O sábio conselho de Jorge Amado: “Não se meta na vida dos outros”
APESAR DO CONTEÚDO POLÍTICO, ESTRUTURA NARRATIVA SOBRESSAI
Fátima Oliveira, no Jornal OTEMPO
Médica – [email protected] @oliveirafatima_
Foi o que disse Jorge Amado a Zélia Gattai. Rememoremos as palavras dela, na entrevista “Não faça literatura, escreva com o coração”: “Eu estava escrevendo o romance [`Crônicas de uma Namorada´] e o Jorge de longe… espiando. Eu disse: estou escrevendo um romancinho. E ele, muito desconfiado. Eu fui ficando muito calada e ele perguntou: ‘você está com algum problema?’. Estou, estou mesmo, respondi. Você imagine que aquele personagem, o rapazinho, está avançando o sinal. Está passando a mão na menina (a prima), está fazendo coisas que não deve, e acho que vou cortar as asas dele, afirmei. Aí Jorge me disse: ‘não corte não. Não corte as asas dele de jeito nenhum’. Por quê? E Jorge interrogou: ‘e a menina?’. A menina… está adorando, está gostando, falei. E ele completou: ‘está gostando é, que ótimo. Então vou te dar um conselho, não se meta na vida dos outros’.” (7.8.2001).
Adolescente, conheci a literatura do centenário Jorge Amado (1912), antigo companheiro de travessia. Sou viciada em leitura. Primeiro li “Capitães de Areia” (1937) e fiquei impressionada com aquele bando de crianças, de 9 a 16 anos, vivendo num trapiche à beira do cais em Salvador, aplicando pequenos golpes e furtando, sob o comando de Pedro Bala, com uma cicatriz de navalhada no rosto… Caí de amores por Dora, uma das crianças “ladronas”, de apenas 13 anos, que se juntou ao bando e assumiu maternar a todos…
Antes de concluir o curso normal, ou seja, antes dos 18 anos, li a trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade” (“Ásperos Tempos”, “Agonia da Noite” e “A luz no Túnel”, 1954). Embora saiba que Jorge Amado, já no fim da vida, não gostasse da trilogia, por achá-la sectária, no que discordo, faço questão de frisar que Jorge Amado, ideologias à parte, é um contador de causos encantador, mesmo que tenha andado de “bracidade” (braços dados) com ACM e o tenha chamado de Mestre Antônio. Equívocos da vida… (Carta de Jorge Amado a ACM, 1999).
Há um posfácio de Daniel Aarão Reis que expressa o que penso da obra: “Os movimentos de resistência ganham destaque, como um foco de guerrilha camponesa que leva à revolta dos índios pataxós no sul da Bahia… E a jovem Mariana, integrante do partido, vive devotada à causa dos companheiros.
Apesar do forte conteúdo político, a estrutura narrativa sobressai, pois aproveita o formato de folhetim para descrever negociatas, paixões, adultérios, casamentos arranjados e perseguições policiais”.
“Terras do Sem Fim” (1943) me fez varar a noite lendo, e só dormi, no dia seguinte, quando li a última página, impregnada da luta pela terra e as lavouras de cacau de Saqueiro Grande. Preparando-me para o vestibular, dois livros de Jorge Amado eram “leitura obrigatória para vestibulandos”: “Tenda dos Milagres” (1969) e “Tereza Batista Cansada de Guerra” (1972), que li no maior frenesi. Gosto muito mais de “Tenda dos Milagres”, pois acho Pedro Archanjo, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, personagem sui generis…
Na universidade, de férias em Imperatriz (MA), descobri “a obra completa de Jorge Amado”, na casa do jornalista Jurivê de Macedo (1930-2010)! Li tudo! Tendo sido “Gabriela Cravo e Canela” (1958) a que mais fundo tocou em mim.
Aliás, as mulheres jorgeamadianas: Dora, Mariana, Gabriela, Dona Flor, Rosa de Oxalá, Dorotéia, Rosenda, Risoleta, Sabina dos Anjos, Dedé, a nórdica Kirsil, Tereza Batista e Tieta, todas donas de si, são especiais, e um dia talvez eu escreva um ensaio sobre elas e suas líricas picardias.
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Comentários
Edna Munhoz
Sugiro a leitura de “Representações do feminino”, de Ana Helena Cizotto Belline, sobre as mulheres jorgeamadianas – Antes que o feminismo da década de 1960 desse voz e visibilidade às mulheres
na vida social, política e cultural do Brasil, a ficção de Jorge Amado já apresentava personagens femininas que transgrediam e superavam códigos injustos.
Trata-se da passagem da mulher de objeto manipulado pelo homem a sujeito deseu próprio destino — amoroso ou profissional.
