Faustino Rodrigues: “O maior inimigo do PT é o próprio Partido dos Trabalhadores”
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O maior inimigo do PT
por Faustino da Rocha Rodrigues, via e-mail
Politicamente, o Brasil fervilha. Vive-se um momento de reforma política que é mencionada há muitos anos, de antes mesmo de eu me tornar eleitor. Ao mesmo tempo, um grande crescimento econômico é freado, com tudo voltando ao normal ao apresentar o fim de um sonho no horizonte, mas fazendo com que um segmento social até então beneficiado economicamente com as políticas de desenvolvimento dos últimos anos se manifestasse contrário ao governo.
A resposta política vem na forma de pacotes econômicos a prejudicarem visivelmente o trabalhador, fazendo-o arcar com o ônus dos cintos apertados. Muito bem, vamos em direção a cada um destes pontos.
Primeiro, é notável o crescimento do Brasil. A parcela da classe média que foi às ruas com a camisa da CBF para protestar me perdoe, porque o seu lamento é sempre o mesmo, demonstrando a gigantesca fragmentação econômico e social do país. Em outra ocasião falamos de vocês. O fato mais importante é que outra parcela da sociedade, muito significativa, nos últimos anos teve acesso a bens até então restritos aos cbfistas, como ensino superior, viagens e determinados bens de consumo.
2014 foi o ano em que o gasto do brasileiro no exterior atingiu recordes [1], apresentando um novo perfil de brasileiro, o daquele que cruza as fronteiras por motivos outros que não são de puramente trabalho, fugindo da agreste economia brasílica. Algo, até então, inimaginável.
Pela primeira vez, no Brasil, empregada doméstica pode comprar carro – embora muito esforço ainda seja necessário para tanto, mas o financiamento se torna possível. Há sempre relatos de diaristas que fazem faculdade à noite, pública – a expansão das vagas é notável – ou privada – muitas vezes pelo Prouni. Eu mesmo conheço pessoas nessa situação [2].
A regulamentação de sua profissão é fundamental, dando indícios de valorização da categoria – nem sei se antes era possível falar em domésticas como categoria profissional nos termos formais [3]. Ademais, o aumento do salário mínimo esteve sempre acima da inflação, e mesmo que o PIB varie negativamente, haverá um reajuste real em seu valor final [4].
Assim como viajar a lazer, o brasileiro pode ser visto como pesquisador, pós-graduando, com bolsas de estudos a projetarem-no em instituições internacionais de reconhecimento, proporcionando um diálogo fértil com as instituições brasileiras [5]. O crescimento é de mão-dupla. O curioso, ainda, é que muitos destes estudantes-pesquisadores compõem o quadro social dos tradicionalmente excluídos do elitizadíssimo ensino superior público – o campo da pesquisa acadêmica é exclusivo, para poucos (ou não?!).
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Mestrados e doutorados ampliados projetam cientistas brasileiros para o cenário internacional e, pensando em um projeto nacional, contribuem para a inovação e desenvolvimento do Brasil, com a grande maioria das pesquisas sendo desenvolvidas no interior das universidades públicas.
Aliás, falando em IESs (Instituições de Ensino Superior), nota-se o surgimento dos IFETs como centros tecnológicos, sua proliferação na formação de mão-de-obra técnica qualificada. O ensino técnico adquire um novo status, não sendo visto mais somente como o de peão que, tradicionalmente, na desigual escala do trabalho, determina a sua alocação em um lugar desproporcional nas relações produtivas.
E, novamente falando em um projeto de nação, a tecnologia adquire um prestígio não visto antes, cujo valor se situa desde a pesquisa e elaboração de inovações tecnológicas até a execução de tais projetos [6].
Enfim, poderia arrolar uma infinidade de fatos positivos a evidenciarem o recente processo de desenvolvimento do Brasil. O mais patente, em tudo isso, refere-se à integração de uma parcela da população até então excluída das benesses do crescimento econômico. O Brasil viu que, em meio à sua diversidade cultural e social, somente seria possível o crescimento a partir da consideração desta diversidade, não a deixando a parte do processo como um todo.
