Manchetômetro: Sumiram com a notícia da Caravana de Lula. Menos fora do Brasil
Tempo de leitura: 8 minpor Luna de Oliveira Sassara, Natasha Bachini e João Feres Junior
A maior parte dos estudos sobre mídia e política tem como objeto a cobertura dos meios de comunicação sobre temas, eventos e personagens.
Não é razoável supor que veículos de comunicação lidos nacionalmente, como os jornais analisados no Manchetômetro, possam dar conta de cobrir a totalidade de eventos que sucedem todos os dias no território brasileiro.
Evidentemente, editores de jornais selecionam determinados assuntos e descartam outros todos os dias.
Esse processo de seleção, conhecido como agendamento, é parte fundamental da atividade jornalística. A tarefa de identificar problemas no agendamento, no entanto, é complexa: além de indicar o objeto que está sendo deixado de fora da agenda, é necessário também demonstrar a relevância daquele objeto. É o que pretendemos fazer neste ensaio.
Entre os dias 17 de agosto e 5 de setembro, o ex-presidente Lula – candidato favorito em todos os cenários eleitorais para 2018 de acordo com a última pesquisa do DataFolha – percorreu 25 cidades em nove estados do Nordeste brasileiro com a caravana chamada “Lula pelo Brasil”.
No universo analisado pelo Manchetômetro, que inclui capas e páginas de opinião dos jornais Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo, além das edições completas do Jornal Nacional, o assunto foi mencionado apenas 11 vezes entre 7 de agosto e 7 de setembro. A seguir, apresentamos a distribuição dos textos por tipo, seguida de uma breve análise de enquadramento de cada um deles.
Como se pode ver, o tema não foi abordado nenhuma vez no Jornal Nacional, o noticiário televisivo de maior audiência no país, que pretende cobrir “as notícias mais importantes do Brasil e do mundo”.
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Nos textos opinativos, as aparições foram mais frequentes: 4 colunas na Folha, 1 no Globo e 4 editoriais no Estadão trataram do tema. Comecemos pela Folha.
No artigo “Digo, Lula”, publicado em 16 de agosto, Ruy Castro compara o ex-presidente a Haruo Nakajima, ator que interpretou Godzilla, e que continuou usando sua fantasia em eventos até o fim de sua vida.
Segundo Castro, Lula também arrasta sua fantasia por “comícios para plateias de militantes profissionais”, mas esta estaria cada vez mais difícil de carregar.
No texto “Um novo regime?”, de 26 de agosto, o cientista político petista André Singer aponta a Caravana como prova de que o chamado lulismo constitui o polo popular do sistema presidencialista brasileiro.
Em 30 de agosto, Hélio Schwartsman argumenta, no artigo intitulado “Lula, o dilema do PT”, que as taxas de rejeição de Lula são muito altas e que, por isso, o petista tem que limitar suas Caravanas ao nordeste, onde sua popularidade ainda é forte.
Já em 7 de setembro foi a vez do jornalista Bernardo Mello Franco assinar “A paulada de Palocci”, no qual cita a caravana como tentativa do ex-presidente de “trocar o papel de investigado pelo de candidato” – tentativa esta que, segundo Franco, teria fracassado, pois antes de seu encerramento, Lula foi “bombardeado” pela Lava Jato com o depoimento de Antonio Palocci.
Nas capas dos jornais impressos, local de maior prestígio deste tipo de publicação, o tema apareceu duas vezes, as duas no Estadão: no dia 18 de agosto, a chamada informava ao leitor que “Caravana de Lula começa com tiros e confusão”; já no dia 26 de agosto, abaixo da manchete, lê-se que “Lula se diz ‘grato’ a aliados denunciados”.
O texto que acompanhou a notícia, informava: “Em caravana pelo Nordeste, o ex-presidente Lula se disse grato a Renan Calheiros – que votou pelo impeachment de Dilma Rousseff – e a José Sarney. Ambos presidiram o Senado. ‘O Renan pode ter todos os defeitos, agora o Renan me ajudou a governar esse país’, disse Lula.” Não há dúvidas sobre o caráter negativo de ambas as notícias: na primeira, relata-se o evento de forma pejorativa, associando-o à violência, e na segunda indica-se que Lula teve um comportamento moralmente condenável durante a caravana.
No jornal O Globo, a única menção à Caravana se deu no artigo “O retrato de um desencanto”, assinado pelo cineasta Cacá Diegues no dia 27 de agosto. Nele, o colunista comenta seu desencanto com Lula e classifica como heterogênea e esdrúxula a aliança entre o ex-presidente e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que dividiram palanque em Alagoas.
