por Dorrit Harazim, reproduzido de O Globo, via Observatório da Imprensa
Eram 3h24m da tarde de 7 de maio de 1945 quando o escritório da agência de notícias Associated Press (AP) em Londres recebeu o telefonema que acabou com a guerra antes do combinado. A ligação chegara através de um canal militar não sujeito à censura e tinha o chefe do escritório de Paris da AP no outro lado da linha. “Aqui é Ed Kennedy. A Alemanha capitulou incondicionalmente. Repito, capitulou incondicionalmente. É oficial. Coloque Reims, França, como procedência e solte a notícia, já.” Não discutiu sua decisão com nenhum chefe. O texto tinha perto de 300 palavras. “Agora é esperar para ver o que acontece”, comentou, após desligar.
Dois minutos mais tarde, Londres transmitia a bomba para a central em Nova York, que ainda segurou a notícia por oito minutos antes de colocá-la no ar. Instantaneamente, rádios por toda a América interromperam suas programações para dar a grande nova, edições extras de jornais inundaram as ruas e o furo tinha tudo para ser o momento de maior triunfo profissional e pessoal de Edward Kennedy, já consagrado como um dos grandes nomes de sua geração.
Desculpas póstumas
Os fatos seguiram outro roteiro. Passadas menos de 24 horas, Kennedy foi suspenso por tempo indeterminado e seria demitido mais tarde, sem alarde. No mesmo dia, o presidente do Conselho da AP divulgava um comunicado lamentando “profundamente” o monumental furo obtido pelo jornalista.
Perto de 50 correspondentes de guerra do front europeu recomendaram a revogação de sua credencial. Kennedy acabou expulso da França pelo Comando Supremo das Forças Aliadas e teve de retornar aos Estados Unidos. “Faria tudo de novo”, declarou apenas, ao desembarcar. Conseguiu emprego como redator-chefe num pequeno jornal da Califórnia, o Santa Barbara News-Press, fez uma tentativa como publisher do Monterrey Peninsula Herald e morreu num acidente de automóvel aos 58 anos de idade. Seu pecado capital foi ter desafiado a censura e atropelado um embargo de notícia.
Passaram-se 67 anos desde então. Somente agora, três semanas atrás, a Associated Press admitiu oficialmente que Edward Kennedy fizera o certo. “Foi um dia negro para a Associated Press, que administrou o fato da pior maneira possível”, desculpou-se em nome da empresa Tom Curley, atual diretor-executivo da agência noticiosa e coautor do prefácio do livro de onde foram tiradas as informações para este artigo. O pedido póstumo de desculpas veio junto com a chegada às livrarias do livro de memórias do jornalista – Ed Kennedy’s War: V-E Day, Censorship and the Associated Press, disponível na Amazon.
Acordo para bloquear a notícia
Recomenda-se a leitura a todo jornalista, uma vez que o dilema que se apresentou para Kennedy, além de universal, é atualíssimo. “Se você dá a alguém uma caneta e a autoridade de um censor, estranhas coisas acontecem”, costumava dizer Kennedy, que seguiu à risca a demarcatória definida por Franklin D. Roosevelt: a censura só é justificada se estiver a serviço da proteção das forças aliadas em combate. Na noite da rendição, Kennedy integrava o grupo de 17 correspondentes de guerra reunidos às pressas pelo comando aliado para testemunhar o momento. Todos tiveram de assinar um termo de sigilo a bordo do avião militar que os levou de Paris para Reims, no nordeste da França, onde o general Dwight Eisenhower havia instalado seu QG avançado. Só divulgariam o que veriam quando autorizados pelo comando aliado.
Em princípio, o embargo acordado duraria apenas algumas horas, mas logo os jornalistas foram informados de que o fim da Segunda Guerra Mundial só poderia ser noticiado 36 horas depois, às três da tarde do dia seguinte. Só que passadas doze horas da capitulação, uma pequena rádio alemã da cidade de Flensburg vazara a informação e Kennedy procurou dobrar os censores americanos. Nada feito. “O general Eisenhower até desejaria que a notícia seja divulgada de imediato para que vidas sejam salvas, mas suas mãos estão atadas por esferas políticas superiores”, respondeu-lhe à época o porta-voz do comandante.
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As esferas políticas superiores chamavam-se Stalin, Truman e Winston Churchill. Os três haviam concordado em bloquear a notícia da capitulação por um dia para dar tempo ao marechal russo de também preparar a cerimônia de rendição que presidiria em Berlim. Assim, todos fariam comunicados simultâneos a seus povos, pontualmente às 3 horas da tarde do dia 8 de maio de 1945.
A mesma coisa
Kennedy tomou a decisão de furar unilateralmente o acordo ao constatar que não estaria colocando em risco a vida de nenhum soldado. Pelo contrário, abreviaria a matança em algumas horas, o que já era muito. De fato, naquele mesmo 7 de maio, um submarino alemão afundara duas embarcações na costa da Escócia e os combates prosseguiram na Checoslováquia e na Iugoslávia. Ademais, com a assinatura da rendição, a própria função dos censores militares perdia validade, a seu ver.
