14.12.10 Assédio Moral: o Fantasma no Ambiente de Trabalho
portal do Diesat , via Adital
Nesta entrevista a Dra. Margarida Barreto, médica ginecologista e do Trabalho, pesquisadora do Núcleo de Estudos Psicossociais de Exclusão e Inclusão Social (Nexin PUC/São Paulo), explica o que é assédio moral e como o trabalhador deve procurar ajuda e alerta: ” Quem é humilhado sistematicamente, pode sair das ideações suicidas e agir, rumo a morte, tirando a própria vida, por não suportar o sofrimento”.
Diesat: O que é assédio moral?
Dra. Margarida Barreto: Assediar alguém significa estabelecer um cerco e não dá trégua ao outro, humilhando, inferiorizando e desqualificando-o de forma sistemática e repetitiva. São ataques verbais e gestuais, perseguições e ameaças veladas ou explicitas; fofocas e maledicências que ao longo do tempo, vão desestabilizando emocionalmente e devastando a vida do outro.
Para a UNIÃO EUROPEIA o assédio moral é um comportamento negativo entre colegas ou entre superiores e inferiores hierárquicos, em que a vitima é objeto de ataque sistemático por longo tempo, de modo direto ou indireto, contra uma ou mais pessoas.
Já a Organização Internacional do Trabalho considera-o todas as vezes em que uma pessoa se comporta para rebaixar o outro, através de meios vingativos, cruéis, maliciosos ou humilhantes contra uma pessoa ou um grupo de trabalhadores. São críticas repetitivas e desqualificações, isolando-o do contato com o grupo e difundindo falsas informações sobre ele.
Qualquer que seja o conceito usado, no assédio há sempre um núcleo ou matriz que encontramos em todos os países, mostrando que estamos ante uma tortura psicológica nas relações interpessoais no local de trabalho, o que nos leva a considerá-la como um problema de saúde publica. Nesta matriz, encontramos algumas táticas que se repetem: isolar, ignorar, desqualificar, desmoralizar, desestabilizar, degradar as condições de trabalho e forçar a pedir demissão ou desistir do emprego, do projeto, da empresa. Resumiríamos, afirmando que em todos os casos de assédio moral encontramos:
-Repetitividade e persistência da ação
-Intencionalidade
-Temporalidade e direcionalidade
-Degradação das condições de trabalho
Os efeitos são devastadores a vida (físico/psicológico) das pessoas que são humilhadas e sofrem agressões verbais e outros atos de constrangimento, quer no âmbito publico ou privado (a portas fechadas). Aqui, a diferença está na relação de poder estabelecida, que pode ser assimétrica ou simétrica com atos de violência explícitos ou sutis.
Diesat: De que forma o trabalhador é assediado no ambiente de trabalho?
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Dra. Margarida Barreto: Leymann, o primeiro estudioso do tema, a pratica do assédio moral envolve mais de 40 atos que fazem parte de um processo que ocorre ao longo do tempo, por um período de seis meses. Para ele, existe o assédio moral quando há uma relação assimétrica de poder e este, pode ser em conseqüência de uma experiência maior ou mesmo, uma maior proximidade com a alta hierarquia. Deste modo, ele catalogou quatro grandes grupos de ações: ações contra a dignidade; ações contra o exercício do trabalho; manipulação da comunicação e ações de iniqüidade.
Como exemplo de ações muito comuns aqui em nosso país, citaria: isolar dos colegas e ignorar sua presença; dar instruções confusas, sobrecarregar trabalho, bloquear o andamento do trabalho, criticar em publico, constrangendo-o ou desqualificando-o; impor horários injustificados; caluniar; disseminar fofocas e maledicências; transferir de setor sem conhecimento prévio; proibir colegas de conversar, almoçar entre tantos outros atos, contanto que reforce o lema. “Não falte para não perceberem que você não faz falta”, passando a idéia que o trabalhador é um inútil, ou que faz é tão pouco que não tem valor para a Empresa.
Diesat: Quando começaram as discussões sobre o problema?
