Campanha nacional contra o uso de agrotóxicos

Tempo de leitura: 4 min

da RadioagênciaNP

Mais de 20 entidades da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, entidades ambientalistas e grupos de pesquisadores lançam oficialmente no próximo dia 7 de abril a Campanha Permanente contra o Uso dos Agrotóxicos no Brasil.

A campanha pretende abrir um debate com a população sobre a falta de fiscalização, uso, consumo e venda de agrotóxicos, a contaminação dos solos e das águas e denunciar os impactos dos venenos na saúde dos trabalhadores, das comunidades rurais e dos consumidores nas cidades.

A campanha prevê a realização de atividades em todo o país. Em Brasília, mais de 2 mil pessoas  farão um ato para denunciar a responsabilidade do agronegócio pelo uso abusivo de agrotóxicos no país.

O Brasil está em primeiro lugar no ranking dos países que mais usam agrotóxicos no mundo desde 2009. Para se ter uma ideia da dimensão, é como se cada brasileiro consumisse, ao longo do ano, cinco litros de veneno.

O secretário-executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Denis Monteiro, apresenta os objetivos da campanha.

“A primeira questão é que nós precisamos estabelecer uma coalizão, uma convergência ampla dos movimentos da área da saúde, da agricultura, comunicação e direito, para fazer a denúncia permanente desse modelo baseado no uso de agrotóxicos e transgênicos que tornou o Brasil campeão mundial do uso de agrotóxicos; e os impactos são gravíssimos na saúde dos trabalhadores, no meio ambiente, na contaminação das águas. ’’

Segundo Monteiro, além do caráter de denúncia, a campanha pretende também apresentar à sociedade o modelo proposto pelas entidades, mais saudável, baseado na pequena agricultura.

“Outro campo de articulação é mostrar para a sociedade e avançar na construção de outro modelo de agricultura, baseado na agricultura familiar, camponesa, em toda sua diversidade, dos povos e comunidades tradicionais, assentamentos de reforma agrária, e que este modelo sim pode produzir alimentos com fartura, alimentos de qualidade, com diversidade e sem uso de agrotóxicos. Temos estudos que mostram que a agroecologia é viável, produz em quantidade e em qualidade, e o local para a agroecologia acontecer são as áreas da agricultura familiar. Então outro campo de articulação importante é avançar na construção destas experiências em agroecologia que a gente já vem construindo, multiplicá-las pelo país, mostrando que este é o futuro da agricultura, e não vai ter futuro para o planeta se a gente não construir este modelo alternativo ao modelo que está aí’’

Monteiro aponta ainda que a atuação no âmbito das políticas públicas também se constituirá em um eixo importante da campanha.

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“A Anvisa tem um trabalho de análise de resíduos de agrotóxicos e alimentos, que precisa ser ampliado para mais culturas, ter aumentada sua abrangência; está também fazendo reavaliações de agrotóxicos que têm um impacto terrível na saúde, propondo restrição ao uso e banimento de produtos. Por outro lado, precisamos avançar nas políticas direcionadas à agricultura familiar, para que elas possam fomentar o resgate da biodiversidade, o resgate das sementes crioulas, possam fortalecer as experiências de comercialização direta dos agricultores familiares com os agricultores. O Programa Nacional de Alimentação Escolar precisa ser efetivado, uma alimentação de melhor qualidade nas escolas, que o dinheiro público usado para alimentação escolar seja destinado à compra da agricultura familiar – a lei aprovada ano passado obriga que no mínimo 30% seja destinado para a compra da agricultura familiar; temos que lutar para que esta conquista seja efetivada.’’

Para o integrante da Via Campesina Brasil e da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais  Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, a campanha pretende propor projetos de lei, portarias e iniciativas legais e jurídicas para impedir a expansão dos agrotóxicos.

“Seria uma boa iniciativa que os municípios começassem a legislar, porque é possível que as câmaras proíbam o uso de determinado veneno no seu município, e que a própria população fiscalize. Mas isso não basta ser iniciativa do vereador, é preciso que toda a sociedade se mobilize para garantir, inclusive, que o comércio não venda, que os fazendeiros não usem e que, afinal, nós vamos criando territórios livres de agrotóxicos, e vocês vão ver como a qualidade de vida vai melhorar muito nesses municípios.”

