Cícero Querido: O leite, o livro e a gratidão imensa a todas as inesquecíveis professoras mães
Tempo de leitura: 2 minO leite e o livro
Por Cícero Nardini Querido*
Minha mãe foi minha primeira professora.
Escapo logo ao clichê parafraseando Brás Cubas: mãe professora, e não professora mãe, o que essa mulher viria a ser apenas alguns anos mais tarde.
Explico: dela recebi o leite antes do livro, primazia incontestável.
Uns poucos, pretensos sabedores de meus antecedentes pré-natais, argumentarão em sentido contrário, recorrendo ao fato de que a escolha de meu nome se deu porque a professora (à época já mãe de dois, mas não a minha) gostava muito de um aluno, homônimo (à época já Cicero, mas não eu).
Eu teria sido, então, aluno, antes de ser filho? A gente ainda nem é gente, e já foi projeto.
Primazia das funções à parte, me parece que para ela o que se impôs foi a materialidade do acúmulo das funções, na lida diária com os filhos e alunos.
Como muitas das mulheres, das professoras e das mães desse mundão machista, brigou diariamente para cumprir com grandeza as duas profissões, e nunca foi reconhecida verdadeiramente à altura.
Ela ainda era “apenas” (se é que se pode usar “apenas” para qualificar tamanha façanha) minha mãe, e eu já a observava preparando, com carinho, materiais para ensinar o inglês a seus estudantes, e pequenos crachás de papelão para que decorasse logo em uma ou duas aulas os nomes de todos os seus incontáveis alunos.
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Foi só mais tarde, portanto, que eu tive de enfrentar a dupla autoridade em sala de aula. Sofremos, ambos.
Passei noites em claro pensando se deveria chamá-la “mãe”, “mother”ou “teacher”, na frente daqueles sempre implacáveis colegas de 6ª série de um colégio de freiras.
Penso hoje que não tive coragem, à época, de preterir uma das tão honrosas atribuições, e sentei em cima do muro da infância, apenas sinalizando com a mão quando precisava chamá-la.
Como vingança, a professora dizia publicamente, arrancando risadas, que se eu não trouxesse impecável a lição de casa, mandaria comunicado para que minha mãe assinasse.
Dá pra entender porque fui, forçosamente, sempre um bom aluno. Mãe penso que nunca serei, e tenho me esforçado diariamente para que tenha algum sucesso na difícil e nunca terminada missão de ser um bom médico e um bom professor.
Penso que, se é que tenho algum sucesso na empreitada, é porque tive uma mãe professora e me deparei, ao longo do caminho, com inúmeras e inesquecíveis professoras mães.
A todas essas, a minha gratidão.
*Cícero Nardini Querido é médico do Núcleo de Assistência Domiciliar (NADI), do Hospital das Clínicas de São Paulo e mestrando da Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da USP.
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