Mas, a terra descoberta por Cabral é feita de poderosos. O engenho de açúcar continua a moer. Para movimentar tudo da maneira como foi feito, fez-se necessário capital. O Brasil, o governo petista, na admissão do projeto desenvolvimentista, não rompeu com o capital financeiro (nem sei se deveria ou se queria), os grandes industriais e empresários, inclusive latifundiários. Temendo as conseqüências de tal ruptura, o PT viu que o desenvolvimento somente seria possível ao se ter o Estado brasileiro como mediador entre as duas extremidades. Incluir os setores até então desprivilegiados, sim, mas, não deixando de lado completamente os grandes privilegiados.
Neste movimento, o Brasil ameniza a desigualdade [7]. Contudo, não sei até que ponto há um compromisso definitivo em romper com ela, pois os muito ricos sempre existirão [8]. Talvez percam a exclusividade na visita à torre Eiffel, mas sempre estarão presentes com um apartamento em frente ao Champ de Mars, vendo os ascendentes se aproximarem cada vez mais. Não sei até que ponto tal aproximação é realmente ameaçadora, transformadora, fazendo o de baixo subir e o de cima descer até um ponto mínimo de equivalência. Talvez não o seja. Na dúvida, reproduzem-se os camarotes.
A evidência de tudo isso está na ineficiência da Reforma Política e na ascendência política – da mesma maneira como se viu uma ascendência social dos até então excluídos – de nomes como o de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Em uma despretensiosa pesquisa, navegando pelas redes sociais, percebo como é comum entre os militantes petistas atribuírem o poder de Cunha àqueles que não apoiaram o projeto petista de desenvolvimento e que foram às ruas com as camisas da CBF, tendo a sua atenção distraída por temas como o da corrupção e redução da maioridade penal – esta, por si, uma proposta absurda, pois, até onde sei, nenhum país que reduziu a maioridade penal teve os índices de crimes violentos reduzidos; porém, alguém precisa ser culpado [9]. Ora, mas o PT desde sempre deu asas ao PMDB. Voltemos no tempo.
O Mensalão é explicado, mas não justificado, pela necessidade urgente do governo, minoria no Congresso após a eleição de Lula, conseguir aprovar propostas para sustentar o desenvolvimento do país, até então em projeto. O acordo com os parlamentares era comprado, pois o PT, com oportunidade única em mãos de ser governo depois de três insucessos de Lula – justamente para o que seria o maior inimigo petista de então, o PSDB – não poderia perdê-la. Faz-se o jogo. Com o Mensalão o governo consegue maioria para elaborar, em sua gênese, o seu projeto de desenvolvimento [10].
A pressão sofrida pelo governo em torno do Mensalão acabou gerando, por motivos óbvios, a busca de apoios diversos, de maneira a fazer a coisa toda funcionar como deveria ser. O PMDB e outras alianças esdrúxulas surgiram no horizonte como possibilidade. O governo apóia inescrupulosamente nomes como Sérgio Cabral (PMDB), no Rio de Janeiro. Diante disso, fecha os olhos, por exemplo, às suas iniciativas frente à educação que são pautadas fundamentalmente pela desvalorização do profissional. Lula e Dilma nada podem fazer 11].
A dimensão do imbróglio fica ainda mais terrível quando se tem de levar em conta a eleição para governador dos fluminenses em 2014, com nomes como Pezão (PMDB), Crivela (PRB, base do governo como senador) e Lindberg Farias (enquanto petista, único autenticamente do governo).
Mas, Rio de Janeiro é somente um exemplo. Os males de tudo isso podem ser disfarçados com as palavras desenvolvimento e modernização, às quais estariam diretamente atreladas às possibilidades conferidas pelas obras e ganhos advindos das Olimpíadas de 2016. De todo modo, tudo isso se reflete diretamente no Congresso Nacional.
