenenbaum, especial para o Viomundo
Churchill, além de notório político conservador, racista e imperialista, era também grande formulador de frases célebres.
Em seu famoso discurso de posse como primeiro-ministro em 1940 cunhou a famosa mensagem ao povo inglês: não tenho nada a oferecer a vocês além de sangue, sofrimento, suor e lágrimas.
Churchill usou como inspiração uma frase de outro grande político, Garibaldi, que alertou aos seus liderados na luta pela unificação italiana: não ofereço nem dinheiro, nem quartéis, nem provisões. Dou fama, sede, marchas forçadas, batalhas e morte.
Frases como essas têm o condão de levar esperança e coragem diante de um futuro que se apresenta desastroso.
Líderes, nos momentos em que o presente se transforma nos piores presságios, inflamam a população para o combate que se avizinha.
Lula fez o mesmo quando da crise financeira de 2007, dizendo que lá (nos Estados Unidos) ela era uma tsunami, mas aqui seria apenas uma marolinha.
E convocou o povo a consumir pois, acrescentava ele, se ninguém consumir com medo do futuro, a consequência será o fechamento das fábricas por falta de encomendas. O país cresceu 7,5%.
Frases como essas de Churchill, Garibaldi e Lula, por sua simplicidade, atingem diretamente a psicologia popular criando uma simbiose com a população.
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Nesse primeiro dia de junho, o presidente Bolsonaro também cunhou uma frase na tentativa de confortar aqueles que ficaram preocupados com sua declaração de que talvez fosse o momento de termos um ministro evangélico no Supremo Tribunal Federal.
Ontem, o presidente disse:
“o Brasil de todas as religiões sabe que a liberdade é o bem maior de um povo. Brasileiro, olhe o que Israel não tem e o que eles são, veja o que nós no Brasil temos, e o que não somos. Juntos, com fé, muito trabalho e oração, colocaremos nossa pátria no local de destaque que merece”.
A simplicidade da frase, com o objetivo de atingir a psicologia popular diante do problema do desemprego, se resume a fé, trabalho e oração.
O presidente, em seu propósito de governar o país através da fé religiosa, avança mais um degrau no confronto trágico representado pela mistura de religião com política.
O presidente desconhece que somos um estado laico, e também as conquistas liberais e civis que redundaram na separação do estado e da religião, uma das conquistas da Modernidade.
O presidente desconhece as guerras religiosas que ceifaram vidas e destruíram países durantes anos.
A Europa praticamente atravessou o período que vai do século XVI até a metade do século XVII assistindo à guerra entre católicos e protestantes que dizimaram milhares de pessoas, fruto da intolerância religiosa.
O presidente enfatiza, em sua fala, a exuberância do Estado de Israel que tanto fez em tão pouco tempo de existência. O presidente pede para olharmos para o que Israel não tem e o que eles são.
Sim, presidente, Israel não tem petróleo, não tem água abundante; ao contrário, chove por ano em todo o país, no máximo, 300 milímetros, quantidade semelhante à enxurrada de uma dia no Brasil.
Israel não tem enormes espaços de áreas agricultáveis como nós temos no centro-oeste.
Israel não tem a maior floresta tropical do mundo, a maior reserva de biodiversidade, as maiores reservas de água doce.
Sim, presidente, Israel não tem nada disso que nós temos e, como dito, olhe o que eles são.
Sim, presidente, Israel não tem nenhum desses elementos que a todos causam inveja e que nós possuímos, mas Israel, exatamente por não ter nada disso, foi obrigado a investir no seu único ativo: o povo e sua educação, exatamente o contrário do que o seu governo propõe.
Sim, presidente, olhe para Israel e o que eles são: um dos maiores investidores públicos em universidades, pesquisas e tecnologia.
Sim, presidente, exatamente o contrário do que seu governo está propondo ao nosso país.
