Hermann Hoffman: O SUS e as benesses do governo ao setor privado

Tempo de leitura: 3 min

A DESNUTRIÇÃO DO SUS

por Hermann Hoffman*

O Brasil, sede da Copa do Mundo, testemunhou, no ano de 2013, vários acontecimentos no setor da saúde, em resposta à insuportável situação de doença que investe nos brasileiros. Vale ressaltar que, ainda assim, o tema da saúde pública continua à margem de uma agenda governamental séria.

É claro que o SUS está um pouco mais fortalecido, pois as iniquidades em saúde diminuíram, a garantia de acesso a serviços de qualidade aumentou e uma parcela dos brasileiros confia mais no sistema, entretanto, para as velhas aspirações do setor, inspiradas na Reforma Sanitária, o saldo das mudanças do ano que findou é discretamente positivo, por isso se o SUS assim seguir, mais que carecer, vai enfim perecer, cedo ou tarde.

Os desafios são numerosos e repetitivos, ano após ano. O primeiro e mais pecaminoso é a inércia do governo ante as despesas destinadas à saúde pública. O sistema, não sabemos como, sobrevive num estado de desnutrição crônica de financiamento com uma sintomatologia clara.

Os serviços operam com uma ineficácia e uma ineficiência capitais. Aliado a esse estado mórbido, o quadro tornou-se mais grave quando a Medida Provisória 619 “perdoou” os planos e seguros de saúde da exigência de remuneração de dívidas tributárias e os exonerou do pagamento do PIS e Cofins.

Uma tentativa de saída, já cogitada, poderia ser a redução da remuneração dos títulos da dívida pública e a elevação das alíquotas, estabelecendo assim novas contribuições para os segmentos que têm feito pouco ou nenhum sacrifício contributivo.

Por toda essa caridade do governo para com o sistema de saúde privado e, sem esquecer a diversidade de critérios incompreensíveis para a alocação de recursos federais, é que muito se perde em transparência e pouco se ganha em precisão.

Por isso, não foi de se estranhar que os mais de dois milhões de assinaturas, para aumentar os recursos da saúde e potencializar a aprovação da PLP 321/2013, acabaram representando apenas nomes anônimos rabiscados em folhas brancas.

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Segundo esse mesmo caminho retrógrado do financiamento, põe-se em evidência o controle social. A participação comunitária continua modestamente deliberativa como fruto da herança histórica e cultural de uma sociedade tolhida e controlada por interesses particulares, políticos eleitoreiros.

Por outro lado, nem tudo está perdido. O tema mais importante pautado em 2013, e que tem protagonismo vital para o SUS é o direito a saúde e sua efetivação. Assim, devido ao impacto do Programa Mais Médicos (esse que quase reduziu a agenda da saúde a um único ponto de pauta) e das manifestações populares, a saúde configurada como direito de todos e dever do Estado não chegou a cair no rol do esquecimento e da obsolescência pelos poderes constituídos da soberania nacional.

No entanto, é necessário se reconhecer a debilidade de um poder que se autoproclama bastião da moralidade, o Judiciário. Quando o tema é a saúde pública, esse poder expõe-se com o diagnóstico de demência senil na compreensão da amplitude do que é o sentido real do direito à saúde, tanto quanto o Executivo e o Legislativo, devido principalmente à inexperiência dos operadores do direito no tratamento jurídico das políticas públicas de saúde.

Também, muitos dos magistrados que dizem resguardar os benefícios sanitários para toda a sociedade, estão caducos e distanciam-se de um movimento genuinamente popular, a Reforma Sanitária, e apenas reproduzem o velho caráter verticalizado que não transcende princípios nem dá garantia à efetivação da Lei.

O funcionamento da máquina da saúde pública no Brasil é complexo, porém quem tem consciência e coragem deve navegar no seio dessa própria engrenagem. Assim devem agir aqueles que determinam o rumo da saúde.

Se os poderes trabalharem harmonicamente neste ano e atuarem positivamente na execução de políticas que visem principalmente à efetivação do direito à saúde, travando embates sérios entre a situação atual e a busca de soluções que possam equacionar o financiamento a partir da criação de parâmetros reais, definindo a participação de cada ente federativo e criando mecanismos que auditem de maneira confiável as despesas de Estados e municípios com a saúde, se poderá dizer que o sistema estará funcionando.

Por fim, somente com vontade política e humana o discurso das tímidas mudanças poderá abrir caminho para a caravana que anunciará a revolução sanitária no Brasil, onde cada brasileiro terá o orgulho e o direito garantido de dizer: o SUS é meu, é seu, é nosso.

