Le Monde: O Brasil das dinastias políticas, oligarquia e nepotismo

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No Brasil, o infeliz domínio de clãs e dinastias sobre a vida política

Quase dois terços dos deputados brasileiros e três quartos dos senadores são “herdeiros” na política. Uma tradição que promove desigualdades e corrupção.

Por Bruno Meyerfeld, no Le Monde

É um busto cor de bronze que fica em um corredor, bem no coração do Congresso de Brasília.

Com olhos altivos e determinados, uma cruz no pescoço, o homem fixa as idas e vindas dos parlamentares brasileiros.

E não hesite em dar-lhes uma lição: “A política saudável é filha da moral e da razão”, está inscrita na sua base.

“Quando passo por esta estátua, sinto-me repleto de emoção e um forte senso de responsabilidade”, disse o deputado Lafayette de Andrada, 54 anos. E com razão: o busto em questão representa José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), “patriarca da independência”, primeiro chefe de governo do Brasil independente, mas também seu ancestral direto.

“Lafayette” (homenagem ao herói da Revolução Americana) veio de uma das mais antigas dinastias políticas do Brasil.

“Seis gerações de parlamentares! Que outra família pode dizer o mesmo, exceto entre os lordes ingleses?” Ele se entusiasma. Em duzentos anos, desde José Bonifácio, a família conta com dezesseis deputados e senadores, oito ministros, dois juízes do Supremo Tribunal Federal e um número incalculável de prefeitos e vereadores em Barbacena, reduto do clã mineiro.

“Lobby dos pais”

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“Em casa, a política sempre fez parte do cotidiano”, continua Lafayette de Andrada.

Ele está longe de ser uma exceção.

A política no Brasil é um assunto de família, até o topo do estado.

Veja o clã Bolsonaro no poder: o patriarca-presidente Jair conseguiu “colocar” seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo (“zero um”, “zero dois” e “zero três”, como o pai os chama) respectivamente, como senadore, vereador e deputado.

Mas o fenômeno é muito mais amplo e profundo.

De acordo com os dados mais recentes, coletados pelo site de notícias online Congresso em Foco, quase dois terços dos deputados brasileiros e três quartos dos senadores já têm pais na política.

As “grandes famílias” dirigem a maioria das capitais regionais e dominam a maioria das assembleias locais.

Dinastias formam um “lobby dos pais”, mais poderoso no papel que na Bíblia, nas armas ou no agronegócio.

Todas as regiões e todos os campos são afetados.

Em São Paulo domina o direitista Covas (“Bruno”, falecido em 16 de maio, foi prefeito da cidade) e, no norte do Ceará, o esquerdista Gomes (“Ciro” foi o terceiro homem na última presidência eleição).

Poderíamos citar também o Macedo em Curitiba, o Genro em Porto Alegre e o Bornhausen em Santa Catarina, o Virgílio no Amazonas e o Viana no Acre, o Sarney no Maranhão e os Magalhães na Bahia ou ainda a Garotinho e a Maia no Rio de Janeiro…

A lista é interminável.

Alguns clãs conseguem manter todas as posições em nível local. O Trad, no estado de Mato Grosso do Sul, é um exemplo disso.

O pai, Nelson (1930-2011), deputado de centro, conseguiu sucesso total, catapultando os três filhos para a política: Fábio é atualmente deputado, “Nelsinho” senador e Marquinhos, prefeito de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul.

Luiz Henrique Mandetta, primo dos irmãos, foi ministro da Saúde do Bolsonaro de 2019 a 2020. É candidato às próximas eleições presidenciais.

“Oligarquia e nepotismo”

Algumas cidades ou distritos permanecem nas mãos da mesma família por décadas.

A região mais atingida pelo fenómeno continua a ser o Nordeste, onde a cultura do coronel dominou durante séculos, este todo-poderoso latifundiário, reinando sobre os seus camponeses como sobre os servos.

As dinastias são objeto de um verdadeiro culto ali.

Daí a do Coelho, dominando a região de Petrolina (interior de Pernambuco).

Aeroportos, escolas, mercados, centros de convenções, estradas, parques, estádios, museus e até bairros inteiros têm o nome de membros da “família governante”.

“Em suas estruturas, o Brasil manteve-se um país colonial, arcaico, onde reinam a oligarquia e o nepotismo”, lamenta Ricardo Costa de Oliveira, sociólogo e autor de inúmeros trabalhos acadêmicos sobre o assunto.

Mas, aqui, não há lei do primogênito : o título de nobreza é transmitido de pai para filho, mas também para filhas, esposas, genros, primos…

Nomear vários membros da sua família como deputado ou vice-prefeito após uma eleição é comum.

Também acontece que os clãs são separados. A roupa suja é então lavada em público e com bastante água.

Assim foi nas eleições municipais de 2020 em Recife, onde se enfrentaram dois primos da mesma dinastia de esquerda: de um lado, João Campos, 27 (Partido Socialista Brasileiro, PSB) e, do outro, Marília Arraes , 37 (Partido dos Trabalhadores, PT). O primeiro venceu com 56% dos votos, após campanha ultraviolenta.

