Só rindo: Como a popularidade de Lula em 2010 não o ajudou em 1998

Tempo de leitura: 3 min

Datafolha e os escribas de Kafka

por Gilson Caroni

Picles não combinam com morangos, mas o jornalismo brasileiro, em anos eleitorais, é a cozinha das combinações intragáveis. Se for do agrado do paladar do patrão, titulares de carteirinha de jornalista se esmeram em preparar saladas que levam o agridoce ao paroxismo. Como já observou Alberto Dines, em artigo publicado no Observatório da Imprensa, “ampliam-se as insignificâncias, criam-se pseudofatos (os famosos factóides), e até confere-se relevância política às matérias produzidas pelos marqueteiros nos seus comerciais. É a inversão total de simples preceitos jornalísticos”

Ao ocultar os dados da mais recente pesquisa Vox Populi que, demonstrando um consistente crescimento da candidatura de Dilma Rousseff, desmente as últimas projeções do Datafolha, O Globo e Folha de São Paulo deixam claro que, dependendo do resultado, sondagens de opinião servem para tudo. Ou para nada, de acordo com a preferência da clientela.

Se o resultado é conveniente para os candidatos das corporações, números teoricamente transitórios são utilizados como tendência definitiva. Se ocorrer o contrário, trata-se de um retrato do momento” com alta probabilidade de ser modificado até o dia do pleito. Não peçam análise séria em exercícios de imaginação militante.

Pelos caminhos da ficção, Franz Kafka atingiu a realidade da incoerência e da solidão humana. Pelos caminhos da redação partidarizada, se chega com facilidade a uma literatura ridícula, inversamente hilária à verdade factual que pretende distorcer. É uma experiência humorística que não pode ser ignorada, sob pena de perdermos excelente oportunidade de divertimento. Vejamos dois casos recentes. São excelentes exemplos de genuflexão permanente.

Ainda no sábado (3/4), a jornalista Renata Lo Prete, editora da coluna Painel, da Folha de São Paulo, ciente de números que só seriam divulgados à noite pela TV Bandeirantes, lançou dúvidas sobre a metodologia da sondagem que desmontava o resultado obtido pelo instituto de pesquisa da família Frias:

“Chama a atenção, no questionário de pesquisa Vox Populi sobre a sucessão presidencial com campo em 30 e 31 de março, a inclusão de pergunta relativa aos cargos que os candidatos já ocuparam, quebrando o fluxo das respostas espontânea e estimulada sobre intenção de voto. Esse tipo de procedimento é conhecido por distorcer resultados”.

É questionável se a ordem da apresentação dos temas (menção espontânea, conhecimento dos candidatos, menção estimulada) pode ou não influenciar nas respostas ao último quesito. Justamente por isso é leviano insinuar, como faz a colunista, que tal procedimento tenha produzido qualquer distorção na pesquisa do Vox Populi. Consultar especialistas não faria mal algum se Lo Prete não soubesse o que querem seus senhores. Seria interessante lembrar que a lisura do processo eleitoral compreende principalmente a lisura da imprensa que o acompanha. E nesse ponto não resta dúvida que, para patrões e seus escribas, eleições ainda são um jogo que não pressupõe qualquer relação com amadurecimento democrático e cidadania ampliada.

Outro exemplo do burlesco travestido de análise pode ser encontrado no jornal O Globo. Em sua coluna de sexta-feira, 2/04, Merval Pereira oferece trechos memoráveis que merecem ser destacados. O servilismo, esteja ou não a serviço de fanfarras eleitorais, oferece imagens que nem de longe configuram um desenho ético ou qualquer propósito respeitável.

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Tentando demonstrar traços de subalternidade na postura da ex-ministra Dilma Rousseff, o colunista não titubeia:” ela chegou a usar 28 vezes o tratamento de ” senhor” ao se referir ao presidente Lula no seu discurso de despedida, o que é um sinal de subserviência não candidata com o papel de candidata à Presidência da República”

É compreensível o espanto de Merval. Afinal, trabalha em uma organização que obriga jornalista a chamar patrão de colega. Mas, tirando a força do hábito, qual seria o tratamento adequado a ser dispensado a um presidente? Para responder, bastava uma consulta aos acadêmicos que sistematizam suas reflexões diárias. Mas o tempo das manobras não permite perda de tempo com esse tipo de questão.

Em seguida, misturando números, épocas e fatos, o sincero partícipe das convicções de quem lhe paga o sal, entra em transe e soçobra diante da falta de senso lógico que ilumina os seus escritos: Lula não tem se mostrado tão bom de voto quanto sua popularidade atual indica. Perdeu duas vezes no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso, o que certamente é sua maior frustração, e venceu duas vezes no segundo turno”.