Duas vozes contundentes saíram em sua defesa à época. A primeira foi a de A. J. Liebling, na revista New Yorker, em artigo intitulado “A rendição da AP”. A segunda foi a de Wes Gallagher, despachado pela Associated Press para substituir Kennedy no escritório de Paris.
Por ocasião de seu primeiro encontro com Eisenhower, o repórter comentou com o general que no lugar do antecessor teria feito a mesma coisa, acrescentando: “Apenas teria lhe telefonado antes.” Ike retorquiu que, nessa hipótese, teria ordenado sua prisão. Resposta de Gallagher: “Mas isso não teria abortado a notícia.”
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[Dorrit Harazim é jornalista]
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Comentários
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João Paulo Ferreira de Assis
Vejam só, o jornalista foi punido por ter salvado vidas. Aconteceu um caso similar (punição por salvar vidas) só que em outro contexto, e aqui no Brasil.
Tomei conhecimento do caso em Conselheiro Lafaiete, mas minha fonte não me disse o nome do motorista e nem o dia exato em que aconteceu.
Num dia qualquer, saiu um ônibus da empresa Coletivos Cristo Rei, da Rodoviária de Conselheiro Lafaiete, rumo à cidade de Ouro Preto. Ninguém em sã consciência esperava o que ia acontecer. Saiu o ônibus pela BR 040, entrou no trevo de Ouro Branco, passou no portão norte da Açominas, desceu de novo e tomou a estrada de terra. Passou em Miguel Burnier, atravessando a linha férrea, chegou em Engenheiro Correia, e quando passava o trevo de São Gonçalo do Bação, o motorista vislumbrou um caminhão desgovernado. Viu que não tinha jeito de evitar a colisão, e mandou todo mundo se ajuntar atrás e foi ele e o auxiliar também. A colisão foi em cima da ponte sobre o ribeirão Carioca. Felizmente só houve feridos leves. Não houve nenhuma morte a lastimar. Mas o motorista FOI DEMITIDO POR JUSTA CAUSA. OU SEJA, a lei trabalhista preferia que ele e os passageiros tivessem morrido.
Felizmente outra empresa o contratou, e ele ainda fez muitos anos a linha Lafaiete-Piranga.
Christian Schulz
A história é muito boa, mas essa justificativa dos Aliados para a censura é a maior furada.
Postergar a “maior notícia do século” apenas por uma cerimônia? Seria muita ingenuidade da esposa do Elio Gaspari embarcar numa dessas.
Tá com cara de referendo à História Oficial, o que contradiz a temática do texto…
Conceição Lemes
Christian, a senhora está no céu, vá ser machista assim na Conchinchina. Dorrit é uma jornalista brilhante, excelente, competente, talentosíssima. Sempre foi assim. Querer questioná-lá, colocando-a como apêndice do Elio é o absurdo do absurdo. Desprezível. Cresça. abs
lulipe
No Brasil tem muita gente que adoraria uma imprensa “democrática” nos moldes da cubana ou da chinesa.Bajulação aos governantes, se for do PT é claro, e vista grossa para os escândalos, a não ser que seja de políticos opositores.Nunca terão!!!!
Marcio H Silva
Mas já tivemos esta imprensa de 1990 a 2002, esqueceu?
Marcio H Silva
Cade o EUNÃOSABIA? agora tá aparecendo trolls de terceira categoria por aqui….
Paciente
O dilema moral posto, para mim, parece simples: palavra dada, não volta atrás. Mas do que a palavra um contrato foi rompido. Honrar a palavra passou a ser auto-censura?
Alguns brasileiros, não se sabe quantos, morreram porque tomaram duas vezes a mesma vacina. Ouço dizer que alguns órgãos noticiosos estão sendo processados por terem criado pânico sobre uma “epidemia de febre amarela”. Censura?
O desejo era salvar vidas? Duvido muito. Quando o jogador Neymar engravidou uma moça não vi uma única linha na imprensa brasileira sobre o uso de camisinha ou a epidemia de AIDS/DST. Censura(s)?
Quem censura o quê? Jornalista tem moral seletiva. O negócio da imprensa é fazer negócios.
Fabio Passos
Impressionante.
E de lá prá cá só piorou.
Hoje a mídia-corporativa é a máquina de propaganda do regime.
Disseminam mentiras… sabendo que são mentiras.
A mídia-corporativa é co-partícepe do genocídio cometido no Iraque, das ditaduras sanguinárias apoiadas pelos eua, da destruição do planeta por mega-corporações que só se interessam por lucros, da crise financeira que atirou milhões no desemprego…
abolicionista
Que isto sirva de exemplo aos jornalistas do PIG, que esqueceram completamente do seu dever de jornalista…
Fabio Passos
Seguramente os jornalistas do PIG sabem que vão pro olho da rua se denunciarem a corrupção de daniel dantas, a roubalheira da privataria tucana e o envolvimento da mídia com a quadrilha de carlinhos cachoeira.
Os jornalistas do PIG sabem que os patrões não toleram que a verdade seja divulgada.
Willian
Pior que a censura, é a auto-censura.
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