Financial Times: Tiro americano pode sair pela culatra

Tempo de leitura: 3 min

QE2 blunderbuss likely to backfire

By Mohamed El-Erian, no Financial Times

November 3 2010 20:12

Dada a grande expectativa do mercado, o Banco Central dos Estados Unidos não tinha escolha mas a de anunciar uma segunda tentativa de quantitative easing, apelidado de QE2. Mas a medida é inevitavelmente um instrumento pouco calibrado para a difícil tarefa de restaurar o crescimento e gerar empregos. Os benefícios obtidos pelos Estados Unidos representam peso para outros países e todos poderiam ser afetados pelas consequências indesejadas dessa política inevitavelmente imperfeita.

Ao sinalizar sua intenção de comprar outros 600 bilhões de dólares de papéis de longo prazo do Tesouro até o final de junho de 2011, o Banco Central espera que essa injeção de dinheiro baixe as taxas de juros, valorize os bens, crie riqueza e encoraje famílias e companhias a gastar e contratar. Além disso, ao deixar anotada a pretensão de fazer mais do mesmo se os índices não reagirem, o Banco Central espera que os mercados definam o preço de futuras compras, turbinando o impacto da decisão antes mesmo que futuras compras sejam especificadas.

Demonstrando determinação ao agir, o Banco Central no entanto sabe que os benefícios potenciais da medida virão com a certeza de danos colaterais e com a possibilidade de consequências adversas indesejadas.

O Banco Central enfrenta três problemas, com o papel solitário que joga sendo o primeiro deles. Tendo alertado no fim de agosto em Jackson Hole que “os bancos centrais sozinhos não podem resolver os problemas da economia mundial”, Ben Bernanke, o presidente do Banco Central, agora lidera a instituição que está virtualmente só entre os formuladores de política dos Estados Unidos que tentam enfrentar a fraqueza da economia e a insistentemente alta taxa de desemprego.

Outras agencias do governo estão paralisadas por limitações reais ou percebidas e parecem felizes em recuar para o canto enquanto o Banco Central carrega o peso. Mas injeções de liquidez e engenharia financeira são insuficientes para lidar com os desafios enfrentados pelos Estados Unidos. Sem reformas estruturais, parte da injeção de liquidez do Banco Central vai vazar para fora dos Estados Unidos e resultará em outra onda de invasão de capital em outros países.

O resto do mundo não precisa desta liquidez extra, e é aí que o segundo problema emerge. Várias economias emergentes, como o Brasil e a China, já estão próximas do superaquecimento; a eurozona e o Japão não podem mais lidar com a apreciação de suas moedas.

Apesar da retórica educada que precede a cúpula do G20 na Coreia este mês, outros países provavelmente vão responder ao que consideram uma desnecessária onda de capital causada pela política imprópria e de visão curta dos Estados Unidos. O resultado vai ser a renovada tensão entre as moedas e um risco maior de controle de capitais e protecionismo comercial.

A terceira questão se relaciona com a gradual erosão do papel central dos Estados Unidos na economia global — inclusive como o fornecedor da moeda de reserva mundial e dos mercados financeiros mais profundos e previsíveis. Nenhum outro país ou instituição multilateral pode substituir os Estados Unidos, mas uma combinação de alternativas pode servir para erodir a influência dos Estados Unidos com o passar do tempo. Não é surpreendente que o preço das commodities aumentou e que o dólar caiu antecipadamente ao anúncio do QE2, o que resultou em custos adicionais para empresas americanas e pressão indesejada sobre seus ganhos.

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A conclusão infelizmente é que o QE2 terá sucesso limitado para sustentar alto crescimento econômico ou criação de empregos nos Estados Unidos, e vai complicar a vida de muitos outros países. Com o resultado doméstico sendo menor que o esperado pelas políticas adotadas, é só uma questão de tempo até que o Banco Central faça mais do mesmo. E isso significa que o anúncio do QE2 de quarta-feira não será o fim do ativismo político pouco comum do Banco Central.

O Banco Central deveria estar preparado para esta possibilidade desde já. Ao fazer isso, deveria insistir que qualquer novo uso de seu orçamento deveria obedecer a duas condições.

Primeiro, em vez de se preparar para outra ação solo, o uso do orçamento do Banco Central deveria ser apenas um componente de uma ação holística dos Estados Unidos que trate tanto da demanda quanto das questões da reforma estrutural; segundo, tal resposta deveria ser acompanhada por ações correlatas, mesmo que não coordenadas, por parte de outros países. Sem isso, o Banco Central corre o risco de ultrapassar a linha que separa as políticas corajosas das contraproducentes.

