Emir Sader: No Brasil, a discriminação é étnica, social e regional

Tempo de leitura: 3 min

do Blog do Emir Sader

O processo de ascensão social de massas, inédito no Brasil, volta a promover formas de discriminação. A política – de sucesso comprovado – de cotas nas universidades, a eleição de um operário nordestino para Presidente da República – igualmente de sucesso inquestionável -, a ascensão ao consumo de bens essenciais que sempre lhes foram negados – fenômeno central no Brasil de hoje -, provocaram reações de discriminação que pareciam não existir entre nós.

A cruel brincadeira de repetir um mote das elites – “O Brasil não tem discriminação porque os negros conhecem o seu lugar” – mostra sua verdadeira cara quando essas mesmas elites sentem seus privilégios ameaçados. Setores que nunca se importavam com a desigualdade quando seus filhos tinham preparação sistemática para concorrer em melhores condições às vagas das universidades públicas, passaram a apelar para a igualdade na concorrência, quando os setores relegados secularmente no Brasil passaram a ter cotas para essas vagas.

Professores universitários – incrivelmente, em especial antropólogos, que deveriam ser os primeiros a lutar contra a discriminação racial -, músicos – significativa a presença de músicos baianos, que deveriam ser muito mais sensíveis que os outros à questão negra -, publicaram manifesto contra a política de cotas, em nome da igualdade diante da lei do liberalismo.

A vitória da Dilma, por sua vez, provocou a reação irada e ressentida de vozes, especialmente da elite paulistana, contra os nordestinos, por terem sido os setores do país que pela primeira vez são atendidos em seus direitos básicos. Reacendeu-se o espírito de 1932, aquele que orientou o separatismo paulista na reação contra a ascensão do Getúlio e de suas politicas de democratização econômica e social do Brasil. Um ranço racista, antinordestino, aflorou claramente, dirigidos ao Lula e aos nordestinos, que vivem e constroem o progresso de São Paulo, e aos que sobreviveram à pior miséria nacional no nordeste e hoje constroem uma região melhor para todos.

A discussão sobre o metrô em Higienópolis tem a vem com a apropriação privilegiada dos espaços urbanos pelos mais ricos que, quando podem, fecham ilegalmente ruas, se blindam em condomínios privados com guardas privados. A rejeição de pessoas do bairro – 3500 assinaturas – à estação do metrô expressava o que foi dito por alguns, sentido por todos eles, de impedir que seja facilitado o acesso ao bairro – a que mesmo seus empregados particulares tem que chegar tomando 2 ou 3 ônibus -, com a alegação que chegariam camelôs, drogas (como se o consumo fosse restrito a setores pobres), violência, etc.

Nos três tipos de fenômeno, elemento comum é a discriminação. Étnica, contra os negros, na politica de cotas; contra os nordestinos, nas eleições; na estação do metrô, contra os pobres.

Os três níveis estão entrelaçados historicamente. Fomos o último país a terminar com a escravidão, por termos passado de colônia à monarquia e não à república. Adiou-se o fim da escravidão para o fim do século. No meio do século XIX foi elaborada a Lei de Terras, que legalizou a propriedade – via grilagem, em que em papel forjado é colocado na gaveta e o cocô do grilo faz parecer antigo. Quando terminou finalmente a escravidão, todas as terras estavam ocupadas. Os novos cidadãos “livres” deixaram de ser escravos, mas não foram recompensados nem sequer com pedaços de terra. Os negros livres passaram a se somar automaticamente à legião de pobres no Brasil.

O modelo de desenvolvimento, por sua vez, concentrador de investimentos e de renda, privilegiou o setor centro sul do Brasil, abandonando o nordeste quando se esgotou o ciclo da cana de açúcar. Assim, nordestino, esquematicamente falando, era latifundiário ou era pobre. Esse mesmo modelo privilegiou o consumo de luxo e a exportação como seus mercados fundamentais, especialmente com a ditadura militar e o arrocho salarial.

