Flávio Aguiar: Complexo de carcará das “élites”

Tempo de leitura: 4 min

Os retirantes, de Cândido Portinari

11/06/201o

O carcará, ave do nosso sertão, é um parente distante dos falcões, esses velozes e mortais caçadores das aristocracias d’Europa… Não os temos. Mas temos os carcarás. São a metáfora perfeita para os nossos roedores na política internacional. Inclusive porque o carcará também é um devorador de carniça, e vive na esteira dos urubus.

por Flávio Aguiar, em Carta Maior

Nossa, não estava no mapa o que deu de metáfora cediça na mídia brasileira cartorial depois da aprovação das sanções de Hillary Clinton (disfarçadas como do Conselho de Segurança da ONU) contra o Irã e contra o acordo firmado por este país com a Turquia e o Brasil.

Dois exemplos:

1) Virando a metáfora do presidente Lula contra ele, saiu que o Brasil se aproximar do Irã e manter uma “política terceiro-mundista” é o último charme ou armadilha do nosso “complexo de vira-lata”. A metáfora não vai muito além de suas pernas, porque não as tem. Falar de “terceiro mundo” hoje, como fonte de inspiração política, é de um anacronismo tão grande quanto falar de um “primeiro mundo”. A não ser no sentido de que o ex-primeiro (EUA e Europa) estão criando o “seu” terceiro. Aquele, pela miserabilização – que o governo Obama tenta corretamente conter – de enormes parcelas de sua população. Esta, pela adoção, pelo conservador Consenso de Bruxelas, manu econômica, das mais conservadoras receitas do Consenso do Washington, via intervenção do FMI na zona do euro.

2) Citando pela não-sei-quanta-centésima-vez o infeliz episódio do nosso querido e grande poeta Castro Alves, saiu-se gente a dizer que o voto contrário do Brasil às sanções sobre o Irã na ONU foi “um tiro no pé”. Me desculpe o autor de mau gosto da metáfora sem gosto: só se o tiro foi no pé de dona Hillary. Mas guardemos as proporções: “tiro” é demais. Digamos que o voto brasileiro – junto com o da Turquia – no Conselho de Segurança foi uma “pedra no sapato” da política que tenta segurar o lobby judeu a seu favor nos EUA diante de uma eleição a perigo no fim do ano, e aplacar os falcões norte-americanos que herdou de Condoleeza Rice no Depto. de Estado, Pentágono, CIA, etc., além dos que promoveu.

“Pedra no sapato”? Sim, porque a Turquia é o aliado na OTAN mais a leste desse protetorado norte-americano que se chama Europa. Através de uma ponte, ela extrapola a própria Europa, e vai em direção aos contenciosos da Ásia. Sem Turquia, os norte-americanos ficam sem ponte para o vasto continente onde têm também vastos interesses – entre eles o de cercar a Rússia. E sem o Brasil, os Estados Unidos não vão a lugar nenhum (a não ser às suas bases na Colômbia) na América do Sul. Bom, mas for o Brasil da aliança tuca-dema, aí os Estados Unidos irão longe.

O vazio do discurso dos que tentam desqualificar a visão da diplomacia brasileira como “imatura” (!!!???) ficou mais patente depois da contradição entre uma afirmativa de algum funcionário do Departamento de Estado (apresentada nas manchetes como “Os Estados Unidos reprovam”…) de que os Estados Unidos viriam como inaceitável que o Brasil vendesse etanol ao Irã, e a asserção russa de que as tais de sanções não impediriam a venda de mísseis S-300, fundamentais para que o país defenda suas instalações nucleares, ao Irã. Sem falar que os maiores parceiros comerciais do Irã, além da Rússia e da China, estão na União Européia.

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Como entender essa cegueira parcial para o mundo, além, evidentemente, da falta de uma consulta bibliográfica adequada sobre a diplomacia brasileira e sua história?

É que aos arautos da nossa “élite” sequiosa de benesses, benefícios e subsídios para os seus supérfluos, assalta um “complexo de carcará”.

