Eduardo Febbro: Renúncia expõe guerra direitista nos bastidores do Vaticano
Tempo de leitura: 5 minInternacional| 14/02/2013 | Copyleft
A história secreta da renúncia de Bento XVI
Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção. A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
por Eduardo Febbro, na Carta Maior
Paris – Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu renunciar em março passado, depois de regressar de sua viagem ao México e a Cuba. Naquele momento, o papa, que encarna o que o diretor da École Pratique des Hautes Études de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama “uma continuidade pesada” de seu predecessor, João Paulo II, descobriu em um informe elaborado por um grupo de cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.
O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios a frente das instituições religiosas.
Muito longe do céu e muito perto dos pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o Vaticano foi um dos Estados mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o mérito de expor o imenso buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de modernizar a igreja ou as práticas vaticanas.
Bento XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo II: “desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos importantes que redigiu: a condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986; o Evangelium vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da vida; o Splendor veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla”. Esses dois textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão reacionária da igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do mundo moderno.
O Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem em sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que simboliza a lealdade o lema diz “dar testemunho da verdade”. Mas a verdade, no Vaticano, não é uma moeda corrente.
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Depois do escândalo provocado pelo vazamento da correspondência secreta do papa e das obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado. Buscou mudar sua imagem com métodos modernos. Para isso contratou o jornalista estadunidense Greg Burke, membro da Opus Dei e ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox.
Burke tinha por missão melhorar a deteriorada imagem da igreja. “Minha ideia é trazer luz”, disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da igreja católica. A divulgação dos documentos secretos do Vaticano orquestrada pelo mordomo do papa, Paolo Gabriele, e muitas outras mãos invisíveis, foi uma operação sabiamente montada cujos detalhes seguem sendo misteriosos: operação contra o poderoso secretário de Estado, Tarcisio Bertone, conspiração para empurrar Bento XVI à renúncia e colocar em seu lugar um italiano na tentativa de frear a luta interna em curso e a avalanche de segredos, os vatileaks fizeram afundar a tarefa de limpeza confiada a Greg Burke.
Um inferno de paredes pintadas com anjos não é fácil de redesenhar. Bento XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais que, uma vez tornada pública sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa.
Não é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em suprimir as sanções canônicas adotadas contra os partidários fascistóides e ultrarreacionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as ditaduras de ultradireita do mundo.
Bento XVI não foi o sumo pontífice da luz que seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier assinala a respeito que o papa “se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob seu reinado”. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira.
O Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram no último ano têm a ver com as finanças, as contas maquiadas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise atual.
Em setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o posto de presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano.
Próximo à Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992, Gotti Tedeschi participou da preparação da encíclica social e econômica Caritas in veritate, publicada pelo papa Bento XVI em julho passado.
A encíclica exige mais justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. Tedeschi teve como objetivo ordenar as turvas águas das finanças do Vaticano. As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norteamericano Paul Marcinkus, o chamado “banqueiro de Deus”, presidente do IOR e máximo responsável pelos investimentos do Vaticano na época. João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia.
Não é de se estranhar, pois devia muito a ele. Nos anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro “não contabilizado” do IOR para as contas do sindicato polonês Solidariedade, algo que Karol Wojtyla não esqueceu jamais. Marcinkus terminou seus dias jogando golfe em Phoenix, em meio a um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres.
No dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano. Seu aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçônica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus.
Ettore Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos a frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas “irregularidades” em sua gestão. Tedeschi saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no momento em que o Vaticano estava sendo investigado por suposta violação das normas contra a lavagem de dinheiro. Na verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções no Vaticano.
Quando assumiu seu posto, Tedeschi começou a elaborar um informe secreto onde registrou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado”. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas. Aí começou o infortúnio de Tedeschi.
Quem conhece bem o Vaticano diz que o banqueiro amigo do papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do banco com o respaldo do secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento do banco.
Sua destituição veio acompanhada pela difusão de um “documento” que o vinculava ao vazamento de documentos roubados do papa. Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa.
Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção. A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo suicida, proteção de privilegiados, circuitos de poder que se autoalimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo pontual e decadente da própria decadência do sistema.
