Luiz Flávio Gomes: A Idade Média ainda não acabou nos presídios

Tempo de leitura: 3 min

Campanha 2 (1)

Ilustração de Alexandre de Maio para a campanha Fim da Revista Vexatória

Presídios: pelo fim da revista vexatória

por Luiz Flávio Gomes, via e-mail 

Você tem que tirar toda a roupa e agachar três vezes de frente, três vezes de costas. Um dia a funcionária me fez agachar quase 15 vezes. Ela disse que não estava conseguindo me ver. E falava: ‘faz força, abre essa perna direito'”, conta a vendedora P. De O., 27 anos, que durante dois anos visitou o irmão preso todos os finais de semana. “Sem contar quando pedem para você abrir seus órgãos genitais com as mãos. Tem lugar que tem até espelho. É tudo para humilhar, para constranger”, afirma P.”.

A luta “pelo fim da visita vexatória” nos presídios, promovida pela organização não governamental internacional Conectas-Direitos Humanos, é digna de irrestrito apoio.

Nas mãos do governador de São Paulo está o projeto de lei 797/13 (autoria do deputado José Bittencourt), que determina que a revista nos visitantes seja feita apenas por meio de equipamentos eletrônicos ou outros meios que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado (bom senso inquestionável).

Este medieval procedimento (recorde-se que eram os padres inquisidores que vasculhavam as vaginas das “bruxas” para acharem sêmen do Diabo), quando usado fora da estrita e absoluta necessidade, é constitucional e internacionalmente vedado.

A Conectas afirma que, em 2012, 3,5 milhões de pessoas tiraram as roupas e abriram seus órgãos genitais com as mãos para serem revistadas em seus orifícios, sob alegação de barrar a entrada de armas, drogas e celulares nas celas.

Dados colhidos pela Defensoria Pública mostram, entretanto, que em apenas 0,02% dos casos foram encontrados materiais proibidos; “é evidente que esta prática abusiva é usada como mais uma forma de punição contra os presos”.

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Milhares de mães, filhas, irmãs e esposas de pessoas presas são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos o ânus e a vagina para que funcionários do Estado possam realizar a revista. Bebês de colo, idosas e mulheres com dificuldade de locomoção são todas massacradas da mesma forma.

O senado aprovou recentemente lei proibindo a revista vexatória, tendo enviado o projeto para a Câmara dos Deputados. Legislativamente estamos avançando para adequar nosso ordenamento jurídico ao que já está previsto na CF e no direito internacional.

Lamenta-se que se tenha que regulamentar exaustivamente o assunto, para se pôr fim a uma prática medieval e cruel, que é puro exercício do estado de polícia (medidas administrativas de coerção direta).

O regimento interno da Secretaria de Administração Penitenciária (de SP) diz que a revista íntima pode ser feita “quando necessário” e “em local reservado, por pessoa do mesmo sexo, preservadas a honra e a dignidade do revistado”. A exceção (“quando necessário”) virou regra. Aqui está o abominável abuso, exercido em todo território nacional.

O que dizem as normas já existentes no Estado de direito?

A CF (art. 5º, inc. III) diz que “ninguém pode ser submetido a tortura ou a tratamento cruel ou desumano”. A dignidade humana, de outro lado, é o valor-síntese do nosso Estado constitucional de direito (art.1º, III, da CF ).

No plano internacional, várias são as normas jurídicas vigentes, destacando-se as dos artigos 5º (que proíbe medida degradante ou tortura assim como a transcendência da pena para outras pessoas), 11 (proteção da privacidade, da honra e da dignidade) e 19 (proteção das crianças), 24 (proteção das mulheres) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Esses direitos não podem ser suspensos nem sequer em circunstâncias extremas (art. 27.2). O exercício da autoridade pública, de outro lado, tem obrigação de respeitar os limites do Estado de direito, que são superiores ao poder do Estado e inerentes à dignidade humana (art. 1.1 da CADH).

Para se estabelecer a inspeção vaginal (diz a jurisprudência internacional) deve o Estado cumprir quatro condições: (a) absoluta necessidade; (b) inexistência de nenhuma outra alternativa; (c) ordem judicial (em princípio); (d) concretização unicamente por profissionais da saúde pública.

Qualquer prática estatal abusiva, fora da estrita necessidade, é tirânica (já dizia Montesquieu, secundado por Beccaria). A Idade Média ainda não acabou. O malleus maleficarum ainda não desapareceu. Estejamos atentos.

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

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Comentários

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Luana

É o terceiro artigo que leio sobre o tema em duas semanas, o que me deixa muito feliz e esperançosa. Seguimos firmes na luta pelo fim das revistas vexatórias.

José Souza

Luiz Flávio, não é só nos presídios que a Idade Média persiste. Nas periferias das grandes cidades, nas igrejas, nas polícias, em algumas legislações draconianas e etc. ainda persiste esse período negro da humanidade. Quanto à revista nos presídios, o correto seria não ter a revista e muito menos o contato. Deveria haver uma janela de vidro, com telefone para comunicação entre o preso e a visita. Não deveria haver diminuição de pena por bom comportamento, deveria haver acréscimo por mau comportamento, isso sim. A pena deveria ser cumprida toda, até o último dia. Para crimes com sangue não deveria haver a exigência de idade mínima para ser trancafiado.

    Paulo Roberto Gomes

    Quer dizer que prender menores agora é sinônimo de avanço civilizatório ? Quer dizer que a idéia de prisão como forma de vingança da sociedade agora é sinônimo de modernidade ? Percebe-se que o conceito de Idade Média é muito relativo.

    lulipe

    Qual “avanço civilizatório” você sugere para um “di menor” que mata, estupra, tortura etc, caro Paulo Roberto?? Ah, desde já torço para que você um dia possa ficar cara a cara com um destes “coitadinhos”, certo???

    Lulamel

    Desculpe, mas você estudou direito? A pena é sempre cumprida toda.

    Conceição Lemes

    Reiteramos. Ficar mudando o nick conforme o post não dá. abs

Marcos

Fico imaginando se não fosse essas revistas como seria o sistema penitenciário no Brasil, quando se faz uma revista nas celas vemos a quantidade de drogas, celulares, armas e outros ilicítos que são encontrados no interior delas. O que deveria acabar era o direito a visita íntima, ter visita com dia e hora marcado através de interfone sem contato físico, presídio deveria ser para punir e não essa imbecilidade de ressocializar, voces não sabem do que essas “coitadinhas” são capazes de fazer.

    Mar da Silva

    “Dados colhidos pela Defensoria Pública mostram, entretanto, que em apenas 0,02% dos casos foram encontrados materiais proibidos;”

    Precisa desenhar?

    Marcos

    Defensoria Pública? Procure o Sindicato dos agentes para saber da realidade dos presídio.

Wagner

Luiz Flávio, quem dera se somente esta abominável revista fosse o único problema dos presídios brasileiros. Nosso problema com o sistema prisional e o modo como se ‘fabricam’ presidiários pobres e até lucram com o trabalho obrigatório nas ‘PPPs’, sem tocar no assunto das superlotações, suplícios e torturas, homicídios espetaculares, é de uma preocupação tão profunda e problemática que talvez não tenha reforma que remende tanta barbárie. Quando me atento a assustos como este, é difícil compensar a sensação de pesar que recai.

Urbano

Um verdadeiro campo minado e, pior, muitas vezes não se sabe de que lado vem o petardo…

    Urbano

    E tem mais, não avançará uma única passada, enquanto os neandhertais estiverem mandando…

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