Em apoio a Patrícia, artistas, lideranças dos movimentos negro e indígena e ativistas participam de vídeo: Devolvam Sama para a sua mãe!
Tempo de leitura: 5 min
Por Conceição Lemes
Alguns dirão ser mera coincidência.
Outros que é coisa do destino, estava escrito.
Há ainda quem creditará a uma inusitada conspiração dos deuses no espaço sideral.
De algum ponto da Via Láctea, eles, de olho aqui na Terra, resolveram mexer os pauzinhos para que três caminhos antes nunca cruzados – os de Patrícia Garcia, Coletivo Mulheristas e da advogada Tânia Mandarino — se encontrassem.
Por um bem maior. Felizmente.
Patrícia é indígena, paraguaia, vegana e mãe do bebê Sama, hoje com 16 meses.
Por decisão da Justiça de Foz do Iguaçu (PR), ele foi arrancado abruptamente dos braços de sua mãe e entregue ao pai, que a abandonara na gestão.
Disseram ao Judiciário que Sama sofria maus tratos e estava em risco com sua mãe.
Embora Patrícia tivesse laudos e testemunhas provando o contrário, a Justiça de Foz do Iguaçu em nenhum momento a ouviu antes de tomar essa medida unilateral, radical.
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Em 13 de agosto de 2020, determinou que naquele mesmo dia Sama fosse retirado da guarda de sua mãe e ficasse com o pai.
Crueldade que já dura mais de 90 dias.
O caso acabou chegando ao conhecimento do Coletivo Mulheristas, que decidiu socorrer Patrícia, amparando-a com uma verdadeira rede proteção.
Além de, por meio de vaquinhas, contribuir integralmente com suas despesas, lhe arrumou assessoria jurídica e psicológica.
‘’O Coletivo Mulheristas me contatou, explicou toda a situação e insistiu para que eu entrasse no caso’’, conta Tânia Mandarino, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD).
Ao se debruçar sobre o processo, ela se lembrou na hora do 4º mandamento (são dez) do advogado, do renomado jurista uruguaio Eduardo Juan Couture: “Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.
Em 17 de setembro, Tânia decidiu aceitar a defesa de Patrícia.
Em 21 de setembro, ela conseguiu liminar no mandado de segurança impetrado no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Por essa decisão, Patrícia obteve o direito de amamentar seu filho três horas por dia, todos os dias.
Patrícia ficou sem qualquer contato com Sama até 27 de setembro.
Àquela altura, devido à decisão judicial anterior, não se viam havia 39 dias.
Nesse período, Patrícia, diariamente, tirava leite dos seios e levava ao filho, deixando-o na porta da casa do pai.
“Enquanto o pai tinha advogado constituído nos autos da medida de proteção desde 17 de julho, Patrícia somente tomou conhecimento da existência do processo em 13 de agosto, quando lhe retiraram abruptamente a criança’’, observa Tânia.
“O fato de terem entregado o filho ao pai, mesmo com histórico de abandono gestacional e agressões à mãe, faz parte da invisibilização da mulher paraguaia, de ancestralidade guarani diante do homem branco, advogado e professor universitário”, expõe.
“Lamentavelmente, esse caso aponta para uma grave falha no sistema de Justiça”, acrescenta a advogada Tânia Mandarino
TODAS E TODOS NÓS SOMOS PATRÍCIA E SAMA
Há duas semanas, por iniciativa do Coletivo Mulheristas, Foz de Iguaçu amanheceu com vários outdoors, como este abaixo.