Tradução: Katarina Peixoto
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Comentários
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Natanael
É impressionante como existem pessoas ignorantes na fé. Pessoas que nunca tiveram experiências verdadeiras com Cristo. Cada um tem o direito de seguir ou acreditar num religião, mas não tem o direito de blasfemar contra Deus. Se não tem fé e nunca teve experiência com Deus, eu só lamento, mas digo que ainda é tempo. Digo também que devemos respeitar as crenças e religiões alheias e não postar aquilo que não tem certeza, e que não tem condiz com a verdade, ou que ouviu fulano falar, ou que o Edir Macedo falou, ou a globo com seu sensacionalismo. O inimigo não dá trégua… ele não se cansa, e usa pessoas que infelizmente não conhecem a Deus para enganar, e desviar outras pobres de espírito. Mas eu não temo, pois não acredito naquilo que os homens diz, pois muitos são filhos do demônio e trabalham para ele nesse mundo tenebroso. Eu acredito naquilo que Deus diz: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; Mt 16:18” Viva a Igreja de Cristo… a Igreja Católica Apostólica Romana, a igreja que sirvo e sempre servirei até meu último suspiro.
Jose Roberto
Impressionante. Todo mundo aqui pensa igual.
Roberto Locatelli
Religiões são ambientes propícios a todo tipo de podridão. A religião católica é campeã absoluta nesse quesito.
Por isso não tenho religião. Entre eu e Deus não quero intermediários (padres, pastores, rabinos, pais de santo). Entre eu e Deus, a conversa é olho no olho, de homem para Mulher.
Marcelo de Matos
Não entendi bem a sua religiosidade.
R Godinho
De 117 cardeais aptos a votar, Ratzinger nomeou 67. Teoricamente, tem 57% dos votos do concílio. Como cardeal com mais de 80 anos, pode participar das sessões do conclave, opinando sem votar (não juro de pés juntos, mas essa regra vale para os demais cardeais na mesma situação, imagino que para ele também).
Para mim, está bem claro: Ratzinger sabe que não teria forças físicas para enfrentar a guerra intestina que está ocorrendo no Vaticano. Sabe também que, se ficasse numa situação semelhante à de Wojtyla, quase caduco e fisicamente quase incapacitado, abriria as portas aos seus inimigos políticos, muito bem posicionados na Cúria. Melhor renunciar, e campear durante este mês e meio que vai até o final do Conclave, para fazer um sucessor de sua confiança e de seu grupo.
Como adoro desfechos imprevistos, torço para que o impasse e a imundície que por certo será lançada frente aos chapéus púrpuras acabe por levá-los a uma escolha totalmente imprevista, alguém que leve a ICAR de volta aos trilhos do Vaticano II.
Willian
Lembra de quantos ministros do Supremo Lula e Dilma nomearam? Lembra no que deu?
Marcelo de Matos
Quem disse que a guerra fria acabou? Jornalistas e escritores que sentam o pau no comunismo ainda podem arrecadar uma boa grana. Acabo de ler Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Aliás, quase acabei de ler porque, no final, embrulhou-me o estômago. O Departamento de Estado, nos States, continua a financiar escritores anticomunistas. Não sei se é porque eles dizem que o comunismo acabou, mas, não têm absoluta certeza sobre o que estão dizendo, ou é pela ausência de inércia dessas ações, que uma vez iniciadas não há como deter. Digo isso porque Yoani Sánchez já está no Brasil e também visitará Alemanha, Espanha, Holanda, Itália, México, Peru, República Tcheca, Suécia e Suíça. Viagens à Argentina e ao Chile estão sendo negociadas. Quem financia tudo isso? E por quê?
augusto2
Que este ambrosiano seja aberto e exposto ao sol. Mas que o noticiario nao sirva de “alibi” para o gangsterismo criminoso dos grandes bancos privados europeus. Que, diga-se é muito maior, fraudulento e maléfico a sobrevivencia do europeu comum, do polo até o mediterrâneo.
Francisco
Afim de obter a maioria politica que fulminou o socialismo, via “socialismo real” e via Teologia da Libertação, o Vaticano precisou confraternizar com toda a podridão possível.
Bispos pedófilos, financiamento ilegal de movimentos anti-comunistas e, provavelmente, parcerias escusas com a CIA. Valeu tudo. Nunca foi prioridade da Igreja essa conversa de “viver como pobres de Cristo”, quando essa agenda (para eles irritante) compete com a do anti-comunismo, o inferno abre as portas.