The writer is chief executive and co-chief investment officer of Pimco

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Comentários

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ruypenalva

A medida não é tão ruim assim para os americanos, embora possa ser inflacionária. Significa mais dinheiro nas mãos do tesouro para investimentos e se for bem usado pode acelerar obras etc. Que não vá para financiar guerras. Jeffrey Sachs disse numa conferência recente "Os senhores me desculpem, os EUA não têm dinheiro para nada, exceto para guerra. A dívida pública dos EUA já alçança 95% do PIB (a brasileira não chega a 40%). A população está endividada, alavancada, com mais de uma hipoteca para o mesmo imóvel e não há sinais à vista de uma recuperação econômica no curto prazo. O endividamento crescente americano é a causa da doença do dólar, uma moeda sem lastro. Mesmo os títulos do Tesouro Americano já estão perdendo o título de risco zero. No ano passado, a China que tem mais de 700 bi em títulos do Tesouro Americano, advertiu as autoridades americanas sobre a possibilidade de calote. Mas não tem solução para China e Japão, ou eles compram título do Tesouro Americano ou os EUA não importam suas mercadorias. Mas o que fazer se a Europa também está trôpega? Um efeito colateral dessa mega-emissão do Tesouro Americano foi a alta generalida das commodities, principalmente do petróleo, o que pode fazer aumentar a inflação nos países emergentes, embora seja boa para a Petrobrás e o Pré-sal que precisam de um custo alto para o barril de petróleo.

João R.

Do que adianta colocar 600 bi no mercado, comprando papéis de dívida que certamente estão concentrados na mão de um minoria (já) abarrotada de dinheiro?
Só vejo possibilidade de "sucesso" nos efeitos indesejados dessa política desastrada.

Aline

Certo estava o Hugo Chávez. Há anos que ele adverte em relação ao que está ocorrendo agora. Se o Brasil tivesse ingressado na ALBA e se não tivesse retardado sua adesão ao Banco do Sul, teria sido melhor.
Porém o nosso Congresso impediu.
Vai se esperar alguma atitude solidária e humanista dos EUA? Se sempre espoliaram e dominaram,agora que estão se afogando vão querer levar todo mundo junto…

Guilherme

Vai dar m…

Marcos C. Campos

Rapaziada … quando os juros voltarem a uma escala normal a divida publica americana atingira a escala dos quatrilhoes …. ? …. em 2030 ??

Edmilson

Quando é que os demais países vão finalmente se convencer de que é extremamente necessária e urgente a criação de uma "moeda mundial" que não seja controlada por um único país (como acontece com o dólar)?

Roger

Curiosamente, não consigo evitar de pensar que enquanto estamos caminhando rumo ao pleno emprego, ou seja, com as taxas de desemprego cada vez menores, nos EUA ocorre o contrário. É como se nossa felicidade fosse sua tristeza.

Será que esse meu raciocínio aparentemente esdrúxulo tem sua lógica?

Acho que sim. Uma onda nacionalista parece ter varrido o chamado "terceiro mundo". A América do Sul em peso não se subordina mais aos EUA. E essa onda corre o mundo. Quem é um dos seus mais proeminentes surfistas? Ele mesmo: Lula!

De qualquer forma, até às pedras do chão é dado conhecer que nem Obama consegue frear a máquina de guerra imperialista representada pela CIA e pelos corporatocratas do Departamento de Estado americano. Em "A Herança Messiânica", de Michael Baigent, Henry Lincoln e Richard Leigh, a propósito de tentar entender o interesse político em teses que afetariam a Igreja Católica, os autores afirmam que a CIA é um órgão amontoado de participantes de cabalas secretas e financeiras – dos Cavaleiros de Malta à Opus Dei, passando pelos místicos adeptos do Bohemian Groove e até pelos imaginários (?) Illuminatti – além de outras ordens menos prosaicas… Seus membros representam, em síntese, os interesses corporatocratas americanos – independentemente das ordens de Obama, Bush, Clinton ou quem quer que seja. É uma máquina azeitada, e que trabalha… sozinha!!

