Luís Carlos Bolzan: Ministério da Saúde cede à “proposta genocida de contaminação total da população”
Tempo de leitura: 4 minNO ABRAÇO AO IDEÁRIO GENOCIDA, O ADEUS AO PREVENTIVISMO
por Luís Carlos Bolzan, especial para o Viomundo
A pandemia de covid-19 serve como cunha a ser recolocada na prática médica e da saúde coletiva brasileira e mundial.
Poucas vezes ficou tão evidente como agora a dicotomia entre a prática médica curativa, que busca muitas vezes uma quimera, e o fazer saúde sustentado no necessário e exequível cuidado.
Isso nos obriga a retomar aulas de um passado nem tão distante e que deveriam estar sempre presentes, guiando a prática de todos que atuam na área da saúde.
“O Dilema Preventivista” é o título da tese de doutoramento de Sérgio Arouca na década de 1970.
Um médico brasileiro brilhante, militante da luta em favor da saúde como um direito e da reforma sanitária, que resultou na organização do Sistema Único de Saúde (SUS).
Arouca foi deputado federal, coordenador da histórica VIII Conferência Nacional de Saúde e o primeiro secretário de gestão participativa do Ministério da Saúde.
Na tese, Arouca define a medicina preventiva como “o encontro do médico com o homem”, no qual a ” relação médico-paciente deixa de ser ocasional”.
Ele diz mais: “Os homens encontram-se em um ponto da História Natural das Doenças, ao qual correspondem determinadas medidas preventivas”.
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Para Arouca, a “Medicina Preventiva é uma expressão simbólica, associada a dois conceitos: prevenção da ocorrência e prevenção da evolução”.
Afirma também em sua tese de doutoramento que
“o processo evolutivo da doença é, em muitos casos, suscetível de ser interrompido” e que “a doença envolve fenômenos de interação entre agentes, hóspedes e ambiente. A prevenção pode ser obtida atuando-se sobre um ou mais desses fatores, fazendo com que a interação se dê ou que seja interrompida em favor do homem”.
Arouca salienta ainda que essas medidas devem ser aplicadas ao “indivíduo sadio, ou, então, a doentes, porém ainda assintomáticos”. E enaltece a necessária prática da educação em saúde.
Ao alardear a cloroquina como medicação viável para tratamento de casos da covid-19, o governo federal investe maciçamente na desinformação. Aposta alto na cura, ainda sem parâmetros reconhecidos e aceitáveis pela comunidade científica, em detrimento do cuidado viável.
O governo federal, ao defender o fim do isolamento horizontal, descarta todo o arcabouço sistematizado pelas práticas médicas e de saúde coletiva reconhecidas e defendidas pelas autoridades sanitárias mundiais.
Que os seguidores da seita terraplanista defendam essa proposta, nenhuma surpresa.
A postura genocida faz parte do pacote ideológico assumido pelo negacionismo diversionista.
Outra situação é a adesão do Ministério da Saúde e seu corpo técnico a essa postura, cedendo à pressão do capitalismo que busca jogar milhões de pessoas nas ruas para retomada do processo produtivo.
É como se o risco sanitário não fosse gritante, apontando para a priorização do lucro e do ideário genocida sobre as vidas humanas.
Afrouxando o isolamento social, o Ministério da Saúde trai o SUS e toda sua história construída por décadas, relegando medidas preventivas ao esquecimento.
Ao falar que o isolamento social não deve ser feito por todos os municípios e regiões da mesma forma, o Ministério da Saúde orienta gestores estaduais e municipais, equivocadamente, a se preocuparem somente com a existência de casos notificados em número considerável, negligenciando completamente a adoção de medidas preventivas.
O Ministério da Saúde parece fazer a opção pela aposta em medidas de recuperação e cura, mesmo sem ter testagem que permita diagnóstico efetivo. E, sem EPIs suficientes para as equipes de saúde e equipamentos em número necessário para todos os pacientes que deles venham necessitar.