Lívia, de Mar morto, ilustra a importância conferida à mulher pelo autor jános primeiros romances.
http://www.jorgeamado.com.br/professores/03.pdf
Edna Munhoz
As Mulheres de Jorge Amado
Nada como comemorar os cem anos de Jorge Amado falando de sua obra, mas calma, não vai ter review, vamos indicar e lhe apresentar o maravilhoso (e desejado) BOX As Mulheres de Jorge Amado, lançado pela a editora Companhia das Letras que detém dos direitos das obras de Jorge.
Em comemoração, a Cia das Letras reeditou todas as obras do escritor e lançou em edições especiais. Veja algumas dos lançamentos feitos:
• Capitães da Areia (Edição de Bolsa);
• Gabriela, Cravo e Canela (Edição Econômica);
E a esperada caixa As Mulheres de Jorge Amado que traz quatro obras do escritor, são elas “Gabriela, Cravo e Canela”, “Tieta do Agreste”, “Tereza Batista Cansada de Guerra” e “Dona Flor e seus dois maridos”.
Pra completar esse clima de Jorge que tanto amamos, você pode conferir o Blog do Centenário comandado pela a editora Cia das Letras, lá é cheio de reportagens especiais. E também tem o site oficial do escritor que além de conteúdos especiais, traz uma linha do tempo com os lançamentos e relançamentos de cada um de seus livros.
Viva Jorge Amado! #JorgeAmado100anos
http://www.bgf5.com/2012/08/as-mulheres-de-jorge-amado.html
Renato Matos
O escritor Jorge Amado é uma figura que é patrimõnio nacional. O cidadão Jorger Amado é outro departamento, sobretudo no fim da vida, mas não virou um sacana. Vamos respeitá-lo
smilinguido
a obra de JA é a idealização romântica absurda de umas das realidades mais sórdidas e repulsivas do mundo…
Renato Matos
Como assim , meu amigo Smilinguido? Poderias discorrer sobre o que dizes?
Alice Matos
Fátima eu também acho as mulheres jorgeamadianas fabulosas, estão a merecer um ensaio de quem conhece a obra.
Marcelo de Matos
(parte 2) Fiquei decepcionado com Jorge Amado que, ao contrário de outro ídolo da minha juventude, Monteiro Lobato, acabou entrando para a Academia Brasileira de Letras. Jorge Amado rompeu com seu passado socialista e tornou-se, como você disse, amigo do ACM, do PIG, da ABL: um típico burguês. Vale a pena ler, contudo, o Jorge das duas fases, até para saber se houve evolução ou involução. Difícil, porém, imaginar que ele tenha conseguido superar a qualidade de Terras do Sem Fim e Capitães da Areia. Um detalhe curioso: no pórtico de seu primeiro livro, O País do Carnaval, Jorge anotou – “Diante da grandiosidade do cenário o brasileiro pensou que isto fosse circo e virou palhaço”. Naquele tempo, porém, todos nós sofríamos do complexo de vira-latas. Era comum nos referirmos ao país, ou a seus cidadãos, de forma pejorativa.
Marcelo de Matos
(parte 1) Eu também sou um dos que leram quase tudo de Jorge Amado. Naquele tempo os vendedores batiam à porta para vender coleções de livros encadernados. O livro era barato e podia ser adquirido em coleções por pessoas de classe média, para não dizer classe pobre. Em casa havia coleções de Jorge Amado, Monteiro Lobato, Shakespeare, Padre Vieira, dicionário Lello Universal (editado no Porto, Portugal). Não sei por que após o advento da editoração eletrônica e outros progressos técnicos, ao invés de baratear, o livro tornou-se tão caro. Aliás, até sei. Só pode ser por causa da formação de cartéis livreiros que entraram na onda do “lucro Brasil”. Resumindo, eu li todos os livros de Jorge Amado dessas coleções que iam, se não me engando, até Gabriela Cravo e Canela, passando por O Cavaleiro da Esperança (Luiz Carlos Prestes), ABC de Castro Alves e O País do Carnaval, Cacau e Suor. Depois vieram os livros da nova fase, a aburguesada, do escritor: Velhos Marinheiros foi o único que li.
José Ricardo Romero
O sub-título deste artigo é no mínimo curioso, do ponto de vista da sintaxe e da lógica: se houver conteúdo político não deve haver ou pelo menos se sobressair, estrutura narrativa? Como um romance, e ainda por cima do Jorge Amado, poderia não ter estrutura narrativa?
Alice Matos
Prezado Ricardo, a frase é de Daniel Aarão Reis: “Os movimentos de resistência ganham destaque, como um foco de guerrilha camponesa que leva à revolta dos índios pataxós no sul da Bahia… E a jovem Mariana, integrante do partido, vive devotada à causa dos companheiros.
Apesar do forte conteúdo político, a estrutura narrativa sobressai, pois aproveita o formato de folhetim para descrever negociatas, paixões, adultérios, casamentos arranjados e perseguições policiais”.
Daniel Aarão Reis disse o que disse e não como vc interpretou. Releia, por favor.
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