Desde o governo Temer, com a aprovação da PEC 95, os gastos com educação foram limitados e congelados durante 20 anos. Seu governo, mais recentemente, contingenciou no mínimo 30% os gastos com educação.
Sim, presidente, olhemos o que Israel nos apresenta: jamais congelou gastos com educação, pesquisa e tecnologia.
Sim, presidente, Israel não possui água, mas a pesquisa os ensinou a dessalinização do Mar Morto.
Israel não tem terras abundantes para agricultura, mas a pesquisa científica o transformou num país com forte tecnologia nessa área.
Israel não tem petróleo, mas foi a pesquisa que lhe deu o parque tecnológico na área de informática e foram esses investimentos públicos em educação e pesquisa científica que lhe permitiu criar, por exemplo, o pen drive e o Waze e ser o quarto país do mundo a enviar uma espaçonave à lua.
Mas, infelizmente, presidente, a união entre religião e política sempre redunda em tragédia, e Israel também nos ensina que essa mistura foi trágica para a sua história.
Foi exatamente a mistura entre religião e política a origem da destruição do segundo templo pelos romanos.
Naquela época, a revolta de Bar Kobha, um líder militar-messiânico e sectário, desencadeou uma guerra civil entre a população judaica local ao ponto de levar os romanos, invasores da Palestina, a intervirem com o objetivo de pôr fim à guerra.
Os diversos emissários romanos e judaicos enviados não tiveram sucesso levando, por fim, à intervenção romana com a consequente destruição do segundo templo e o início da diáspora judaica.
Sim, presidente, Israel nos ensina o bem e o mal. Infelizmente, o senhor aprendeu apenas a pior parte.
*Marcio Tenenbaum é advogado e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia –ABJD/RJ
Comentários
Zé Maria
Bolsonaro corre risco de não passar de Julho,
avalia Embaixador
“Bolsonaro se esquece de que o Brasil é um país subdesenvolvido
ao negociar a entrada na OCDE.
O que um contínuo vai fazer no country club do Rio de Janeiro?
Talvez ser garçom. A OCDE é um clube de ricos.”
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães
Jornal GGN
“No cardápio político, hoje em dia, Bolsonaro está sendo servido.
O prato alternativo que se pode escolher é Mourão.
Outros pratos, como revolução socialista e proletária, estão em falta.
Assembleia nacional constituinte? Também não está sendo servido.
O que tem é o Mourão. Você pode não gostar, achar que é a volta
dos militares, achar o que quiser.
Em entrevista no The Intercept, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães,
ex-secretário-geral do Itamaraty entre 2003 e 2009, avaliou que o governo
Jair Bolsonaro não deve passar de julho.
A queda de Bolsonaro deve acontecer pela ampla incapacidade política dele
e de ministros e políticos próximos que, não apenas atravanca a governabilidade
no país, como também “promove antagonismo social todos os dias”.
“Agora, [Bolsonaro] liberou as pessoas a transitarem com armas carregadas.
É uma coisa inacreditável. Temos 63 mil mortes por ano, em toda a Guerra
do Vietnã os EUA não perderam o que morre no Brasil por ano.
É um governo que promove ódio racial, todo tipo de confronto na sociedade.
Isso é uma coisa muito perigosa”, destacou Pinheiro.
“O governador do Rio subiu num helicóptero para acompanhar uma ação
em que sujeitos iam matar pessoas. Isso é uma loucura”, completou.
Ao ser questionado se uma eventual volta dos militares ao poder não deveria preocupar, o embaixador foi taxativo dizendo que “não”.
Naturalmente, a cadeira no Palácio do Planalto será ocupada pelo general Hamilton Mourão, atual vice-presidente.