Dra. Margarida Barreto: Na Europa, o tema foi bastante discutido por Leymann e posteriormente, Marie France Hirigoyen. Aqui no Brasil, começamos a ouvir atentamente os trabalhadores que eram humilhados em seu local de trabalho desde o inicio a partir de 1993. Sabíamos que humilhar o outro não era novo. Mas, os relatos que nos chegavam, eram freqüentes. O fato é que a intensificação das humilhações no trabalho coincide com as mudanças que ocorreram na forma de organizar o trabalho e nas políticas de gestão, nestes últimos 30 anos. Mudou o discurso e novos rótulos surgiram para velhas questões. Por exemplo, ser flexível passou a apontar um novo horizonte de expectativas no qual o trabalhador agora denominado de “colaborador”, deverá estar sempre motivado, ser dinâmico e comunicativo, aberto para os novos desafios, ter capacidade para trabalhar em grupo, ser criativo e competitivo como forma de ascender no mundo do trabalho e em especial ser dedicado a empresa e seu trabalho. O discurso é sedutor, pois a flexibilidade deve ser aceita e internalizada por todos; é uma forma de compensar a insegurança que passo aparecer a partir das demissões massivas e reestruturações constantes. Cada um deve suportar o novo desafio, a nova sobrecarga e mostrar que é capaz de se ajustar aos novos tempos. Com poucas pessoas executando mais tarefas, sob intensa pressão para produzir, não precisamos refletir muito para constatar as consequencias que isso traria no tempo: novas doenças e mais demissões. Fomos percebendo que as humilhações neste contexto, era algo que fazia parte da micropolitica de controle empresarial e que se manifestava na corrente dos gestos cotidianos. Estávamos diante de uma ferramenta de controle dos gestos, da voz, dos pensamentos e emoções. Assim, devemos avaliar as novas doenças, os novos riscos emergentes em associação as mudanças no mundo do trabalho e que foram profundas. Ressalto também que a reestruturação produtiva veio acompanhada de desregulamentações das relações de trabalho, de flexibilização dos direitos, da adoção de novas políticas de gestão quer por injuria ou pelo medo, de controle rígido e disciplinar dos trabalhadores, da colonização do imaginário, quer por política de punição aos que não alcançaram as metas ou por premiação dos “bons” na capacidade de ultrapassá-las e dá produção. É um ambiente propicio para instaurar o conflito entre colegas e a competitividade, passa a ser a regra.
Sabemos que as empresas estão mais preocupadas em aumentar seus lucros com poucos gastos que com a saúde dos seus trabalhadores. O que importa é faturar cada vez mais e o trabalhador que adoece vira peça descartável e que deve ser trocada. Então ser flexível para o capital, é ser capaz de se adaptar, em reagir ao invés de agir; em aceitar ao invés de resistir e lutar.
Porque afirmo isso? Quando o trabalhador adoece, envelhece ou questiona praticas ilícitas ou não se submete as normas que lhes são impostas, perde o valor e torna-se uma “persona non grata”, o que o obriga, freqüentemente, a deixar a empresa. O valor do trabalhador está em ser guerreiro 24 horas, não adoecer, não ter família, não ter preocupações e preferencialmente, que todo o seu pensamento e emoções, estejam direcionados ao bem estar da empresa. Logo, todo assédio tem como intencionalidade forçar o outro a desistir do emprego, pedindo a demissão ou mesmo desistindo de um projeto ou mudando de setor, de Estado.
Diesat: Existe uma categoria que apresente mais denúncias relacionadas a assédio moral?
Dra. Margarida Barreto: Hoje, é difícil você dizer qual a categoria que não tem assédio moral nas relações de trabalho. Isso porque o assedio tem como causalidade a organização do trabalho e uma cultura organizacional que mantém e reproduz a “voz” da organização, como verdade absoluta e inquestionável. Mas, poderíamos apontar as categorias em que é muito comum: saúde, educação, comunicação em especial com os jornalistas e o setor de serviços, como por exemplo, os bancários.
Diesat: Como o movimento sindical pode auxiliar trabalhadores que sofrem assédio?
Dra. Margarida Barreto: Em primeiro lugar, o dirigente deve ouvir seu companheiro. É necessário que os dirigentes compreendam e conheçam esse novo mundo do trabalho nesta nova configuração, em que os trabalhadores foram transformados em nômades do trabalho e das relações, vivendo uma sociedade sem emprego, com uma vida limítrofe e caótica, tendo que se submeter a exploração. É necessário que os dirigentes conheçam os novos riscos emergentes, reflitam a cultura empresarial, que escutem e compreendam a voz daqueles que sofrem, adoecem e morrem do/no trabalho. Se não conhecem o que acontece de fato no intra-muros, a ação se restringe a julgar ou encaminhar o trabalhador assediado para o medico ou o departamento jurídico, em atos e ações individualizadas. E as ações coletivas, ficam esquecidas.