Ainda que se questione as atitudes de Eduardo Cunha, deve-se admitir que formalmente ele é da base do governo. Durante os últimos anos, PT não teve peito para questionar o PMDB, apontar-lhe o dedo no nariz e colher possíveis ônus advindos de se assumir um projeto desenvolvimentista que pudesse lhe custar uma reeleição. O resultado, neste caso, foi permitir o crescimento do PMDB no interior da política que, de donzela cortejada pelo governo e oposição, tornou-se o monstro Tífon que cortou os tendões de Zeus.
A incoerência se faz tamanha ao levar em conta a posição assumida pelo vice-presidente, Michel Temer (PMDB), ao mostrar-se a favor do financiamento privado e do distritão, tão condenados pelo governo petista [12]. Aliás, o financiamento privado pode até mostrar-se como o grande vilão de toda a corrupção, nos dizeres da militância petista disseminada pelas redes sociais, ao se referirem diretamente ao Petrolão.
Mas, o que se encontra em evidência, neste caso, novamente, é que o governo comprou um projeto de modernização capitalista a incluir fundamentalmente aquela parcela de empresários, mencionada no início do texto, sempre desejosa de se fazer exclusiva, ansiosa por ser dona da política. Não rompeu antes, colhe agora.
O caminho seguido pelo PT, ao fim e ao cabo, é excessivamente pragmático. Se há algo que as esclerosadas manifestações de junho de 2013 ensinaram é a de existirem parcelas da população ansiosas pela representação política. Nenhum, absolutamente nenhum líder político comprou a tarefa e assumiu para si a responsabilidade. Nenhum quis desagradar os setores empresariais com os quais os manejos se tornam mais fáceis em meio ao pragmatismo exigido pelo que entendem ser a vida política.
O Chile, curiosamente, ao seguir o caminho contrário e permitir a ampliação dos canais de representação por meio da atividade de lideranças políticas, conseguiu promover recentemente inovações em seu sistema eleitoral derrubando de maneira extremamente eficaz alguns dos pontos presentes na Constituição, formulada pelo governo Pinochet [13]. Obviamente, comparado ao Brasil, o caminho dos chilenos guarda muitas singularidades, mas é contrastante com o caso brasileiro. O mais recente ganho dos parceiros latino-americanos está na discussão de reforma educacional em um país cujo sistema educativo é esmagadoramente privado.
E a nossa reforma política é sintomática, senão previsível. Na esfera do político, ganham os grupos marginais, com a operacionalidade exigida pelo pragmatismo, a urgência das aprovações, proporcionando a proliferação de segmentos extremistas, como a bancada ruralista e evangélica, impedindo o Brasil de tomar medidas referentes a um desenvolvimento sustentável – a crise hídrica denuncia isso de maneira efetiva ao fazer os brasileiros dependerem de uma providência divina encontrada no céu, da chuva, uma entidade miraculosa. Ao mesmo tempo em que se tem a restrição quanto à ampliação de direitos sociais e humanos – como o aborto que sequer pode ser discutido como tema de saúde pública, tal como a união homoafetiva vai ficando para depois (os argentinos já nos ultrapassaram).
E o brasileiro cbfista, ansioso pelo exclusivismo, ameaçado, constrói um imenso camarote: a Copa do Mundo de 2014. Os ingressos fogem ao padrão da Geral – outrora o mais barato e lúdico setor das arquibancadas –, conveniente ao divertimento dominical daquela parcela de antes, como a das domésticas de outros tempos.
Àquele segmento tradicionalmente excluído do desenvolvimento econômico, resta a TV de LED de 54 polegadas compradas em infinitas prestações. É de lá que ele poderá assistir ao balé de Neymar e aos sete gols da Alemanha, pois a prestação, em si, é menor do que o ingresso. O seu lugar é previamente determinado como o da esfera privada, não podendo ocupar a arena propriamente pública. Isso é simbólico, pois se não está de corpo e alma nos espaços públicos, como as ruas, por exemplo, a autêntica esquerda perde a eficácia de sua voz, tendo de negociar não com a demanda concreta, mas, com aquela não vista, não divulgada pelos meios de comunicação, pois se encontra nos estreitos corredores de Brasília, cidade de ruas amplas e longas, cuja dispersão se torna muito fácil.
