Fátima Oliveira: O legado do movimento sufragista

Tempo de leitura: 2 min

Votar e ser votada são legados do movimento sufragista

por Fátima Oliveira, no jornal O Tempo

Há possibilidades palpáveis de elegermos em 2010 a primeira presidenta do Brasil, 78 anos após o direito ao voto feminino. Do lado de cá, das a pé do poder, nós, as eleitoras de senso crítico apurado quanto às perspectivas de gênero e feminista, sabemos que não basta ser mulher para ser caudatária dos nossos direitos: há de ter os predicados dos compromissos viscerais com as liberdades democráticas e a laicidade do Estado. Logo, sabemos exatamente a quem sufragar para que o Brasil possa continuar abrindo veredas da igualdade.

Enquanto escrevo não resisto e abro a minha bolsa, pego meu título eleitoral e não contenho as emoções… Mais uma vez, digo aos meus botões que não errei ao dedicar parte substancial de minha vida sensibilizando novas gerações de mulheres para a compreensão de que o título de eleitora é um documento que nos dá voz e voto para definir os destinos da nação e que ao lado do direito à educação, em uníssono, são nossos passes para a liberdade, nas esferas pública e privada. O contexto exige rememorar a história do voto feminino, que aqui foi um eco de campanhas sufragistas no mundo desde o século XVIII e a reivindicação também foi recebida com desdém e preconceito.

É paradigmática a correspondência entre Abigail Adams e John Quince Adams (1735-1826), líder da guerra da independência, segundo presidente dos Estados Unidos (1797-1801)], quando da elaboração da Declaração da Independência (1776), cujo primeiro ponto era: “Todos os homens foram criados iguais”. Abigail, certa de que a palavra homem não incluía as mulheres, alertou: “Espero que no novo Código de Leis vocês se lembrem das mulheres e sejam mais generosos que os seus antepassados (…); se não for dada especial atenção às mulheres, estamos resolvidas a nos rebelar e não nos consideraremos obrigadas a cumprir leis diante das quais não temos voz e nem representação”.

John, marido de Abigail, respondeu: “Quanto ao seu extraordinário Código de Leis, eu só posso rir. Nossa luta, na verdade, afrouxou os laços de autoridade em nosso país. Crianças e aprendizes desobedecem; escolas e universidades se rebelam; índios afrontam seus guardiães e negros se tornam insolentes com seus senhores. Mas a sua carta é a primeira intimação de outra tribo, mais numerosa e mais poderosa do que todos esses descontentes (…). Esteja certa, nós somos suficientemente lúcidos para não abrir mão do nosso sistema masculino”.

A carta de Abigail é tida como a semente do movimento sufragista dos EUA, onde as adeptas eram descritas como “divorciadas, sem filhos ou solteironas”. Eram comuns as agressões com frutas e ovos podres e insultos na imprensa. Um encontro sufragista em Nova York (1848) foi taxado de “a convenção das galinhas”. A partir da Convenção de Ohio (1851), a ideia do voto feminino ganhou o mundo e as norte-americanas o conquistaram em 1920.

A sufragista inglesa Emmeline (1858-1928) e sua filha Christabel Pankhurst (1880-1958) foram presas inúmeras vezes e consideradas terroristas. Em 4.6.1913, Emily Wilding Davison morreu ao se jogar, gritando “Voto para as mulheres”, na frente do cavalo Anmer, do rei George V. Na lápide de seu túmulo está escrito: “Ações, não palavras”. Porém as inglesas só em 1928 conquistaram o direito ao voto. E as brasileiras em 1932, após um século de pelejas dolorosas e memoráveis. Desde então temos voto, voz e agora, quem sabe, uma presidenta, a primeira, 78 anos depois. A mim basta que ela saiba honrar nossa história de lutas.

Publicado em: 28/09/2010

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Comentários

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Estela Mota

Dilma se elegerá no primeiro turno. E vamos que vamos

Eugenio 13 , OFS

Paz e bem!

Fátima:

Confundistes
John Quincy Adams (1767-1848)
com seu pai
John Adams (1735-1826)
ambos foram presidentes
dos EE.UU.A.
o que citas é do pai.

    Valter Cardoso Roma

    Sem dúvida que ela cita o pai, pois fala que foi líder da Guerra da Independência (de 1776) e segundo presidente dos Estados Unidos (1797-1801)] e marido de Abgail Adams. A confusão dos nomes é mesmo grande, até em vários sites, pois o pai é John Adams Jr. e o fiho realmente é John Quicy Adams. Mas é bom precisar.

Heitor Rodrigues

Podem contar com meu voto. Espero que o movimento se dissemine em 2012.

Márcia Lopes

show de artigo. É uma celebração da eleição de Dilma Roussef

Fábio Venâncio

O momento em que vivemos hoje é histórico.
Primeiro um presidente que saiu do meio do povo , um trabalhador , um migrante pau-de -arara ,que mudou a história do país e colocou o Brasil numa situação privilegiada no Mundo.
E agora muito provavelmente elegeremos a primeira mulher que irá governar o Brasil ,que certamente como uma mãe que sabe ser dura com os filhos quando preciso ,mas sem perder a doçura o amor e o carinho ,que sabe escolher oque é bom para os filhos e faz das tripas coração para que a família esteja bem.Uma mulher que as vezes é pai também ,como muitas nesse Brasil,que é dona de casa e trabalhadora assalariada ao mesmo tempo.
Ah sim , uma mulher ,só uma mulher para dar segmento ao momento que estamos vivendo nesse país e nos levar para um futuro prospero e promissor.
Voto Dilma para presidente do Brasil.

Valter Cardoso Roma

Um artigo que demarca e prenuncia um feito que ficará na história, a eleição de Dilma Roussef

Mabel

Relembrar a "Convenção das galinhas" foi demais da conta eheheheh. E as Pankhurst, mãe e filha, consideradas terroristas foi de lascar. Hoje, ao que parece, tudo como dantes. Belo texto. Tranquilo e certeiro. Voto na Dilma

Marina Gonçalves

Começando pelo fim: "A mim basta que ela saiba honrar nossa história de lutas." – EU TAMBÉM!

"Há possibilidades palpáveis de elegermos em 2010 a primeira presidenta do Brasil, 78 anos após o direito ao voto feminino. Do lado de cá, das a pé do poder, nós, as eleitoras de senso crítico apurado quanto às perspectivas de gênero e feminista, sabemos que não basta ser mulher para ser caudatária dos nossos direitos: há de ter os predicados dos compromissos viscerais com as liberdades democráticas e a laicidade do Estado. Logo, sabemos exatamente a quem sufragar para que o Brasil possa continuar abrindo veredas da igualdade."

Valeu, Fátima Oliveira!!!!

Juliana Paiva

Post valioso, Fátima!
Muito importante conferir historicidade ao momento que vivemos…sair do blablabla de "candidata artificial montada por Lula" e nos voltarmos para a grande inflexão que a vitória de Dilma representará a nós, mulheres…
Quem sabe após a vitória oficial um texto que fale do movimento sufragista brasileiro, RN como foco inicial da luta pelo voto feminino, etc.?
:)

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