Autoritarismo e corrupção

O PT, fundado por Lula, no entanto, continua sendo um caso especial. Com raras exceções (como os Tatto em São Paulo ou os Viana no Acre), o grupo tem poucas “grandes famílias” entre seus membros.

“O PT é o único partido moderno do Brasil. Sua história é outra: foi forjada na década de 1980 em torno da luta sindical e dos intelectuais ”, nota Ricardo Costa de Oliveira.

Além disso, “as dinastias familiares também dominam a diplomacia, a justiça, o exército, os negócios”, continua a pesquisadora, que deplora “um sistema que reforça as desigualdades, o autoritarismo mas também a corrupção”.

Já não podemos contar as famílias (a começar pela de Bolsonaro) processadas por desvio de fundos públicos.

Estes argumentos são postos de lado pelo deputado Lafayette de Andrada. “Se os membros de uma família como a minha são reeleitos de geração em geração, é porque fizemos bem o nosso trabalho”, disse ele.

Em outubro de 2022, ocorrerão as eleições nacionais.

Como outras dinastias, não há dúvida de que Bolsonaro se candidatará à reeleição. O “clã” também pode ganhar um novo membro: Jair Renan, 22, o filho mais novo do presidente.

Acostumado a polêmicas e já alvo de uma investigação por tráfico de influência, este último luta para esconder suas ambições.

Para um internauta que recentemente lhe perguntou se ele queria entrar na política, Jair Renan respondeu: “Talvez. Na linguagem Bolsonaro, isso significa sim”.


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Comentários

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Lúcio

Aliás, esclarecendo se o Lula fizesse isso com os filhos seria a terceira guerra mundial no Brasil.
No fundo no fundo não passa de um mundo de faz de conta.
Bobo e quem acredita nesse papinho furado de meritocracia.
Mas tem chefe geral de empresa que não gosta disso. Tesoura.

Lúcio

O povo gosta dessas famílias.
Vão votar de olho fechado nelas.
A tv prega o mundo do faz de conta.

Lúcio

Se a pessoa é competente consegue dar conta de tudo. Mas tem pessoa que não é e aí todo mundo começa a ridicularizar a pessoa pelas costas. Muitas vezes da pena de ver a pessoa sofrer isso. Sabe como é a língua do povo.
E em multinacional tem muito disso. Só entra se for parente. Claro que o selecionador não vai dizer isso na globo. Se não tiver parente dNA EMPRESA não chamam. Ou seja, não é algo apenas da nossa cultura.
Na política o povo gosta bastante dessas dinastias, por isso só leva ferro. Em município é muito comum o cacique empurrar os filhos para a política municipal.
A renovação se resume a um novinho ou novinha na política dessas famílias. A linha de pensamento não muda uma vírgula. Troca 6 por 1/2 dúzia.
Até o filho aprender vai tempo, ainda mais se o moleque gosta de uma farinha mais que trabalhar.
O Lula é um ponto fora da curva e isso revolta muito essa gente que se acha astro, mas não tem a cabeça do Lula, mesmo ele sendo um humilde torneiro, um simples operário. Diploma não garante inteligência.
Essas montadoras americanas e a volks usam muito isso no processo seletivo. E chamam. Se não for parente não entra. DNA empresa.
Mas se não tiver competência o pessoal da empresa fala pelas costas. Lenha a coitada ou coitado até cansar a língua pq tb não gosta da pessoa de antemão.
Por isso que meritocracia é uma idiotice completa. Na hora que vai ver a pessoa usou outro estratagema para entrar.
Meritocracia é para preto e pobres. E só. Os ligeiros não seguem nada disso. O fantástico mundo de Oz.

Zé Maria

O Le Monde esqueceu de citar as Dinastias dos Coronés
Maia, Faria, Alves e Rosado no Rio Grande do Norte.

https://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/tres-familias-dominam-o-rio-grande-do-norte/

Zé Maria

O Deputado Federal Lafayette de Andrada
é Filiado ao Republicanos, mesmo Partido
de Flavio (01) e Carlos Bolsonaro (02), Filhos
do Recruta Zero Jair Bolsonaro.
Antes, Lafayette foi Vereador em Lavras (MG),
em 1992, pelo PTR; depois, em 2000, se elegeu
Vereador em Juiz de Fora (MG), pelo PSL,
mandato que exerceu até 2010, quando foi eleito
Deputado Estadual pelo PSDB, Partido ao qual
foi filiado até 2010, quando se reelegeu pelo PRB
permanecendo na ALMG até 2018, quando se elegeu
Deputado Federal em Minas Gerais, também pelo
PRB que passou a se chamar Republicanos.
Ou seja, Lafayette de Andrada é membro do grupo
“meu partido é o oportunismo”.

https://www.camara.leg.br/deputados/98057/biografia

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