Stedile ainda avalia a natureza do uso dos agrotóxicos no Brasil e suas graves consequências.

“Nós estamos aplicando um bilhão de litros por ano, e isso representa, em média, cinco litros de veneno por pessoa. Não há parâmetro similar em qualquer outra sociedade do planeta, nem sequer nos Estados Unidos, que são a matriz indutora de toda a utilização de venenos na agricultura a partir da Segunda Guerra Mundial.”

Para Stedile, a redução e a eventual erradicação do uso de agrotóxicos dependem, fundamentalmente, da conscientização da população.

“Então nós esperamos que, daqui para diante, possamos congregar este conjunto de forças sociais, desde os movimentos sociais, dos trabalhadores, dos pesquisadores, dos médicos, das universidades, dos institutos de ciência, para fazermos uma grande articulação nacional e, de fato, conseguirmos paulatinamente ir diminuindo o consumo de venenos, até chegarmos, quiçá, em médio prazo, à eliminação total do uso de agrotóxicos na agricultura brasileira – o que seria uma grande conquista para toda a sociedade. Para que se tenha uma idéia, eu acho que a campanha contra os agrotóxicos é muito parecida com a campanha contra o fumo, porque no fundo o tabaco também usa muito agrotóxico, o tabaco é um veneno, causa gravíssimos problemas de saúde para a população, e somente de uns dez anos pra cá é que a sociedade brasileira começou a se conscientizar e fazer uma campanha contra o cigarro. E nós conseguimos reduzir: 30% da população eram fumantes e, hoje, só 12% são fumantes’’

De acordo com Letícia Silva, da Anvisa, é preciso que a campanha consiga promover uma grande consulta junto à sociedade brasileira sobre o tema.

“Não sei o tempo: quando colocamos a possibilidade de retirada de um produto agrotóxico do mercado, muitas vezes a gente recebe poucas manifestações favoráveis à retirada daquele produto no mercado, e muitas manifestações pela manutenção do produto no mercado. Então acho que a primeira coisa, a mais simples – e que independe até de uma grande mobilização – são as organizações da sociedade mostrarem o que estão pensando a respeito, mostrar o seu desejo com relação aos produtos agrotóxicos. Querem realmente que sejam controlados? Que produtos precisariam ser banidos, quais estão causando intoxicação? “

A campanha nacional contra o uso de agrotóxicos também promoverá iniciativas ligadas à educação – com a produção de cartilhas para as escolas – e realizará seminários regionais e audiências públicas.

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Comentários

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Cat Jardim

O que parece um ato comum, incontestável, pode esconder um erro histórico. O uso não só de químicos na agricultura, mas de domissaniantes domésticos, anunciados desbragadamente na televisão, e ainda o uso de inseticidas em campanhas de saúde pública, como o controle de mosquitos transmissores de doenças. A sociedade civil precisa praguicidas que, longe de combaterem as pragas, acabam por promovê-las.

Pall Kunkanen

Veja quem financiou o estudo: http://www.fgv.br/fgvprojetos/novoprojetos/arq_si

Pall Kunkanen

Se vc Azenha não acredita no absurdo é pq vc não viu isso. http://www.flickr.com/photos/legislativopr/555313

Eis a legenda de uma sequência de fotos deste disparate:
Audiência pública sobre a produção de fumo no Paraná (23/03)

O Plenário da Assembleia Legislativa do Paraná recebeu na manhã desta quarta-feira (23/03) cerca de 1500 pequenos produtores de fumo e lideranças para a audiência pública sobre a produção de fumo no Paraná. Por proposição do deputado Stephanes Junior (PMDB), o evento tratou da possível proibição pela Anvisa da utilização de diversos ingredientes na produção do cigarro. De acordo com o parlamentar, a proibição pode afetar perto de 30 mil pequenos agricultores paranaense e suas famílias, que dependem da fumicultura para o seu sustento.

Foto: Nani Gois / Alep

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