Mas, há manifestações. Surgem como o afã transformador justamente por ocuparem a rua, o espaço da esquerda outrora progressista – um progressismo feito, paradoxalmente, em acordo com os setores mais conservadores. E os manifestantes, legítimos insatisfeitos, trazem à baila não uma plataforma ampla e condizente com um projeto unificado, para todos. Seu aspecto é mais próximo ao de uma gigantesca torre de Babel esparramada pelas ruas e praças brasileiras. São linguagens diferentes a impedirem qualquer entendimento.
No mesmo lugar em que se grita pelo direito à união homoafetiva, grita-se contrário a ela e pede-se a intervenção militar. Aliás, tal como em junho de 2013 ojerizou-se a política através das hostilidades a militantes, agora, em 2015, repudia-a da mesma maneira ao se gritar pelos milicos salvadores – não se enganem, eles não são políticos.
O último ponto, o tiro fatal deste projeto desenvolvimentista com suas conseqüências políticas, na definição dos rumos da política brasileira, é visto sobretudo na conta que se tem de pagar pelo Brasil ter parado de crescer – e pela dificuldade de, agora, poder-se comprar a TV de LED de parágrafo anterior .
O chamado ajuste fiscal penaliza o trabalhador e nos faz ver confusamente como aqueles do governo que no mesmo dia condenam a corrupção política como algo a significar o atraso do país, enfatizando a premência de se votar a favor do financiamento público de campanha, posicionam-se em defesa das restrições dos direitos trabalhistas – e o petismo protagoniza com progressimo ao defender o primeiro e conservadorismo com o discurso da necessidade para o segundo ponto. Estranho, muito estranho.
Enfim, o PT trouxe diversos ganhos para o país, promovendo inclusão e retirando uma parcela de uma miséria sufocante. E, em nome de tudo isso, tem-se a heteronomia da política ao permeá-la de agentes outros, não políticos, mas econômicos.
Se se tiver de falar de uma independência da política brasileira, sua possibilidade de caminhar por suas próprias pernas, como deveríamos definir o Brasil?
Sinceramente, não sei. Tenho apenas dúvidas, mas tento não fechar um olho, de maneira a mirar somente para um lado, o dos que acusam Dilma ou o dos que a defendem. Muito deve ser feito. Mas, acho que muito poderia ter sido feito. A lição que fica é a de que o maior inimigo do PT não é o PSDB ou qualquer outro partido. Seu inimigo mais forte é o próprio Partido dos Trabalhadores.
[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2015-01/mesmo-com-dolar-em-alta-gastos-de-brasileiros-no-exterior-batem-recorde
[2] O relatório do IBGE é interessante para se constatar estes dados: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/perfil_trabalha_domesticos.pdf
[3] Muito bom o relatório do IPEA para uma reflexão sobre a expansão dos direitos das domésticas: http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/120830_notatecnicadisoc010.pdf
[4] http://www.brasil-economia-governo.org.br/2015/06/01/politica-de-valorizacao-do-salario-minimo-que-valorizacao/
[5] Vide programas como o Ciências Sem Fronteiras (CSF) – http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf – e Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), http://www.capes.gov.br/bolsas/bolsas-no-exterior/programa-de-doutorado-sanduiche-no-exterior-pdse
[6] http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/ifet_bases.pdf e http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/artigos_ifets_eliezer.pdf
[7] http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2013/10/mais-de-3-5-milhoes-sairam-da-pobreza-em-2012-diz-ipea
[8] http://saladeimprensa.ibge.gov.br/pt/noticias?idnoticia=961&t=10-mais-ricos-gastam-dez-vezes-que-40-pobres&view=noticia
[9] http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/04/paises-que-reduziram-maioridade-penal-nao-diminuiram-violencia/
[10] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,no-tempo-dos-embargos-infringentes-imp-,1080041
[11] http://www.historia.uff.br/estadoepoder/7snep/docs/055.pdf
[12] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-03/reforma-politica-proposta-do-pmdb-tem-financiamento-privado-e-fim-da
[13] http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/21/internacional/1421808746_668476.html
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