E, agora, como parte da campanha por Patrícia e Sama, o Coletivo Mulheristas está lançando o vídeo abaixo do qual participam 68 pessoas, entre as quais, artistas, lideranças dos movimentos negro e indígena e ativistas em defesa dos direitos humanos:
Xuxa
Glória Pires
Sonia Guajajara
Zezé Motta
Gaby Amarantos
Iza
Juliana Alves
Cláudia Raia
Cleo Pires
Leila Borari
Deborah Secco
Camila Pitanga
Cacau Protásio
Katu Mirim
Kathiely Santos
Lucy Ramos
Djuena
Adriana Arcebispo
Indira Nascimento
Luisa Mell
Eunice Baia
Aline Borges
Graciela Guarani
Janamo
Bela Gil
Giselle Itiê
Emicida
Tânia Mandarino
Rocco Pitanga
Raphael Logam
Karen Julia
Junno Andrade
Shirley Cruz
Titi Müller
Luiz Miranda
Val Manduruku
Fernanda Souza
Adelina Borari
Di Couto
Eva Pereira
Sergio Loroza
Verônica Rodrigues
Cinnara Leal
Emilio Dantas
Beatriz Tuxa
Reinaldo Gianechini
Vanderleia Kuña
Samara Felippo
Larissa Borari
Dandara Pagu
Barbara Borges
Natália
Flávia dos Prazeres
Josimar Silveira
Paula Burlamaqui
Gabriel Leone
Fabi Kiriri
Tukumã Pataxó
Seu Jorge
Adriana Moreira
João Vicente de Castro
Jaqueline Aranduá
Rafael Zulu
Fabiula Nascimento
Luirara Borari
Sonia Abike
Sueli Carneiro
Cacique Maria Violeta Achurê Karajá
“CANSAMOS DE GRITAR E NINGUÉM NOS OUVIR. AGORA VÃO OUVIR!”
Verônica Rodrigues é mãe, artista e ativista.
No depoimento abaixo, ela fala das motivações da campanha por Patrícia e Sama e das próximas ações do Mulheristas, entre quais o vídeo Maternidade Roubada:
“Essa campanha só foi possível porque mulheres se uniram para acolher a dor de uma irmã, a dor de Patrícia.
Mas essa é uma dor antiga, não é só Patrícia e Sama, somos muitas que tivemos nossas maternidades roubadas.
Eu também passei por isso, minha irmã passou por isso, falo em nome de todas as mulheristas.
Somos um coletivo de amor e de acolhimento.
Estamos espalhadas pelo mundo e usamos um codinome que significa: nunca me apartarei de ti. Enquanto sua dor sangrar, eu lá estarei, ao seu lado, para segurar sua mão e lutar contigo.
Essa campanha nasceu dessa força!
É apenas o começo. Temos uma série de ações previstas e um documentário, a caminho, chamado Maternidade Roubada, que vai revelar outras histórias que precisam vir a público.
É urgente mobilizar um debate público nacional sobre essa justiça que, sistematicamente, tem violado direitos fundamentais de mães, crianças e adolescentes.
A violência que Mari Ferrer passou naquele julgamento, que horrorizou o Brasil na semana passada, é sistemática.
Mães também passam por aquilo, diariamente, em processos de guarda, têm suas vidas e suas condutas escrutinadas pelo olhar vil de uma justiça carregada de machismo, preconceito e misoginia.
Um olhar que macula a imagem da justiça e de tantos profissionais sérios do direito desse país.
E o mais grave: crianças tiveram suas mães roubadas, temos casos de crianças que estão 4, 5, 6 meses sem ver suas mães, sem entender o que está acontecendo.
Um agradecimento especial a Patrícia e sua coragem, todas as Mães Fênix, ao gigante coletivo que cocriamos em apoio à dor de Pati e Sama, ao Coletivo Mulheristas, a todas e todos que participaram desse vídeo e a Giselle Itiê, que aceitou o convite para fazer essa campanha com a gente, nos abrindo a porta para acessar aqueles que são ouvidos.
Cansamos de gritar e ninguém ouvir. Agora vão ouvir!”
Em tempo.
Todo bebê tem o direito de ser amamentado pela mãe.
É um direito mais que natural.
É fundamental para o seu adequado desenvolvimento físico e emocional.
Só que o direito de Sama ser amamentado na hora em que quiser continua sendo violado pela Justiça de Foz de Iguaçu.
Com um agravante no caso de Sama.
Ele tem tem hidrocefalia benigna. E o aleitamento materno é uma das recomendações médicas para auxiliar na drenagem do líquido que se aloja na cavidade cerebral.
Portanto, a Justiça, que deveria zelar pelo bem-estar físico e emocional de Sama, está-lhe causando mal.
O Coletivo Mulheristas mantém-se vigilante para que a Patrícia não sucumba ao braço terrível do Estado opressor, que pesa sobre ela.
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