Trocando em miúdos: se há desemprego nos EUA, é sinal que a CIA não consegue mais derrubar governos na América Latina ou Central, África etc., para que o Mc Donalds ou a Walmart possa abrir mais lojas com mão-de-obra barata, ou contratos de exploração de petróleo (p.s.: lembra alguma coisa? Dica: começa com "PRÉ" e termina com "SAL") para a EXXON MOBIL explorar. Significa que a CIA e suas cabalas secretas não conseguem mais "dar gás" à mídia elitista local, para que Zé Chiricos locais ganhem as eleições; ou seja, não assumindo, os Zés Chiricos não privatizarão as Teles locais para a AT&T… etecetera, etecetera, etecetera… Vide "Confissões de um assassino econômico" (livro).

Ah, eu e minhas teses conspiratóides…

    Marcos C. Campos

    Nao acredtio que voce esteja muito longe de realidade.

    LUCIO FLAVIO

    Tá certíssimo Roger. Ver tbém. a História Secreta do Império Americano, do mesmo autor e, Hitler Ganhou a Guerra, de Walter Grazziano.
    LUCIO FLAVIO LAUTENSCHLAGER
    Santa Maria – Cidade Universitária-RS

    Nelson Gaspar

    Obrigado pela dica Lúcio. Embora o livro esteja esgotado, já consegui comprar num sebo. Muito bom!
    Nelson Gaspar

    Nelson Gaspar

    Obrigado pela dica sobre o livro Confissões de um assassino econômico. Já vou providenciar a compra do mesmo.

ZePovinho

Quantitative easing é outro nome para o que os liberais e neoliberais abominam nos governos e no Estado:imprimir dinheiro.Passaram anos dizendo que a impressão de dinheiro tinha de ser tirada do governo para evitar o populismo e agora fazem a mesma coisa,criando o populismo para ricos que se esfalfarão nos bonus milionários dos executivos.
"Imprimem" dinheiro nas telas dos computadores e na contabilidade de bancos privados e atocham dívida no Tesouro dos EUA.
Eles podem imprimir dinheiro à vontade.Lógico.Quem paga a conta é o contribuinte(que vai pagar mais impostos no IRS) e os que financiam a dívida dos EUA(nós) com suas reservas em dólar se esfarelando.
Vamos aguardar o próximo artigo de Michael Hudson sobre essa festa de endividamento do Estado americano.Essa farra de irresponsabilidade fiscal dos neoliberais vai encher os bolsos dos ricos e esvaziar o bolso dos "tea partiers" com dívida.

    Roger

    "Vai encher os bolsos dos ricos"

    Sim, principalmente do Bank of America, Citibank, MP Morgan Chase e outros bancos acionistas do FED. Diferentemente do que acontece aqui, lá a privataria deles, antes de 1929 atingiu o banco central. O FED, como sabemos, é privado. Quando ele diz que vai comprar titulos, significa que está CRIANDO os tais U$D 600 bilhões a partir do NADA, e vai depositá-los numa conta governamental para que se inicie a expansão do dinheiro inflável (de onde o termo "inflação").

    Em troca, daqui a alguns anos, o Governo Americano (leia-se: contribuintes) irão pagar U$D 600 bilhões + JUROS, porque há a necessidade de honrar os titulos gerados também DO NADA pelo Governo, pagando o PRINCIPAL + JUROS. Os Juros irão para os bolsos dos bancos acionistas do FED.

    Ou seja, como bem explica o documentário Zeitgeist: o dinheiro é criado a partir de uma dívida. E vai ser expandido por meio da rede de bancos comerciais, a partir de demandas por emprestimos!!

    Aqui o funcionamento é o mesmo; a diferença é que o Banco central é Estatal, e por isso mesmo não ganha nada com a emissão descontrolada de papel moeda (ou escritural, como queiram). A liquidez inflacionária é controlada pelo compulsório – a grana que "dorme a noite" no BACEN.

    Lá nos EUA os Bancos tem que fazer isso pra ganhar dinheiro, porque o spread é baixo – as taxas de juros são muito, muito baixas, diferentemente daqui. Aqui os juros são maiores, e o Leviatã-banqueiro se contenta com isso – e com as tarifas.

    Enquanto BB e CEF forem fortes e estatais, podemos ficar tranquilos, penso eu.

Josnei

O fracasso está subindo à cabeça do Tio Sam.

Daniel Campos

Não vai funcionar porquê não mexe na questão mais básica que é o fato do consumidor norte-americano não ter dinheiro para gastar. Que crédito NÃO É a mesma coisa que salário, crédito é dinheiro emprestado que uma hora têm que ser pago. A economia norte-americana está indo mal porquê eles têm cada vez menos gente empregada e os que ainda têm emprego estão ganhando cada vez menos, e qualquer pessoa prudente nessa situação não gasta dinheiro que não têm.

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