Comunidade eclesial de base, PT, Boff: joga tudo no lixo para detonar a Polônia socialista e o “socialismo real”. A prioridade em combater aborto não é extemporânea e eleitoral: é visceral. O pior fascista é melhor do que qualquer um que crie o constrangimento de comparações embaraçosas para os principes de Cristo: o trono de ouro de um Papa jamais virará Bolsa Familia…
Pio XII rezava missas pela saúde e sucesso de Hitler na segunda guerra: valia tudo para conter o comunismo! Woytila e Ratzinger são da mesma mentalidade. Essa mentalidade, infelizmente, é parte do DNA das religiões oriundas de Abrão. Paradoxalmente, judaismo e o islamismo são as mais capazes de viver com o oposto e tolerar. O judaismo, porque não tem missão de “evangelizar”, o islamismo porque compreende as outras religiões de Abrão como “co-irmãs”.
Se essas duas são as mais capazes de tolerar, imagina o que se pode esperar de Católicos e Protestantes. Ainda bem que (graças aos Deuses!), aqui no Brasil e América Latina essas religiosidades foram devidamente “civilizadas” pelas tradições afro e indigenas. Ainda bem que, através delas, ficamos mais maleaveis e ambivalentes que os europeus e estadunidenses.
Xô, Tea Party!
Catolicismo e protestantismo são caldeirões de intolerância reprimidos, no ocidente, pela vitória do Iluminismo sobre o obscurantismo no século XVIII. Contudo, sempre que a razão vacila, elas se perfilam, prontas a deixar de lado qualquer dos direitos humanos de lado. Coerentes: os direitos humanos não estão na Biblia, mas na Revolução Francesa…
O combate ao ateismo socialista teve um preço, portanto. Pedofilia, contabilidade “criativa”, ação politica anti-democrática. Espero que, dessa vez, o preço tenha sido alto demais.
Apavorado por Vírus e Bactérias
O que o William Bonner Simpsons vai dize no Jornal Católico Nacional Ultradireita?
Apavorado por Vírus e Bactérias
Que ato cabeludo cometeu o papa para renunciar?
A igreja católica sempre esteve à frente das imundícies. Sempre foi ou esteve junto ao poder, que faz qualquer coisa, qualquer coisa mesmo para se perpetuar. Foi a ferrenha senhora feudal, foi a caçadora de quem discordasse de seus direcionamentos para o homem e para o mundo, queimando os dissidentes, fez a guerra santa, como se Deus pedisse guerra, sangue e morte para se sobrepor aos inimigos que não se alinhassem e não se subjugassem à santa igreja. E sempre foi a acumuladora de capital, usando a bíblia, seus dogmas e seu poder regulador social, para, ao lado deste ou aquele obscuro, obter mais poder e dinheiro. Não foi nada disso que fez o papa renunciar. Ele e todos que ali convivem, vivem mergulhados nesse lamaçal. E ali nadam muito bem, com grande desenvoltura. O papa não teve nenhuma crise ética ou moral e sabe se sair bem dos rolos mundanos que fabrica. Algo de cabeludo e pessoal, na guerra entre as facções do Vaticano, eclodiu sobre o papa, que o faz renunciar. O que será? E será que fará desmoronar a combalida e santa igreja? Difícil, pois como o poder, ela se perpetua, bem mais fraca.
Urbano
Em outras palavras… escaterina pura.
anac
Não obstante a intelectualidade reconhecida, Ratzinger não aprendeu a lição mais simples de Jesus: não se pode servir a dois senhores…
Ninguém vende a alma ao diabo impunemente como fez Ratzinger nos 31 anos de poder a frente do Vaticano, a maior parte assessorando João Paulo II.
Luís Carlos
O Vaticano tem história muito suja e obscura. Aliás transparência não é coisa que o Vaticano admire e respeite. A morte domPapa João Paulo serve de grande exemplo. O obscurantismo sempre fez parte da história dessa instituição que contribui fortemente para a exploração das poulações pobres e sofridas pelos mercados. O Vaticano traiu o povo de Deus, desde muito, pois fez opção pelos ricos, exploradores e assassinos, fazendo vistas grossas mesmo aos assassinatos de religiosos católicos com vários exemplos, principalmente na América Latina, onde seu parceiro prioritário, os EUA assassinaram centenas de religiosos que defendiam as populações pobres, excluídas econômica, social e politicamente em nome da ganância. O Vaticano, há muito, adora outro deus, o deus mercado. Jesus não significa nada para o Vaticano de Ratzinger e Cia.
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