Impressionante! A popularidade de 2010 não foi capaz de eleger Lula em 1994 e 1998! Se Franz Kafka estivesse entre nós certamente abriria um largo sorriso ao ler o que vai nalma do jornalista global.Repetindo Odradeck, personagem de um breve conto seu, diria que o conjunto se apresenta sem sentido, mas no seu gênero é completo”

Renata Lo Prete, Merval Pereira e Datafolha não ganhariam apenas sentido. A semelhança alucinante entre as receitas aventadas por eles e os detalhes que deformam os homens na literatura kafkaniana ganharia contorno definitivo.

Gilson Caroni Filho é professor das Faculdades Integradas Hélio Alonso, no Rio.

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Comentários

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Igor Tkaczenko

O aprofundamento da democracia brasileira, atualmente, destrói, ao expor a fraca relevância, o caráter intelectual de "escrevedores" e comentaristas de jornais e tv da velha mídia. É uma revolução pacífica que ocorre no Brasil, ou seja, mata os soldados inimigos usando apenas as palavras, e muitas vezes, as que eles mesmos proferem. Na cultura Judaica-Cristã e Grega, é a maior instância, o maior grau em um confronto. Uma guerra, vencida apenas pelo entendimento racional através da palavra argumentada humana, é uma vitória inquestionável que se dá no âmbito espiritual, ou intelectual, que, aliás, são termos próximos. Também é a guerra santa muçulmana, pois, afinal, qual palavra sairá vitoriosa senão aquela que se sustentar histórica e materialmente? Mas quando os derrotados não aceitam a derrota verbal, lançam mão da violência física somada à interpretações sofísticas das leis para tomarem o poder, é o conhecido golpe político-militar, que ocorreu em Honduras ano passado, como um bom exemplo. Os vis geralmente recorrem a isso. Enfim, o bom nessa história toda, é perceber a inutilidade do jornalismo patronal, sua fraqueza em convencer, e a derrota da velha mídia, mesmo escondendo o estupendo crescimento vertiginoso de uma candidatura feminina à presidência no Brasil, revelando claramente uma tendência natural, espontânea no quadro do pleito eleitoral este ano. Não será surpresa alguma que Dilma, antes mesmo de começar a campanha eleitoral, apareça já à frente de seu principal adversário, que por sinal, mostra tendência contrária, ou seja, esfriamento e queda.

Sávio Alves

A proposição:
um evento presente interfere num evento passado.
1) não segue a lógica aristotélica.
2) apresenta uma quebra de causalidade.

Rafael, BHte

Lula não perdeu para FHC, perdeu para o Plano Real que elegeira até um poste ou uma hóstia, como de fato..! Aliás Itamar Franco deve acender uma vela para o anjo da guarda de Collor, caso contrário jamais seria presidente, e FHC deve acender duas para Itamar pq tb jamais nem chegaria perto pelo próprio 'carisma' (que é nenhum!) caso 'o do topete' fosse mais ambicioso…

Cesar Silva

Belo e esclarecedor texto, Caroni. Mas você não acha que a tísica consumiria nosso Franz Kafka mais rapidamente diante deste cenário, que julgo trágico? Meus sorrisos são tensos…

O Brasileiro

Por isso que o jornalismo brasileiro está afundando…
Para informação do Sr. Merval, o Especialista:
Em 1994, Fernando Henrique, o candidato da mídia, quando a mídia valia alguma coisa, teve 54,3% dos votos. E em 1998, o candidato que deu o golpe branco da reeleição teve 53,1% dos votos. E… oooohhhhhh… ganhou no primeiro turno. Mas esse candidato da desvalorização do real pós-reeleição, nunca teve 61,3% nem 60,8% dos votos como Lula teve no 2º turno das eleições em 2002 e 2006, apesar da mídia, que se enfraqueceu desde os engodos dos apoios a FHC!
Continuando nos números, o Sr. Merval deveria saber que em 2002 Lula teve no 1º turno adversários como Anthony Garotinho e Ciro Gomes, então muito populares. E também, é claro, o fraco José Serra, que teve menos votos no primeiro turno (23,2%) de 2002 do que Lula no primeiro turno de 1994 (27,0%).
Só por isso, José Serra deveria ser humilde em relação a Geraldo Alckmin, que teve 41,6% de votos no primeiro turno em 2006, coisa que Serra jamais teve numa eleição presidencial.

