Hora da política estilo mandacaru, que não dá encosto e nem sombra
Fátima Oliveira, em O TEMPO
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Há um ditado popular nordestino que diz: “Mandacaru não dá encosto nem sombra”, já que no lugar de folhas possui espinhos, muito usado para tipificar alguém que não é solidário: “Fulano é igual a mandacaru”.
“Mandacaru” (Cereus jamacaru), palavra de origem tupi que significa “árvore ou fruta de espinheiro que se come”, é também chamado de “cacto candelabro”, “cardeiro”, “cardeiro-rajado”, “cardo”, “jamacaru”, “jumacuru”, “mandacaru-de-boi”, “mandacaru-de-feixo”, Pytaia arbóreae e “tuna”.
É um cacto nativo do Brasil em regiões onde o solo é arenoso ou de clima semiárido. De porte arbóreo, o mandacaru pode crescer até cinco metros; não dá folhas, apenas espinhos de até 20 centímetros; dá flores grandes, que abrem à noite e fecham com o sol, fonte de alimento para abelhas e pássaros; e produz um fruto comestível, tipo baga, de coloração avermelhada, polpa branca e gelatinosa com sementes pretas, de sabor quase doce.
Para a gente nordestina, o mandacaru é lendário e profético, pois, quando ele floresce, é um aviso, por pior que seja a seca, de que é tempo de plantar porque a chuva virá! É um cacto típico da caatinga – medra até entre rochas, caso exista um pouco de areia. Resiste às secas mais inóspitas e sobrevive a temperaturas superiores a 45°C, além de resistir até -7°C. É o símbolo do Nordeste.
Felipe Araújo destaca: “A identificação do mandacaru com o povo nordestino e sua cultura não está somente relacionada aos períodos de estiagem. Por apresentar características como durabilidade, adaptabilidade e beleza, é comumente identificado com o povo nordestino no folclore popular por sua resistência em áreas de difícil sobrevivência”.
“Xote das Meninas”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, eternizou o mandacaru: “Mandacaru, quando fulora na seca/ É sinal que a chuva chega no sertão/ Toda menina que enjoa da boneca/ É sinal que o amor já chegou no coração”. O cantor e compositor Chico César louvou a beleza ímpar do símbolo da resistência nordestina em “Flor do Mandacaru”: “Manda, caru/ Uma flor dessa do sertão/ Uma flor de cardo/ Pra alegrar meu coração/ … Manda, caru/ Flor de mandacaru pra mim/ Pelo correio ou de caminhão/ Num barco do São Francisco/ Peço que você se apresse/ Que a saudade é ruim/ Manda, caru/ Flor de mandacaru pra mim”.
A analogia da política com o mandacaru só explodiu em minha mente quando vi e ouvi o então ministro da Educação Cid Gomes na Câmara dos Deputados, no último dia 19, desnudando a sua alma e lavando o peito de milhões de brasileiros, que há muito contestam o súbito enriquecimento de muitos parlamentares, cujo único meio de vida é a política. Há algo errado e tenebroso por aí.
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Aquilo foi uma emboscada de mandacaru, mas, como nordestino experiente, Cid Gomes sabia que “só quem senta em pé de mandacaru é passarinho” e “acunhou”… Não resisti, tuitei: “Não tenho a menor simpatia pelo estilo dos irmãos Gomes (Ciro e Cid), mas tiro meu chapéu pra Cid Gomes hoje! #CidMeRepresenta”.
Cid Gomes não disse, mas decorre da sua contundente fala a compreensão de que, para que parlamentares, nos âmbitos municipais, estaduais e federal, introjetem o republicanismo no cotidiano de suas vidas, a política brasileira tem de adotar o estilo mandacaru: não dar encosto nem sombra.
Tarefa nada fácil, mas possível, como forma necessária para cercear a corrupção típica de achacadores: o “toma lá dá cá!” – um pedágio jagunço.
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