Bordadeiras se unem a padre Julio: Contra o genocídio e a destruição, sejamos todos Linhas do Brasil; fotos

Padre Julio em defesa da vida e do SUS, claro! Foto: Gi Meira Fotografias

MEMÓRIA NÃO MORRERÁ

“Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna?” Atos dos Apóstolos 2

Por Linhas do Rio

A ideia surgiu como um sonho, um desejo forte.

Mal havíamos realizado a exposição dos painéis Memória Não Morrerá na praia, em 30/04/2021, e pensávamos no próximo passo, quando uma de nós, quase timidamente, falou:

— Seria maravilhoso se o Padre Julio Lancellotti topasse expor na paróquia dele.

— O bom seria ter uma data significativa. Deixa ver… 23 de maio é Pentecostes.

E decidimos ousar propor. Pentecostes é uma data de grande importância para as religiões cristãs.

É o dia da vinda do Espírito Santo, o sinal enviado por Jesus a seus apóstolos, após seu retorno à casa do Pai.

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Naquela altura, os discípulos de Cristo já se achavam perseguidos, reprimidos pelo poder opressor, clandestinos e sem ânimo. Ao verem o sinal, são tomados por força e coragem e saem a pregar liberdade e amor.

O significado dessa passagem não se limita ao cristianismo. Algumas religiões de matrizes africanas também comemoram a data, sincretizada na figura da entidade máxima: Oxalá.

No campo popular, essa comemoração resultou nas tradicionais festas do Divino que ocorrem, de forma variada, por todo o território brasileiro.

São herança lusa, advinda do Sebastianismo, baseado na doutrina das três idades (Pai, Filho e Espírito Santo), elaborada pelo monge Joaquim de Fiore a partir da profecia de Gonçalo Bandarra sobre a vinda de um novo tempo de união, paz e prosperidade: a Era do Espírito Santo.

Para nossa absoluta surpresa, Padre Julio aceitou a proposta de imediato.

Então, iniciamos os preparativos. Quem iria, quando, o que fazer, onde ficar. Tudo em tempo de pandemia. Tudo mais complicado.

Teresa, assessora da paróquia, foi uma verdadeira irmã. As companheiras do Linhas de Sampa deram um apoio fundamental. E, no dia da missa, o Flores Pela Democracia também nos deu as mãos, deixando tudo mais bonito. Também contamos como apoio do Instituto Popular Paulo Freire.

Aos 26 metros de painéis expostos na praia (confeccionados por Linhas do Rio, Linhas do Mar, Linhas de Santos, Linhas do Horizonte, Pontos de Luta e Linhas de Sampa), somaram-se os quatro metros do BordaLuta e 2,5m do nosso quinto painel.

Às véspera da ida, chegaram os trabalhos da Leonilda, companheira de Curitiba, que bordou individualmente dois painéis de 50 cm cada um.

Naquele dia que prometia chuva, o sol chegou firme.

A turma do Linhas de Sampa já estava a postos, na porta da igreja, quando chegamos com os painéis.

Num minuto toda a grade da igreja estava coberta. Padre Julio entendeu tudo com uma olhadela. E só se referiu ao conjunto como Linhas do Brasil. Batizou na hora o que viu e nos deu uma nova dimensão.

A emoção que sentimos ali, na paróquia simples da Mooca paulistana, também se sentia de longe pelas que acompanharam a transmissão:

— Assim que as companheiras enviaram as primeiras fotos e fizeram o primeiro ao vivo, eu desabei num choro que demorou a passar, porque a cada momento que eu me recompunha, acontecia algo que me emocionava de novo. Foi assim quando soube que as companheiras participariam da missa dentro da igreja, quando vi os painéis da grade, honrando nossos mortos, ao ver padre Julio olhando para cada um, parando em frente ao da Leonilda e retirando-o. O coração disparado e o pensamento “ele vai por dentro da igreja, ele vai por dentro da igreja”.

Então eu vi o painel da bandeira em frente à mesa do altar, junto com o segundo painel que gritava para todo mundo ver/ouvir: “Queremos viver!”.

Surge o Homem, de sandálias, opa vermelha e estola indígena. E fala de igualdade, justiça, amor, liberdade, de um Deus que está entre nós.

Nesta hora, meu pensamento voa e me lembro do meu pai e suas sandálias franciscano, vivendo o amor do Verbo nas várias comunidades eclesiais de base por onde andou.

Lembro da potência das missas da Teologia da Libertação. E padre Julio continua, com sua voz forte, a falar da força libertadora do amor.

Durante quase toda a cerimônia, parte do painel da Leonilda visível na tomada da câmera repete: “Queremos viver!”, e eu penso no poder que uma só pessoa tem.

Não há um, há todos. Não há eu, há nós. Juntos somos fortes. Vem a homilia, mais arrebatadora do que qualquer outra, a comunhão, a prece a São Miguel Arcanjo (defendei-nos no combate), o broche em defesa do SUS, a canção de Ivan Lins, já com as companheiras segurando a faixa no altar, atrás dele. E ele fala dos 450 mil amores que se foram, que não precisariam ter ido e da dor dos que ficaram.

“A memória não morrerá! A memória não morrerá!”

Enquanto fala, padre Julio abre seus braços, como duas asas vermelhas, a força do Homem imbuído do Espírito Santo se faz visível, contagia, restaura o ânimo e a energia. — Força e coragem! — ele diz.

Impossível não se sentir contagiado, renovado, inflamado.

Muito obrigada, padre Julio! Força e coragem. Até o final na luta! Diversas vezes, padre Julio Lancellotti se referiu a nós como Linhas do Brasil.

Assim deveríamos ser e nos comportar, sejamos indivíduos ou coletivos, que bordam ou não, todos irmanados no bom combate contra a opressão, o obscurantismo, o genocídio e a destruição. Quanto mais fios tem uma corda, mais forte ela é.

Sejamos tod@s, pois, Linhas do Brasil.

LINHAS DO RIO
maio de 2021

#LinhasdoRio

#bordaluta

#LinhasdeSampa

#linhasdohorizonte

#linhasdomar

#linhasdesantos

#pontosdeluta

#bordadomilitante

Antes da missa de Pentecostes, em 23 de maio, o padre Julio deu uma olhada em todos os painéis expostos nas grades externas da igreja. Ele próprio escolheu qual colocaria no altar durante a celebração. Fotos: Gi Meira Fotografias 

Missão cumprida para as bordadeiras das Linhas do Rio e Sampa e o coletivo Flores para a Democracia: Após a celebração, padre Julio voltou a percorer todos os paineis expostos, desta vez dando a bênção a cada um deles. Foto: Gi Meira Fotografias