No Estadão, os quatro editoriais que citaram a Caravana o fizeram de maneira deletéria, ofendendo Lula. No primeiro deles, intitulado “Caravana da mentira”, de 27 de agosto, o jornal paulista afirma que “o ex-sindicalista aproveita sua caravana pelo Nordeste para distorcer os fatos e difundir velhas asneiras”, referindo-se a falas de Lula em defesa da soberania venezuelana, sobre a ilegitimidade do governo de Michel Temer e acerca da situação da economia brasileira.
O jornal chega ao ponto de chamar o ex-presidente de charlatão: “Não cabe ao líder petista, portanto, sair pelas cidades nordestinas fantasiado de salvador da pátria. Ao tentar enganar uma vez mais o povo, ele simplesmente corrobora sua identidade de charlatão.” Já no editorial “Assombração”, de primeiro de setembro, texto dedicado a depreciar a ex-presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores, a Caravana é desdenhada: “Na tal ‘caravana’ que está empreendendo pelo Nordeste, em escancarada campanha eleitoral antecipada, Lula já teve de admitir que Dilma cometeu erros na condução da política econômica, ainda que atribua a crise a sabotagens do deputado cassado Eduardo Cunha, quando este presidia a Câmara”.
Em “O Brasil no espelho”, texto no qual os editorialistas comentam os resultados do Barômetro Político, que revelou alta insatisfação dos brasileiros com as lideranças políticas, a responsabilidade por essa situação é atribuída a Lula: “Só se chegou a esse tenebroso estado de coisas, não é demais lembrar, em razão da infame era lulopetista. Foi o sr. Lula da Silva – que hoje, como um saltimbanco, passeia pelo Nordeste a vender sonhos e esperanças […]”.
A Caravana foi, finalmente, tema central de um dos editoriais do dia 8 de setembro, “Lula radicaliza no Nordeste”. O texto consiste em um balanço sobre a caravana.
Os editorialistas afirmam que ela só não foi um fracasso por conta do apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Sem-Terra (MST), que priorizaram eventos em lugares fechados e pequenos, de fácil lotação, e sem possibilidade de manifestações da oposição.
O texto também destaca a relação de Lula com Sarney e Calheiros, classificada como “constrangedora”. Ao final, o partido do ex-presidente é acusado de causar a crise econômica atual: “a tigrada roubou o quanto pôde e ainda deixou o Brasil mergulhado na maior recessão de sua história”.
Até aqui, parece-nos que a Caravana não foi considerada suficientemente relevante a ponto de entrar na agenda dos grandes jornais brasileiros: na Folha e no jornal O Globo, ela apareceu por escolha de colunistas, nunca pela editoria do jornal. Já no Estadão, a Caravana apareceu mais vezes, mas, tanto nas capas quanto em editoriais, fora noticiada de forma inescapavelmente pejorativa. Como poderíamos medir a relevância deste fato político a ponto de podermos afirmar que este deveria estar na agenda dos quality papers brasileiros?
A primeira estratégia que empregamos foi uma pesquisa nos jornais nordestinos de maior tiragem, a saber Correio–BA, Jornal do Commercio-PE e Diário do Nordeste-CE, entre 7 de agosto e 7 de setembro.
Tendo em vista que as ferramentas de busca de tais periódicos não permitiam a diferenciação entre as matérias publicadas nas versões impressa e on-line, repetimos o procedimento para os veículos sudestinos (Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo), para que pudéssemos concretizar a comparação – lembrando que o corpus analisado pelo Manchetômetro inclui apenas as notícias de capa e páginas de opinião das versões impressas desses jornais. Para todos os veículos, realizamos a busca pela combinação dos termos “Lula + caravana”, e posteriormente fizemos uma triagem manual das matérias encontradas.
Vejamos os resultados:
A discrepância é evidente. Mas o leitor mais crítico pode supor que, apesar da proeminência da figura de Lula no cenário político nacional, a relevância do evento pode ter sido apenas local, o que inibiria sua cobertura por parte dos grandes jornais sudestinos. Pois bem, adotamos uma outra estratégia para verificar essa hipótese.
Partimos para as notícias publicadas na imprensa internacional e verificamos que a caravana foi coberta por veículos e agências importantes.
De modo geral, esses jornais destacaram os avanços da região nordeste no campo socioeconômico como um legado do governo Lula, os reveses sofridos pelo PT nos últimos anos, o impasse à candidatura do ex-presidente em 2018 oriundo de sua condenação em um dos processos relacionados a Operação Lava-Jato, e, ao mesmo tempo, a força e a resiliência de Lula diante desses acontecimentos.
Nesse sentido, a Agence France-Presse, na reportagem “Lula volta a suas raízes para reconquistar o Brasil”, frisou de modo ambivalente em sua matéria no dia 17 a tentativa de reconquista do país por Lula e a sua liderança nas últimas pesquisas de intenção de voto. Já Le Monde, em reportagem intitulada “Dans le Nordeste brésilien, Lula en reconquê”, publicada no dia 21, registrou de maneira sutilmente positiva, inclusive com foto, a chegada do ex-presidente Lula em Salvador e o seu encontro com “aqueles cujas vidas mudaram para melhor após o seu governo”.