A discriminação dos negros, dos nordestinos e dos pobres foi assim uma construção histórica no Brasil, vinculada às opções das elites dominantes – em geral brancas, ricas e do centro-sul do pais. A discriminação tem que ser combatida então nas suas três dimensões completamente interligadas: étnicas, regionais e sociais. O fato do voto dos mais pobres (que inclui automaticamente os negros) e dos nordestinos estar na base da eleição e reeleição do Lula e na eleição da Dilma, com os avanços sociais correspondentes, só acirram as reações das elites. Discriminações que tem que ser combatidas com politicas públicas, com mobilizações populares e também com a batalha no plano das idéias.

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Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.

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Comentários

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patricia

adorei

    patrícia

    muito bom o texto

Yarus

"Os frutos podres do exemplo de Bolsonaro

A falta de, sequer, uma avertência ao ato de racismo praticado pelo deputado Jair Bolsonaro – que, espertamente, desviou o foco para a questão da homofobia e ainda se projetou – está frutificando num sentimento cada vez maior de impunidade em relação à discriminação racial.

Mesmo com a denúncia do jornal O Dia de que uma empresa aceitava, pela internet, pedidos de empregadas domésticas especificando a cor da “cútis” para escolher as candidatas, o site, até o meio-dia de hoje, continuava a colocar esta opção de seleção.

É inacreditável que num país que inscreveu o racismo como crime inafiançável – sobretudo como advertência para que o preconceito não se transformasse em atos concretos de discriminação – isto esteja acontecendo.

Não faz muito escrevi aqui que o Brasil tem uma elite saudosa da escravidão.

E ainda prefere que os escravos sejam brancos.

Vou procurar meu companheiro e amigo Edson Santos oferecer meu apoio á iniciativa que ele anunciou de procurar a Polícia Federal para que ela tome providências contra a empresa responsável por isso. O que, aliás, não precisaria nem ser pedido." http://www.tijolaco.com/os-frutos-podres-do-exemp

A MANCHETE DO JORNAL O DIA ESTÁ LÁ PARA AS ZELITES VER.

laura

Eu me nego a chamar essa gente de "elite". São nossas oligarquias, pútridas e fétidas.

SILOÉ -RJ

Discriminação racial com essa miscigenação que temos, é pura burrice.
Discriminação regional é pensar muito pequeno.
Discriminação social é total inversão de valores.
Prefiro" ser" sempre, ao "ter" para sempre.

Orsola Ronzoni

Sim, a culpa de nossas mazelas são as elites. Mas, desde 2002 q. a elite burguesa foi substituída pela elite sindical. Hoje ela está presente em todos os 37 ministérios, preenche os 20 mil cargos de confiança, dirige todas as estatais: empresas, bancos, fundos de pensão etc., E a população? Continua convivendo com as enchentes derrubando suas casas, com doentes amontoados nos corredores dos hospitais, com os piores índices de violência do mundo, com uma educação calamitosa, com estradas assassinas, com transporte coletivo da pior qualidade, etc.
E para levar o progresso ao norte/nordeste desamparados a nova elite se aliou aos próceres dessas regiões: Sarney, Renan Calheiros, Collor de Mello, Jader Barbalho, Edson Lobão, Romero Jucá, Garibaldo Alves, Gim Argelo, etc;
Em outras palavras: mudaram-se as moscas, mas a merda continua a mesma. A nova elite chegou vestindo macacão, mas já o trocou por ternos de grife, onde o lencinho de bolso combina com a gravata, anda de Land Rover e compra apartamentos de R$ 6,6 milhões. Todas as suas festas são feitas nos restaurantes mais caros e badalados de SP, frequentados pela “elite predatória” quatrocentona.
Enquanto isso essa elite preconceituosa de SP já elegeu uma nordestina e um negro para dirigir a sua cidade.
Emir Sader, seu texto pretende “condenar” a discriminação étnica, política e econômica (você se esqueceu da linguística), mas não consegue camuflar a raiva incontida, a discriminação doentia que v. tem dos paulistas.

Armando do Prado

Noves fora, a questão de higie-nópolis tem tudo de elitismo e pouco de racial. Trata-se, sim, da elite, a mesma que tentou se separar em 1932 e que fez 1964 contra os humildes e humilhados. São os que sustentam os tucanalhas há 20 anos no poder de SP destruindo tudo que tem a ver com ordem pública, como educação, saúde e segurança.