 *Hermann Hoffman – Sergipano, interno em Medicina e leitor do Viomundo

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Comentários

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J Souza

Vale tudo para agradar aos rentistas…
“Governo segura repasses do SUS em dezembro e ajuda superávit primário”
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-brasil,governo-segura-repasses-do-sus-em-dezembro-e-ajuda-superavit-primario,175542,0.htm

Quem quiser receber, que espere… Entre os credores, os rentistas têm prioridade…

J Souza

Mais médicos ou médicos mais caros?
“Planos de saúde são reajustados acima da inflação desde 2004”
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1398230-planos-de-saude-sao-reajustados-acima-da-inflacao-desde-2004.shtml

Aracy

O governo, os profissionais de saúde e os hospitais viraram reféns dos planos de saúde há mais de uma década. Reverter esse quadro não será fácil, sobretudo por causa do subfinanciamento do SUS. Também é preciso acabar com aberrações como a restituição integral dos gastos com cirurgias plásticas estéticas no IR e aprovar uma lei de responsabilidade sanitária, para que todos os gestores de saúde trabalhem seriamente.

    Apavorado pela cara-de-pau humana

    Ja existe lei. Todo gestor público de qq coisa deve ser probo.
    A oligarquia se lixa para a lei.

Luís Carlos

Iniciar dizendo que por esse motivo aprecio muito o Viomundo. É dos poucos espaços da rede onde se pode ler, com freqüência, textos sobre o SUS. Particularmente, entendo que esta é política pública estruturante para sustentabilidade do desenvolvimento nacional, daí a importância de podermos ler e debater sobre o tema.
Quanto ao texto, Hoffman fala sobre “desnitrição crônica” do financiamento do SUS. De fato, temos muitos problemas referentes ao financimamento do SUS, porém, a solução deles não se encontra apenas em uma única ação de maior financimamento da União, como muitos tem defendido correntemente. Para além disso, entendo que, por ser o SUS tripartite, esse problema deve ser observado com maior amplitude, envolvendo demais atores, especialmente, gestões estaduais. Explico: mesmo que uma gestão estadual aplique, de fato, o piso constitucional de 12% é necessário avaliar o quanto disso é disponibilizado para repasses fundo a fundo que viabilizem comperação financeira, conforme estipulado pela Lei Federal 8080/90, que é papel de estados e União para com municípios. Dada a descentralização (princípio do SUS sustentado na legislação vigente) de ações de saúde para os municípios, também os recursos para custear essas ações deveriam ser descentralizados, por exemplo, pela modalidade fundo a fundo (de fundo estadual de saúde para fundo municipal, por exemplo) o que ainda não acontece com maior parte de orçamentos estaduais, dada o alto número de estados que ainda possuem ações e serviços de saúde concentrados em suas gestões por finalidade que não são as da reforma sanitária brasileira.
A participação do co-financiamento das gestões estaduais nas ações e serviços de saúde na modalidade fundo a fundo para municípios ainda é baixa, sobrecarregando demais gestões municipais. Vejamos o caso do RS. Mesmo não investindo ainda o piso de 12% constitucional, o co-financiamento do estado para os municípios aumentou muito, sendo hoje o maior repasse fundo a fundo para atenção básica para gestões municipais feita por uma gestão estadual, contribuindo muito para desafogar municípios e qualificar serviços. Já SP tem baixíssimo co-financiamento fundo a fundo para municípios, não sendo parceiro para financiar atenção básica, nem mesmo para o SAMU. Ainda assim o governo estaual de SP apresenta números onde investiria o piso mínimo de 12%, mas sem a cooperação financeira determinada pela legislação federal, ou de forma muito restrita. O princípio da descentralização ainda não foi devidamente efetivado no SUS por parte de grande número de gestões estaduais, com isso concentrando renda nos estados que não tem atribuições maiores quanto à assistência, penalizando municipios, os cidadãos e o SUS. O Sistema Único de Saúde é política pública de transferência de renda, como toda seguridade social, ficando assim, mortalmente ferido, pelo afã concentrador de governos estaduais, para pagamento de dívida com União e de títulos da dívida pública e em práticas eleitoreiras assistenciais, desorganizativas do SUS.
Além disso, ainda caberia ressignicar o modelo de atenção à saúde brasileiro, com resgate da prática clínica, como já aponta o Mais Médicos, diminuindo dependência tecnológica com maior vínculo e resolutividade, fugindo de armadilhas mostras pelo modelo de alta especialidade, baixa resolutividade e extremamente oneroso.
Por fim, somado a isso, maior financiamento federal seria absolutamente bem vindo e necessário.

José

A CF prevê que o Estado deve garantir igualdade de condições para o acesso à saúde (art. 196).
Portanto, todo dinheiro público gasto com saúde tem que beneficiar também os mais pobres.
Como os mais pobres só têm acesso ao SUS, somente este poderia receber dinheiro público destinado à saúde. Ou seja qualquer gasto público relativo a saúde que não seja destinado ao SUS. Inclusive renúncia fiscal, deve ser considerado ilegal, inconstitucional.
Exemplos de $ público indevido na saúde: dedução de gastos com saúde no IR (empregado e empregador), hospitais exclusivos p/militar, ressarcimentos de despesas médicas e hospitalares a servidores públicos, etc.
Outra questão, se a qualidade do SUS superar a dos planos de saúde, como será a natural migração dos usuários de plano de saúde p/SUS?

Urbano

Ou se elimina os desvios existentes, tanto o público como o privado, ou não sairemos dessa ciranda, pois mesmo que as verbas sejam aumentadas substancialmente, tais desvios crescerão muito mais ainda.

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