O Governo brasileiro adota postura incompatível com capacidade instalada do setor saúde no país, em detrimento de medidas preventivas básicas, desprezadas menos por desconhecimento improvável, mais possivelmente por opção ideológica.
Além disso, o presidente Bolsonaro reiteradamente força aglomerações, sinalizando que defende proposta fracassada e genocida abandonada pelo Reino Unido, de que toda população deve ser infectada para desenvolver proteção ao novo coronavírus.
Ou a intenção seria outra? Expor a população brasileira com inúmeras co-morbidades e imensa vulnerabilidade social com elevadíssimo risco de morte? O Ministério da Saúde capitulou diante dessa proposta.
Enquanto a pandemia ainda se inicia no Brasil — já 25.600 casos confirmados e 1.590 óbitos — nos Estados Unidos, já somam mais de 609 mil casos confirmados e 27 mil óbitos.
A experiência desastrosa da negação trumpista em relação ao novo coronavírus demonstra que, após ter superado a Itália e ser o detentor do maior número de óbitos no mundo, os norte-americanos comprovam que a iniquidade social é fator decisivo para maior número de mortes entre negros e latinos, como acontece nos estados de Nova York, Michigan e Louisiana, por exemplo.
Nesses estados, cerca de 70% da população negra/latina padece devido à pandemia, mesmo sendo não mais que 30% da população nessa localidades.
O Brasil, país de gigantescas desigualdades sociais, surge como ambiente propício para alta disseminação do novo coronavírus, impulsionado ainda pelo negacionismo diversionista genocida da extrema direita.
A capitulação do Ministério da Saúde aos interesses desse grupo, defenestrando medidas preventivas, e abdicando de “prevenção de ocorrência” e “prevenção da evolução” da pandemia, ao afrouxar isolamento social condena os esforços feitos até aqui a repetir dolorosas experiências de outros países.
Mandetta e corpo técnico do Ministério da Saúde abrem mão de medidas preventivas preconizadas em tese célebre, estruturante da saúde brasileira, para supostamente aderirem à ineficiente tese da medicina curativa, quando na verdade é ainda pior, cedendo à proposta genocida de contaminação total da população.
Mais do que incapaz de dialogar com a dialética relacional que caracteriza a pandemia na mescla entre agentes, hóspedes e ambiente, o Ministério da Saúde abdica de interromper essa relação “em favor do homem” para aderir à ideologia anti-sanitária e exterminadora de seu comandante geral.
Faltaram à aula de Sérgio Arouca ou, como maus alunos que desdenham do conhecimento construído, decretam o banimento do preventismo e, com ele, antecipam e aprofundam o fracasso na luta contra o covid-19.
O governo que execrou Paulo Freire na educação, agora o faz com Sérgio Arouca na saúde.
Ao rechaçarem a prevenção negam o cuidado indispensável às equipes de saúde, os verdadeiros heróis nessa luta, e ao povo brasileiro.
Até aqui a linhagem de sanitaristas do SUS desconhecia a capitulação que expõe equipes de saúde e população à pior sorte.
A posição genuflexória do Ministério da Saúde ao ideário genocida, infelizmente, abre sombria exceção nessa linhagem.
*Luís Carlos Bolzan é psicólogo sanitarista.
Comentários
Zé Maria
É antiga no País a afirmação de que, no Brasil,
pratica-se a Medicina Curativa e não Preventiva,
ou seja: busca-se o Remédio e não a Vacina.
E os Laboratórios Farmacêuticos Estrangeiros
e as Redes de Farmácias deitaram e rolaram,
enquanto as Entidades de Pesquisa Nacionais,
produtoras de Imunizantes, minguaram aqui.
Zé Maria
Não é de duvidar que o Secretário de Vigilância da Saúde, hoje Demissionário,
tenha tentado puxar o tapete do Dr. Mutretta, para assumir o lugar do Ministro.
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