Yarus

Ajudem a divulgar este lindo vídeo que a PIGmãe insiste em esconder:

Exclusivo: Vídeo ‘proibido’ da Globo sobre Lula. [youtube wbSo83KbOzc&feature=player_embedded http://www.youtube.com/watch?v=wbSo83KbOzc&feature=player_embedded youtube]

    Ramalho

    Caro Yarus,

    Ótimo vídeo: fiel aos fatos, abrangente, engraçado, emocionante. Lula é realmente O cara. Obrigadíssimo, Yarus, por postá-lo.

    (a quem não viu o vídeo, recomendo fazê-lo)

Ramalho

Menos, menos, caro Emir Sader, com o seu "No Brasil, a discriminação é étnica, social e regional". Em São Paulo, capital, sim. Estaria melhor dito se restringisse-se a Sampa. Seu texto, aliás, não sustenta a generalização do mal paulistano para o Brasil inteiro que o título declara.

(vejamos se, desta vez, o moderador aquiesce em publicar meu despretensioso comentário)

    Elton

    Discordo, meu caro Ramalho…….nasci e vivo no SUL do Brasil e nunca morei em São Paulo. NÃO SOMOS paulistas ou paulistanos mas muitos de nós temos um preconceito ENORME contra nordestinos, pobres, negros, etc. Não é só em Sampa não!!!!! Vai mais longe………

Carlos J. R. Araújo

Pois é. A exclusão é a pedra de toque das elites sociais, raciais e econômicas, com especial ênfase no lugar/sede do capital. E quando a exclusão se evidencia numa simples instalação de um estação de metrô, esta tripla discriminação é objeto de diversionismo com a questão das piadas do Gentili.

Klaus

Eu achei estranho que o pessoal "diferenciado" não compareceu ao churrasquinho de gato. Pela fotos me pareceu que só o pessoal classe média de esquerda compareceu, para poder tirar uma casquinha com a classe média demo-tucano. Briguinha de turma…É aquele pessoal de classe média que morre de culpa de estar bem, enquanto tantos são pobres, seja aqui ou na Etiópia, que ainda lutam para sobreviver. São os solidários. Por que, me corrijam se eu estiver enganado, o pessoal "diferenciado " que a suposta moradora não quer no bairro seriam os pobres e os um pouco mais escuros que ela, não? Pois bem, estes não aparecem nas fotos. Eliane Cantanhede acharia o pessoal que foi no churraquinho bem cheirosinhos, né? Fico pensando aqui com meus botões o que o pessoal diferenciado acharia se fosse ao churrasco, com todos aqueles estereótipos de pobre que se vê nas fotos: diarista, tubaína, churrasquinho. Mas é claro que foi com ironia, eu sei. Pega-se a agressão da direita e por meio de um análise pós-moderna ela vira a ironia de esquerda.Repito: como dizia o pai de um famoso jornalista, este povo quer fazer a revolução sem povo.

marcio w

Quanto aos músicos e artistas baianos…quais são os maiores expoentes, populares ou elitizados? Qual a sua cor? Artista baiano é branco!

Ramalho

Menos, menos, caro Emir Sader, com o seu "No Brasil, a discriminação é étnica, social e regional". Em São Paulo, capital, sim. Estaria melhor dito assim. Seu texto, aliás, não sustenta a generalização do mal paulistano para o Brasil inteiro que o título declara.

Convém não esquecer que Serra e a discriminação paulista alimentaram-se mutuamente na útima campanha. Don't forget Serra!

EUNAOSABIA

Meu senhor vá se tratar, sua patologia é curável, procure um médico.

Eder

Discriminação regional: taí o Ed Motta que não deixa o Emir Sader mentir:
http://musica.terra.com.br/noticias/0,,OI5128300-…

FrancoAtirador

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MANUAL HIGIENISTA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO PRECONCEITO

1) Com quem se pode ser preconceituoso, de qualquer forma:

Com deficientes físicos pode.

Com doentes mentais pode.

Com nordestinos pode.

Com homossexuais pode.

Com negros e mulatos pode.

Com prostitutas pode.

Com comunistas pode.

Com muçulmanos pode.

Com umbandistas pode.

Com índios pode.

