Márcia Lucena: Liberdade e autonomia ou, embolada, ‘maria vai com as outras’
Tempo de leitura: 4 minPor Márcia Lucena
Liberdade e autonomia
Por Márcia Lucena*, no blog do Carlos Romero
Vocês já viram bichos-de-ruma se deslocando de um lugar pra outro? É uma visão que intriga a gente. Eles vão se arrastando um por cima do outro, formando um bolo esquisito.
É realmente uma visão intrigante. Você não sabe se algum deles tá levando o bolo, o todo, se algum está guiando, se sabe (ou como sabe) para onde estão indo…
É uma visão triste. Pois a falta de autonomia, de independência, visivelmente, não se traduz em união ou liberdade, como no vôo das gaivotas, por exemplo.
É uma visão incômoda. Pela forma que se movem, parecem desesperados, perdidos e em constante disputa.
Apesar de morar no mato há anos, vi apenas uma única vez esses bichos se movendo, como uma célula viva, grande, que escapou de algum corpo ainda latejando de forma arritimada…
Meu coração acelerou. Fiquei impressionada com a situação desses seres vivos. Que falta de propósito! Não consegui entendê-los. Nunca me esqueci dessa cena.
Na natureza tem de tudo e ela pode ser um grande espelho, se pararmos para olhar com atenção!
Pois bem, às vezes vejo com tristeza o movimento da sociedade de uma maneira geral (evidentemente que me incluo aí) dessa mesma forma: parecemos bichos-de-ruma, andando amontoados e sem direção, uns por cima dos outros, pouco se importando com quem está por baixo, sem perceber que ninguém controla o movimento.
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Portanto quem está por cima agora, estará por baixo daqui há pouco…
Não paramos pra ouvir, pra falar, pra entender, pra planejar, pra considerar o outro, pra ver onde queremos chegar e combinar os revezamentos de quem vai em cima ou embaixo do bolo, por quanto tempo.
Não paramos para combinar a direção, o destino ou o caminho que queremos seguir, aonde queremos chegar. Essa imagem é feia e triste! Sinto dizer, mas é feia e triste!
Especialmente no nosso caso, no caso das pessoas, da sociedade! Aqueles que tentam, de alguma maneira, fazer seu caminho de forma mais independente e inovadora, não sobrevivem por muito tempo. Sofrem e muitas vezes sucumbem. Os demais seguem amontoados, dando voltas uns por cima dos outros sem chegar a lugar algum.
Precisamos romper com isso, essa não é a nossa natureza. É a natureza dos bichos-de-ruma, mas não dos seres humanos!
Temos uma inteligência privilegiada e precisamos usá-la. Já sabemos que quem a usa sozinho e somente para si, sucumbe. Portanto, misteriosamente, nossa inteligência é para ser usada no e para o coletivo.
“A lição sabemos de cor só nos resta aprender”.
Não iremos a lugar algum sozinhos ou amontoados uns nos outros. Só seguiremos com sucesso se estivermos juntos e autônomos ao mesmo tempo.
“A gente leva da vida amor, a vida que a gente leva”
O individualismo é a expressão da ignorância e do medo. Saber fazer junto, disponibilizar sua inteligência para o grupo, para o coletivo, ter a coragem de liderar o processo e estar pronto para unir a sua inteligência a outras, isso é ser humano.
Há momentos em que o tempo, a história, que também têm seus próprios ritmos, nos dão espaço para expressarmos nossas habilidades humanas de fazermos juntos, construirmos, planejarmos, vibrarmos e seguirmos, a partir da nossa inteligência e da nossa capacidade de produzir união.
Nosso processo civilizatório é lento, mas constante. Esse é nosso barco. Estamos todas aqui, juntas! Avançamos no tempo e na história quando construímos umas com as outras.
Por vários motivos estamos sendo chamadas agora para essa construção coletiva! Em nossa família, nosso bairro, comunidade, cidade, estado, país, planeta… é o mesmo barco!
Nossa humanidade está vibrando, latejando e claro, sendo ameaçada. É o momento histórico da criação.
Oportunidade e ameaça juntas nos conduzem para o lugar sagrado de sermos ao mesmo tempo criadoras e criaturas!
Nos tornarmos humanas é nosso desafio, nosso destino e nossa condenação, pois não estamos prontas, precisamos chegar a SER. Outros animais, pouco tempo depois que nascem, estão prontos: o gato, o cavalo, o porco…
Como uma semente de jaca vai virar jaqueira, nossa natureza é nos tornarmos humanos. Esse é o exercício da vida. E requer coragem e compromisso, mas acima de tudo, consciência.
Só conseguimos caminhar nessa direção quando incluímos umas as outras, não como os bichos-de-ruma, isso não é inclusão. Incluir, significa eu me impregnar de você e você de mim, mas seguindo autônomas, livres e maiores, pois contemos umas as outras. Crescemos!
Particularmente, pessoalmente, pelas condições de minha vida nesse momento, até parece que não tenho como contribuir com essa construção. Mas não é do jeito que parece. Eu tenho como contribuir, e vou!
Meu protagonismo em minha trajetória profissional sempre envolveu exatamente a capacidade de disponibilizar o meu melhor para a construção coletiva.
Fui punida por isso! Não por outra coisa! Fui punida pelos que se sentem menos humanos e mais bichos-de-ruma.
E, aparentemente, fiquei sem condições de contribuir com esse momento.
Mas não é bem assim… Acumulei experiências importantes, significativas, transformadoras e posso colocá-las disponíveis à coletividade.
Daqui a pouco estarei de volta ao meu território e será de lá, daqui ou de qualquer lugar que me quiser junto, que estarei disponibilizando, meu aprendizado, minha inteligência, meu amor e o meu melhor para construirmos o nosso presente e o nosso futuro, juntas!
Será uma linda visão! Ver a gente trocando humanidades e chegando mais perto do nosso propósito.
Podemos lembrar mais das gaivotas do que dos bichos-de-ruma com nosso desempenho.
Não vejo a hora!
*Márcia Lucena é professora.
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Márcia Lucena
Feminista, professora de alfabetização e de artes.
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