Tânia Maria de Oliveira: Brasil tem justiça descolada da realidade econômica do país
Tempo de leitura: 3 minDiante de Pandora
por Tânia Maria S. de Oliveira, via e-mail
Em uma das histórias mais conhecidas da mitologia grega, Elpis, a deusa da esperança, salva-se ou fica resguardada quando os males são liberados da caixa de Pandora.
Submetido o mito a diversas interpretações filosóficas, não deixa de ser interessante o fato de que a esperança se encontra em meio a toda desgraça, delas se apartando para se colocar como possibilidade ou expectativa de mudança.
O ano de 2016 no Brasil marcou o acirramento de uma posição de representantes do sistema político e econômico, que colocou em xeque o pacto constitucional de 1988.
A quebra do respeito às instituições, com o golpe parlamentar que retirou o mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff, rompeu os laços que sustentavam o ciclo político da Nova República, já esgarçados desde o questionamento do resultado da eleição de 2014.
Nesse diapasão, a retomada da trajetória democrático-popular do país somente ocorrerá a partir do fortalecimento dos organismos vivos da sociedade civil, que se fundamentem no aprofundamento permanente da defesa da soberania popular, da vontade geral da população, da busca incessante pela formação de uma opinião pública livre e plural, e da reafirmação dos princípios constitucionais que visam instituir, direta e imediatamente, garantias aos cidadãos.
O Brasil possui um sistema de justiça descolado da realidade econômica, social e étnico-cultural do país, historicamente ocupado por oligarquias, responsáveis por uma cultura jurídica conservadora no que diz respeito à aplicação do direito nos conflitos.
Estrutura essa que não fora alterada pela Constituição de 1988 que, por outro lado, foi marcada pela consolidação de um modelo de autonomia e independência para a magistratura e ministério público, destituído de qualquer mediação política legitimada para a participação e controle social de suas instituições que, ao mesmo tempo, ganharam exponencial espaço de poder e intensidade política de atuação.
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Na atual quadra histórica brasileira, o Poder Judiciário vem protagonizando, simultaneamente, a judicialização da política e sua própria politização, de modo que o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, se vê embolado no que alguns chamam de “supremocracia”, que se traduz no ativismo judicial utilizado não como forma de defesa do texto constitucional, mas como modo de intervenção no jogo político.
Nesse cenário de constante e crescente relativização de princípios processuais fundamentais crescem os abusos, multiplicam-se as ilegalidades, aumenta-se a insegurança jurídica.
Nele, a prisão do ex-presidente Lula, sem provas e em um processo pautado por arbitrariedades, pode ser considerada a “cereja do bolo”.
O enfrentamento às derrocadas dos direitos perpetradas pelo governo Temer, a oposição às ameaças a democracia e às ondas autoritárias, conservadoras e neoliberais, bem assim o combate às rupturas institucionais e às práticas de exceção que vêm se desenhando nas últimas décadas – sobremaneira nas decisões processuais em desacordo com o texto constitucional – exigem coletivos organizados que sejam capazes de formular propostas e ações em favor dos instrumentos democráticos.
É nessa linha de chegada, dentro de uma visão estratégica, que ultrapassa as intenções a curto prazo, que juristas de todas as áreas de atuação ousam criar a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD.
Fruto do amadurecimento dos debates formulados desde 2016 na Frente Brasil de Juristas pela Democracia, a ABJD fará sua assembleia de fundação no dia 26 de maio próximo na cidade do Rio de Janeiro, como parte final do seminário temático internacional que visa a debater, inclusive, as experiências internacionais de atores jurídicos na Europa e na América Latina e suas respectivas conjunturas.
A Associação pretende se colocar na busca de um diálogo rico e complexo entre todas as áreas de atuação dos profissionais do Direito, em um caminho de entrecruzamento de experiências, capacidades e saberes.
De dentro pra fora o coletivo se impõe a tarefa de construir caminhos com vistas a um projeto de justiça estatal de novo tipo, ancorado nos marcos democráticos constitucionais.
Entendem seus membros que há um campo fértil de atuação da entidade, que em nada se vincula a interesses corporativos das categorias envolvidas, mas à defesa do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana.
“O mar da história é agitado”, diria o poeta Mayakowsky.
É na compreensão de constituir-se no momento que é provavelmente o mais difícil do Brasil pós redemocratização – com agitação e efervescência de discussões sobre o significado de país e disputa de valores – que a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia busca a inspiração de Elpis, na confiança de que sua atuação pode contribuir para conferir conteúdo efetivo aos princípios democráticos, realocando-os à condição de valores republicanos.
Tânia Maria S. de Oliveira é assessora jurídica no Senado e membra fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)
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Comentários
Julio Silveira
Perfeita a analise da conjuntura brasileira.
Temos instituições formadas dentro de uma estrutura pré concebida para atender as demandas das Oligarquias brasileiras, para o bem delas e para o mal do país. País que vem se desintegrando pela perda de bom senso civico e de cidadania, enquanto esbara nos contos da carochinha sobre uma democracia que nunca tivemos, por conta das contradições proprias da hipocrisias contidas nesse sistema pré concebido para o dominio das oligarquias. Que vem sendo mantido a base de falacias, engodos e trambiques pelos usuarios empoderados do sistema, que na verdade vem travando contra a democracia uma luta surda e historica para quebrar seu bom andamento, sempre que percebem riscos na estabilidade do seu dominio oligarquico, cinicamente camuflado, que sempre existiu no país. E pior, vindo e mantido historicamente no entrelaçamento de sucessões inter parentais travadas nos inter relacionamentos na elite. E que, pelos meios culturais manipuladores, acabam por fugirem da percepção popular. Enquanto o Brasil manter o tipo de estrutura formada no conceito similar ao imperial, usando a plebe apenas como instrumento para dar credibilidade e sustentação ao sistema de poder para as oligarquias, formadas historicamente e preservadas, não haverá integração dos vastos contingentes populares a verdadeira cidadania isonomica. Por que serão sempre vistos pelos do topo nacional como sub gente, imerecedores de tal distinção.
Por isso o incomodo Lula, que deu espaço ao povo para desfrutar de carros e aviões, fortalecendo o consumo e inserindo-os no capitalismo, mas contraditóriamente estigmatizado pelas vozes preconceituosas dos oligarcas e seus beneficiarios exclusivistas como “bolivariano”.
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