O carcará, ave do nosso sertão, é um parente distante dos falcões. Ah, os falcões, esses velozes e mortais caçadores das aristocracias d’Europa… Não os temos. Mas temos os carcarás. São aves pequenas, que vivem de atacar insetos, roedores, preás, e filhotes pequenos de animais grandes, como porcos, bovinos, etc. São a metáfora perfeita para os nossos roedores na política internacional. Inclusive porque o carcará também é um devorador de carniça, e vive na esteira dos urubus.

É mais ou menos isso que esses arautos da subserviência nos desejam, quer dizer, para as “élites” que defendam. O que nos cabe nesse mundo “mal dividido” é comer os sobejos da potência que domina o nosso hemisfério e o mundo. A gente podia chamar isso também de “complexo do beija-mão”. Beija-mão da potência, claro, porque por aqui, o que essa “élite” gosta mesmo é do “beija-anel”, porque a mão já perdeu faz tempo.

O mundo mudou. O carcará já foi um ícone da esquerda brasileira. “Carcará, pega, mata e come! Não vai morrer de fome!” E aí vinha algo assim como que ele ataca os borregos e segura “no umbigo até matá”. E que tinha “mais corage do que home”. A canção era bonita, a metáfora nem tanto. Até porque, tudo bem pesado, naquela época os carcarás eram “eles” e os borregos éramos nós.

Mas enfim, a metáfora hoje se ajusta a essa crosta da sociedade brasileira, mídia conservadora e seus arautos incluídos, que pensa que nossa inserção no mundo deva ser a de ajudar a explorar mais os já explorados e oprimidos, os países menores nossos vizinhos, aliados a uma subserviência mundial que garanta a idéia de que política, internamente, é coisa para quem preza apenas a ascendência européia da nossa cultura, apesar de quantos pés na cozinha, na oca e em outros lugares assumamos ter.

Finalmente, só me resta pedir desculpas ao carcará, ave nobre do nosso sertão, que ajuda a manter o equilíbrio do nosso biossistema com a galhardia dos resistentes, por tê-lo usado como metáfora para descrever mentalidades tão avessas à análise reflexiva quanto chegadas ao amor pelos privilégios.

* Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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Comentários

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william porto

Dizem que certa vez Serra se assustou, na fazenda de Sergio Guerra, com umas araras, avaliem com os carcaras, ia se borrar todo. Nao ia ser so complexo, mas panico,

Urbano

Se essa gente que faz oposição desenfreada ao Governo Lula acredita nas aberrações que ela mesma diz, não tenho o menor receio de errar ao dizer que são parvos até a medula.

Supertramp68

Carcará
Num vai morrer de fome
Carcará
Mais coragem do que home
Carcará
Pega, mata e come
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão

Parece um ode a Dilminha da guerrilha…

"…sem o Brasil, os Estados Unidos não vão a lugar nenhum… " ahahahahah só se precisar do lombo do divino para se locomover. Ô Flavio, não fica alimentando o complexo de vira-latas desses esquerdas que morrem de inveja do Obama e dos EUA.

    Polengo

    Claro, se a gente não tirar o sapato pra eles, o Obama vai jogar uma bomba atômica em São Paulo, uma no Rio de Janeiro e uma em Garanhuns, assim que a Dilma ganhar a eleição, no primeiro turno.

    Marcelo Fraga

    Eu já falei que esse SuperTrampo é comediante. Faz piadas tão engraçadas quanto o Dvoaraque.
    Tu podia falar com a Globo pra ver se te davam uma vaga no Zorra Total.

    Supertramp68

    É uma boa ideia já que a vaga no CS na ONU tá muito visada ultimamente…

    Leonardo Câmara

    Filhinho, você tem nome? Por que não assina embaixo as tuas opiniões? Está com medo de algo? Qual a tua verdadeira identidade?