Com usuários de drogas pode.

Com mendigos pode.

Com o Lula pode.

2) Com quem não se pode ser preconceituoso, em nenhuma hipótese:

Com norte-americanos não pode.

Com judeus não pode.

Com latifundiários não pode.

Com banqueiros não pode.

Com donos de jornais não pode.

Com celebridades da TV não pode.

Com o FHC, Deus o livre, nem um pio pode.
.
.
"HIGIENÓPOLIS"

NÃO PODERIA SER MAIS SIMBÓLICO E REPRESENTATIVO O NOME DESSE BAIRRO PAULISTANO,

ONDE RESIDE PARTE DA ELITE POLÍTICO-ECONÔMICA HIGIENISTA PAULISTA E, PORTANTO, "BRAZILEIRA".
.
.

    Christiano Almeida

    Usando um termo futebolístico, foi na medalhinha! Franco, o atirador"

    FrancoAtirador

    .
    .
    Antigamente se dizia: "Acertou na tampa!".

    Um abraço libertário.
    .
    .

    carlos

    Vamos complementar este "MANUAL HIGIENISTA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO PRECONCEITO". está muito bom.

Luana

Concordo plenamente com ele. Azenha/Conceição, vcs conhecem o texto abaixo?
http://lasa.international.pitt.edu/members/congre

    Conceição Lemes

    Não, Luana. Vou ler. Depois conversamos. bjs

Luci

A abolição da "escravização" não integrou o ex escravizado, não reconheceu sua cidadania, não garantiu-lhe justiça e meios para seu progresso e desenvolvimento humano.O negro que trabalhou 380 anos na terra gerando e produzindo riquezas, ficou sem a terra para sobreviver e manter sua família como bem demonstra o texto de Emir Sader.A terra/propriedade que garantiu poder, prestígio social, riqueza e domínio político para alguns. O Domingo Espetacular apresentou "parte" da história do que representou a "escravização de seres humanos no Brasil" está disponível em vídeo no site da TV Record, em 15 de maio "Domingo Espetacular vai até a África saber mais sobre a história da escravidão".Negros, pobres e nordestinos estão pagando uma conta altíssima enfrentando "discriminações" (que são descritas diariamente no site Afropress) pela vitória do ex Presidente Lula e da Presidenta Dilma, com bem analisou Emir Sader.

Armando do Prado

É a elite de SP, que é predadora, arrogante, separatista e, principalmente, burra.

    Klaus

    E, principalmente e mais grave, não vota no PT. Assim que passar a votar esta raiva passa. É apenas a exarcebação do cacoete esquerdista de demonizar os inimigos, isto quando não impede sua existência, como é historicamente comprovado.

    EUNAOSABIA

    Outro coitado que precisa de um psiquiatra.

    Elton

    Você é o típico troll de ocasião. aparece com nicks diferentes a cada semana ou quinzena.

    Marcia Costa

    Só não pode ser o mesmo psiquiatra paulista da Débora Guerner, viu!? (Perdoem-me a brincadeira os psiquiatras paulistas, sei que há muitos profissionais sérios nesse estado…)

    Aline C. Pavia

    SP é o único estado do mundo que tem um feriado para comemorar uma derrota num levante separatista. Quem será que necessita de psiquiatra?

Luci

Maravilhoso.É a justiça moral sendo resgatada. Após eleição do Presidente Lula o racismo acentuou-se contra os que secularmente e históricamente foram colocados à margem do progresso, e que deram-lhe vitória e também a Dilma. O que a elite "construtora" dos ideais de branqueamento, aparteamento, discriminações, exclusões, opressões, encarceramento, torturas, concentração de terras e de renda, não previram foi a globalização que expôs ao mundo que em nosso país persiste uma das maiores desigualdades sociais e racial do planeta.Milhões de pessoas submetida à miséria, ao não reconhecimento de sua dignidade humana, num regime ditatorial.Dununcias de movimentos socias há décadas apontam que a abolição do trabalho sob regime de escravização (basta ver o blog Repórter Brasil) democracia racial são farsas "construídas" para continuar a "ciranda de lucro sob exploração", desrespeito à cidadania e para ocultar a verdadeira história do Brasil.

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