José Lira

A palavra factóide não é acentuada.

pereira

Nós só queremos 52% para Dilma, Já basta.

francisco.latorre

o pig dormiu quarto poder e acordou barata.

..

valmont

Os latifundiários do espectro das comunicações estão destruindo a nobre profissão de jornalista.
Cabe aos verdadeiros profissionais, cidadãos esclarecidos, resgatar o jornalismo através de uma militância diuturna.
A luta de resistência tem que partir das universidades e atingir as redações do PiG. Os professores que batalham pela conscientização de sua classe são um exemplo dessa atitude e devem ser aplaudidos.
Eu teria vergonha de ter como "colegas" do naipe dos citados (merval, lo prete, alexandre garcia, etc.). Essas pessoas são inimigas do jornalismo e da cidadania. Ao final da vida, eles se arrependerão de suas atitudes canalhas, pois nada mais fazem na vida a não ser prejudicar o povo brasileiro e encher os bolsos de dinheiro sujo.

    Carlos

    Academia será importante, desde que não tente restringir o jornalismo – o exercício da profissão – à posse de canudo, de diploma, aberração instituída pela ditadura militar em 1969.
    Atenção especial ao artigo 4o.:http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/196

Malu

Tá vendo como tem idiota que "acredita" em notícias kafkanianas? A alta popularidade do Lula foi conquistada após ele virar presidente, mas tanto os jornalistas de má fé, como os cabos eleitorais disfarçados de blogueiros ficam dando uma de mané. Ah, vão tomar banho na soda!

Ana Maria a original

Para ajudar nas estatísticas, vejam o Estadão:

"Números da criminalidade nas ruas de SP que a Secretaria não divulga
Veja os dados da violência registrado nas delegacias seccionais da cidade, separados por regiões
20 de abril de 2010 | 0h 01

estadão.com.br
SÃO PAULO – Ao contrário de outras cidades, São Paulo não divulga dados sobre a criminalidade. Os dados do Infocrim – sistema de dados criminais da polícia – é conteúdo mantido em sigilo. O repórter do Estado, Marcelo Godoy, obteve os números com exclusividade."

Augusto da Fonseca

Cadê os 300 prefeitos que o Aécio se comprometeu a levar para o evento de ontem com o Serra?

A resposta está aqui:
http://migre.me/ybTN

*

paulooliva

UBALDO

Existem masoquistas, sim, que amam a quem lhes faz mal, ou seja, vivem um bom governo e votam contra que o faz, para que nos próximos quatro anos possam sofrer felizes. Felizmente, os masoquistas são minoria. 76% de popularidade não se traduz em 76% de votos para Dilma, concordo. Mas até uns 60%, sim, o que basta para termos Dilma lá…

    Ubaldo

    Paulo oliva,
    Por enquanto ela só tem 30% dos votos e não tem unanimidade nem entre os petistas. Há muito petista votando na Marina e pasmem, até no Serra. É só fazer a pesquisa entre os petistas. De qualquer maneira, embora as pesquisas indiquem que o Serra pode levar no primeiro turno, pois tem mais votos que a soma dos candidatos dentro da margem de erro, acredito em segundo turno e com a definição da eleição, para a Dilma ou Serra, por uma pequena margem.

    Carlos

    Pesoal do PT votar em Marina ou, pior, no Serra?
    Tás delirando?
    Pesquisar pessoal do PT?
    Datafraude ou Ibope?

    ESPANTO!

    pasmem.

Mc_SimplesAssim

Trata-se do popular samba do jornalista doido.

Ubaldo

Como explicar que o Lula perdeu duas vezes em primeiro turno para FHC e necessitou de segundo turno para vencer Serra e Alkimin se sua popularidade sempre foi alta? Elementar. Há muita gente que aprova o Lula ou seu governo mas que vota em outro candidato. Assim a de popularidade 76% do governo Lula não se traduz em 76% dos votos e muito menos ele consegue transferir tal percentagem a Dilma.

    Carlos

    Mencionas fatos pré-internet, época em que era impossível desmontar farsas como a datafraude, Globo45,… essas coisas.

    Milton Hayek

    Wishfull thinking Ubaldo Teo-ubaldiano….

    Márcio

    Os tucanos, tal qual o Ubaldo, estão agindo conforme aquele livro "O Segredo". A materialização do pensamento.

    Suas posições me lembrarm a de um amigo que se acha "da elite" e por isso vota na direita. Ele não é mentalmente capaz de ver que ele não faz parte da elite e que a elite o quer longe deles.

    Seria triste se não fosse hilário, meu caro.

    Manda um abraço meu pro Bush e pro Serra!

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