Já a agência Reuters publicou entrevista feita com Lula durante a caravana (“Brazil’s Lula says party may field someone else in 2018”), na qual o ex-presidente denuncia a tentativa da oposição de boicotar sua candidatura e tece duras críticas ao atual governo e ao seu projeto de desmonte do país.
Em 2 de setembro, na reportagem “Brazil’s leftist hero basks in adulation as he bids to revive political fortunes”, o inglês The Guardian observou com viés positivo a intensa popularidade e o carisma de Lula, reproduzindo diversos depoimentos de seus apoiadores, como: “Você conhece algum fenômeno maior que Luiz Inácio Lula da Silva?” e “Ele foi o melhor presidente que já tivemos no Brasil”.
Além disso, o jornal entrevistou o advogado de Direitos Humanos Geoffrey Robertson, que acusa a justiça brasileira de perseguição política ao presidente. As edições brasileiras da BBC e do jornal El País também trataram da caravana.
O episódio examinado permitiu que identificássemos dois problemas na grande imprensa brasileira. O primeiro é a escolha editorial de silenciamento quanto à Caravana. É inegável a relevância para o interesse público brasileiro o fato de o potencial candidato à presidência da república, líder inconteste nas pesquisas de opinião, fazer uma caravana de eventos públicos por vários estados do nordeste, que atraíram grande número de apoiadores
O fato de os meios se negarem a dar a devida importância a esse fato sinaliza alta politização e disposição para agir de maneira a barrar noticias que possam ser interpretadas como positivas para o petista.
O segundo problema, explícito sobretudo no jornal O Estado de S. Paulo, é a disposição para tratar de assuntos que envolvam Lula, Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores de forma derrogatória e insultuosa.
Em um contexto de crise política e crescimento da intolerância em todo o país, o comportamento adotado pelo Estadão é de total falta de razoabilidade e de responsabilidade pública. A comparação com a mídia estrangeira revela o extremo viés da mídia nacional. Ela nos mostra que há outras maneiras de cobrir tal fato importante sem apelar para a demonização da figura pública e de seu partido. Nossa grande mídia, contudo, adota ou a supressão do assunto ou a demonização aberta.
Neste mês, a Caravana “Lula pelo Brasil” chegará a Minas Gerais: serão visitadas onze cidades nas regiões Central, Norte, Rio Doce, Mucuri, Jequitinhonha e Vale do Aço. Como se comportará o cão de guarda da imprensa sudestina? Seguirá em silêncio, como Folha e O Globo, ou a ladrar em editoriais, como o Estadão? Descobriremos em breve.
[1] Chama atenção que o número de ocorrências identificado na busca da Folha de S.Paulo. Isso demonstra que o jornal paulista produziu material sobre a Caravana, mas o relegou a seções de menor prestígio.
Comentários
João Luiz
O PT não é esquerda esclarecida. Nunca será.
A carência do Brasil é de arte de qualidade! O PT ama e venera a indústria cultural. Cultura de massas.
Sobretudo a música atual ruim.
Che Guevara é ícone da esquerda. Ícone da industria cultural esquerdista. Cultura de massas. Com certeza Kitsch.
O “algo mais” do PT na arte e na cultura: O PT detesta a cultura popular e a erudita simultaneamente.
Por exemplo, BACH é música de enorme qualidade. Não tem nada a ver com o PT, ok?
Inclusive é música para poucos brasileiros (por ser complexa), ou seja:
de “elite”. Assim como Machado de Assis e Villa-Lobos são artes de elite, sim. O mesmo diga-se de Dostoyevsky. Elite honrosa.
Não se trata do lixo bem tragável de Q o PT gosta, venera, ama, não.
E, por outro lado, o bem centrado MBL [Mov. Brasil Livre] em seu papel empírico em 2016 faz jus ao nome dessa sigla, ok?
A diminuição do poder vigarista do PT com a saída de Dilma em 2016, — mesmo com Lula solto –-, foi fortemente permitido devido ao MBL.
Empírico, corajoso e pragmatista, o Arthur do “#MamaeFalei” ajudou bastante a desconstruir o discurso ideológico do PT através do método socrático. MBL e o Arthur lutam contra o Kitsch.
Augusto Cardoso
Mas se isso foi claramente planejado para tentar gerar mídia, porque a mídia deveria se curvar a isso e ficar noticiando?
Na verdade o marketeiro deveria ser demitido tdo porque seu plano falhou; é jogo que segue. Chega de mimimi.
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