Ignacio Delgado: O horizonte verde e dourado de um sonho chamado Brasil ainda é possível ou virou miragem?

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TRÊS NOÇÕES QUE DEFINEM, PELO AVESSO, NOSSA TRAGÉDIA NACIONAL

Ignacio Godinho Delgado*, especial para o Viomundo

1) A cidadania é um “status compartilhado” (Marshall).

2) A Nação é uma “comunidade de sentimento” que aspira construir um Estado (Weber).

3) O capitalismo se consolidou a partir de “memorável aliança” entre a burguesia e o Estado (Weber).

No limite, foi no Estado Nacional que se constituiu o espaço para o compartilhamento do status da cidadania.

Seu substrato moral e afetivo é a existência do sentimento de pertença à comunidade nacional.

Seu substrato material é a presença de empresas nacionais sólidas.

A partir de edificações históricas singulares desta combinação em diferentes países, os “de baixo”, especialmente os trabalhadores assalariados, passaram a pressionar tanto para entrar no jogo dos direitos civis e políticos, alargando suas franquias, quanto para garantir participação crescente na renda e proteção contra a instabilidade do mercado, através da elevação dos salários e da expansão do provimento de direitos sociais.

O resultado foi, nos casos de sucesso, um jogo de soma positiva, no qual a resposta empresarial a tais pressões redundava em inovação tecnológica permanente e elevação da riqueza geral.

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E nós, aonde vamos? A ideia de um status compartilhado não resiste à mera observação do comportamento escandalosamente parcial do judiciário e da polícia, entre outras mazelas.

O sentimento de pertença parece só existir em alguns territórios do lúdico, além de declinante e virtualmente inexistente em segmentos da classe média e da burguesia doméstica.

As bases materiais da Nação se esboroam ante à atual rodada de desnacionalização, que promete tornar o Brasil um caso único entre países de população e territórios de extensão média ou grande (que exigem maior diversidade e complexidade econômica para elevação da renda), com a ausência total de controle nacional dos principais ativos econômicos.

Até aqui, a combinação entre elevação da capacidade e disposição de inovar dos agentes econômicos e internacionalização do mercado interno não se verificou em lugar algum nos casos apontados acima.

A razão é simples: as empresas transnacionais não transferem para suas áreas de expansão o domínio sobre o núcleo central das atividades de pesquisa e desenvolvimento que conduzem.

Ademais, a internacionalização do mercado doméstico favorece o comportamento imitativo das firmas nacionais, em especial quando não há políticas industriais ativas, ou quando essas operam sem exigir contrapartidas e sem favorecer a utilização de engenharia reversa para induzir a passagem “da imitação à inovação”.

Pode-se contestar este argumento formalmente, com alguma simulação abstrata, tão cara aos que praticam o que Marx chamava de economia vulgar, mas no mundo real ele resiste.

Mefistófeles dizia a Fausto, em Goethe, que cinzenta é a teoria, dourados são os frutos da verde árvore da vida. Os países bem-sucedidos na combinação de inovação e bem-estar social não adotaram em sua escalada os procedimentos que hoje prescrevem.

A crença cega na operação desimpedida dos mercados, para lembrar uma imagem de List, já no século XIX, é o chute que dão na escada para que outros não os acompanhem.

No governo de ocupação que nos domina desde 2016, essa é a cinzenta teoria a tornar crescentemente uma miragem o horizonte verde e dourado de um sonho chamado Brasil.

Por isso, caríssimos (as) amigos (as), ou detemos já o entreguismo em curso, ou podemos começar a pensar numa outra agenda libertária, que não passa mais pela construção de uma Nação soberana e desenvolvida. Será possível?

*Ignacio Godinho Delgado foi professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política. É pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.

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