    Leider_Lincoln

    Nome ele tem, o que ele não tem é peito, culhões. Ah, e capacidade argumentativa, embasamento intelectual, formação cultural, ou em resumo, é só um coitado, destes que que devem ter se divertido assistindo os outros apertando a campanhia e saindo correndo, na infância. Já houve trols melhores por aqui. Os frequentadores de há mais tempo devem se lembrar do John Bastos, do Klaus… Até o nível dos trols deles está caindo.

    Ivan Lima

    Acho que João do Vale está um pouco acima da sua capacidade de argumentação, Supertramp68(???????????????????)
    Para você, eu acho que encaixa um Evaldo Braga:

    "Sorria meu bem, sorria
    Da infelicidade que você procurou
    Sorria meu bem, sorria
    Você hoje chora
    Por alguém que nunca lhe amou
    Sorria meu bem, sorria
    Eu sempre lhe dizia
    Quem ri por último, ri melhor"

Jairo_Beraldo

"Finalmente, só me resta pedir desculpas ao carcará"…ainda bem que o fez. Ele não merece tal comparação…é muito!

C A Lemes Andrade

Azenha: olha só mais um "complexo de Carcará" que seria bom que voce e a Conceição que pra meu orgulho também é Lemes, analisassem: uma operadora de cartão de crédito está usando em sua publicidade para o período da Copa o chamado "Go Brasil". Acho que eles querem dizer "Vai Brasil" mas a propaganda visa (sem trocadilho) exatamente as "élites" como muitas das empresas estrangeiras que tentam desvalorizar a língua portuguesa. É nessa hora que vale até a pena lembrar um colunista de um grande jornal e dizer que "Go Brasil" é o ………. Nós aqui falamos diferente, pois falamos português e não inglês. A peça está errada pois se busca consumidor estrangeiro, seria mais correto eles usarem de uma vez "Go Brazil"!!!

Gerson Carneiro

Carcará
Lá no sertão
É um bicho que avoa que nem avião
É um pássaro malvado
Tem o bico volteado que nem gavião
Carcará
Quando vê roça queimada
Sai voando, cantando,
Carcará
Vai fazer sua caçada
Carcará come inté cobra queimada
Quando chega o tempo da invernada
O sertão não tem mais roça queimada
Carcará mesmo assim num passa fome
Os burrego que nasce na baixada
Carcará
Pega, mata e come
Carcará
Num vai morrer de fome
Carcará
Mais coragem do que home
Carcará
Pega, mata e come
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão
Os burrego novinho num pode andá
Ele puxa o umbigo inté matá
Carcará
Pega, mata e come
Carcará
Num vai morrer de fome
Carcará
Mais coragem do que home
Carcará

Carcará – Chico Buarque – Composição: João do Vale/José Cândido

Go Oliveria

Gostei dos conceitos:
– Complexo de carcará (pedindo desculpas ao carcará)
– Élites
– Complexo de beija-mão ou beija-anéis
– Tem também os complexados lambe-botas que, vez por outra põe as unhas de fora…

    Franciscão

    Oliveira, não se esqueça também dos borra-botas. Esse é o time do "exilado" Serra…

Ivan Arruda

Acabo de ouvir na CBN que Serra ao encerrar seu discurso teria dito que a democracia é inegociável. Quais as evidências que ele e a sua turma teriam para falar isso? A não ser que ele esteja se referindo aos HCs preventivos para bandidos.

    Jairo_Beraldo

    Porque para viver só sabem vender….não sabem produzir!

Milton Hayek

http://www.ecocidio.com.br/2010/06/11/manobra-suj

Sujos. Imundos. Esses manipuladores euroanglonazisionistas (como diria o Aldo Luiz) definitivamente possuem esses adjetivos impressos em seus DNAs, bem como em seus títulos. Assim, se eu falasse da “nobre” Rainha da Inglaterra, ou do não menos “ilustre” Mayer Rothschild – o escroque mor, o inventor e implantador do sistema monetário moderno, onde os governos não são soberanos – deveria me referir a eles como a Suja Rainha Elizabeth e o Imundo Rothschild.

Christian Schulz

Ih, depois desse baile intelectual, à turma da direita aqui do Viomundo só resta "comemorar" os 5 anos do Mensalão.

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