“Não vale a pena [instituir um governo ditatorial como a de 1964]. [Os militares] Passaram 30 anos tentando limpar os aspectos negativos da ditadura para eles. Veio o Bolsonaro e o tempo todo relembra a ditadura. Eles ficam horrorizados com isso. As pesquisas de opinião mostram que os militares são um dos grupos que têm mais confiança da população brasileira. Conseguiram isso, e o Bolsonaro passa o tempo todo lembrando da ditadura, do [ditador chileno Augusto] Pinochet, do [ditador paraguaio Alfredo] Stroessner, do [coronel Carlos Alberto] Brilhante Ustra (um dos principais comandantes da tortura de adversários do regime militar)”, continuou.
Segundo Samuel Pinheiro, Bolsonaro, e sua equipe econômica igualmente ineficiente, corre para tentar aprovar até julho a reforma da previdência como uma forma de alcançar o prometido “milagre” da volta ao crescimento. Como se a mudança na previdência fosse capaz de resolver a complexa situação econômica.
Sobre a avaliação da política externa brasileira, especificamente a atuação do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, não faltaram críticas. Samuel Pinheiro apontou o chanceler como “ridículo” e “um louco”.
“O Ernesto é uma coisa deste tamanho (sinaliza algo pequeno com a mão). Uma coisa ridícula. É ridículo. Ri-dí-cu-lo (enfático, separando as sílabas). No discurso de formatura dos alunos do Instituto Rio Branco, o ministro Ernesto Araújo comparou o presidente Bolsonaro a Jesus Cristo. E chorou quando fez isso. Isso não existe na história do Brasil e nem na história do mundo, um ministro ter comparado o chefe de Estado a Jesus Cristo”, relembrou.
Sobre a teoria defendida pelo ministro das Relações Exteriores, de que o Brasil enfrentava os Estados Unidos durante os governos petistas e se relacionada apenas com governo de esquerda, o embaixador avaliou como mais absurda.
“O Brasil fez um contrato de compra de caças com a Suécia. Ao que me consta, a Suécia não é um país comunista de esquerda. Fez o contrato do submarino nuclear com a França. É tudo ignorância”, analisou.
Pinheiro aumentou o coro entre dos especialistas em relações internacionais que defendem que o Brasil não deve interferir na crise da Venezuela e de qualquer outro país vizinho, para servir aos interesses dos Estados Unidos.
“O Brasil é um país diferente. Quem já foi ao Paraguai e leu o jornal ABC sabe o que eles pensam do Brasil, que eles foram espoliados, destruídos (na Guerra do Paraguai). E há os ressentimentos entre eles, entre Argentina e Uruguai, entre Argentina e Chile, entre Chile, Peru e Bolívia, entre a Colômbia e o Equador, entre a Colômbia e a Venezuela. Esses países às vezes procuravam a ajuda do Brasil, a mediação do Brasil, o que é uma coisa muito delicada. Isso permitiu ao Brasil, por exemplo, ter ótimas relações com a Colômbia durante o mandato do presidente [Alvaro] Uribe, e depois aquele outro, [Juan] Manuel Santos. (Irônico) E não me consta que o presidente Uribe fosse marxista cultural, nem que fosse ao Foro de São Paulo, e nem que o Foro de São Paulo tivesse essa importância toda. O Foro de São Paulo era uma reunião dos partidos democráticos de esquerda”, esclareceu.
Pinheiro acredita ainda que o principal fator responsável pela crise econômica e social na Venezuela são as sanções impostas pelos Estados Unidos.
“Eu estive na Venezuela, toda a imprensa é livre. As televisões, os jornais circulam livremente, esculhambam – esculhambam não, criticam o governo ferozmente. Você deve consultar um estudo do Jeffrey Sachs, economista americano, (irônico) um comunista conhecido, não é? [Dele] e do Mark Weisbrot, que calcularam o número de vítimas decorrentes das sanções americanas. São 40 mil pessoas que morreram por causa das sanções”, concluiu.
Para ler a entrevista no The Intercept na íntegra, clique aqui: (https://theintercept.com/2019/06/02/samuel-pinheiro-entrevista)
https://jornalggn.com.br/politica/governo-bolsonaro-corre-risco-de-nao-passar-de-julho-avalia-samuel-guimaraes/
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