Se não tivermos uma práxis compromissada com classe trabalhadora, poucas vitórias alcançaremos. Digo isto, pois vejo por esse Brasil, muitos “dirigentes” que sequer sabem o que ocorre dentro daquela empresa em que ele um dia, trabalhou e isso leva a atitudes de indiferença em relação a dor do outro. Falta reflexão-ação, sonhos pessoais que se mesclem com os sonhos coletivos, falta luta ativa, organização por local de trabalho, mobilização e compromisso de classe! Pensar em eliminar o assédio moral das relações laborais passa pela luta por justiça, por dignidade, por generosidade, por respeito nas relações de trabalho, por uma nova forma de organizar o trabalho em que a cultura reforce a autonomia e criatividade para pensar e fazer; que a vida daqueles que produzem riquezas, seja privilegiada em sua plenitude. Um sindicalismo “combativo” não pode defender os interesses do capital, viabilizando a existência de empresas que matam e adoecem centenas de trabalhadores anualmente, com a desculpa que está preservando o emprego. Aqui, é uma questão de defesa da vida. Não podemos sair de um sindicalismo de contestação e caminhar para um sindicalismo de “viabilização das empresas. Enquanto esse cenário persistir, assistiremos o aumento da exploração no trabalho – que é uma face da violência – a intensificação da flexibilidade, mobilidade e humilhações para produzir, sob o olhar passivo do movimento sindical
Diesat: Quais são as conseqüências na saúde destes trabalhadores?
Dra. Margarida Barreto: Quem sofre o assédio moral no trabalho, manifestará algumas reações. A primeira seria uma reação social cuja resposta corporal a ação nociva, se manifesta como isolamento social, ressentimentos, tristeza, reprodução da violência em outros espaços e até mesmo com filhos. Há aumento do uso de drogas, quebra dos laços afetivos e muitas crianças de país que sofreram violência no trabalho, tem menor desempenho na escola. Em segundo lugar, a pessoa assediada sente um mal estar que se manifesta no julgamento negativo de si, como se fosse sem valor ou mesmo um lixo.
Além das varias alterações cotidianas, devido aos pensamentos repetitivos e recorrentes, com o tempo, começam a apresentar doenças e danos psíquicos com idéias de indignidade, esquecimentos, choro freqüente e que podem caminhar para a depressão, o burn-out, a síndrome do pânico e outros transtornos da esfera mental E por ultimo, quem é humilhado sistematicamente, pode sair das ideações suicidas e agir, rumo a morte, tirando a própria vida, por não suportar o sofrimento.
Assim o assédio moral gera morte. A Marie France lembra que “Não se morre diariamente de todas as agressões, mas perde-se uma parte de si a cada noite, volta-se para casa exausto, humilhado, deprimido. É a repetição do ato que é destruidor”. Estamos diante de um risco que tem repercussões na família, desestruturando-a freqüentemente e devastando a vida daquele que sofre a violência moral ou psicológica no local de trabalho. Estamos falando de mais um risco no ambiente de trabalho, que causa danos a dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano.
Daí a necessidade de compreender essa relação capital x trabalho para atuar com compromisso de classe, pois ter saúde, ser livre e feliz, envolve a ordem do conhecimento, da razão livre, dos bons encontros, da compreensão não somente de si mesmo, mas dos outros e somente com os outros podemos transformar o mundo do trabalho e a sociedade em que vivemos.
Diesat: O que levou a doutora a pesquisar sobre o tema?
Dra. Margarida Barreto: Comecei a trabalhar no Sindicato dos Químicos ao final de 1992, logo após o término do curso de especialização em medicina do trabalho. E neste espaço passei a ouvir historias de sofrimento e compreendi desde o inicio que a dor colocada não era resultante de fraquezas individuais. Ao contrário: estava diante de guerreiros e guerreiras da produção e que após dá a vida em uma determinada empresa, sentiam-se traídos porque adoeceram ou porque questionaram a empresa e como resultado, mudava a forma da empresa de lidar com eles.
As histórias de sofrimento me atravessavam e na tentativa de ajudá-los ativamente, procurei a Psicologia Social da PUC/SP para fazer o mestrado. Lá, sistematizei uma pesquisa que resultou na escuta atenta de 2072 trabalhadores de 97 empresas do ramo químico, plástico, cosmético e farmacêutico e cujo nome da dissertação foi dado por um trabalhador que após contar sua historia, me disse: “eu vivo dentro da empresa uma jornada de humilhações”. Ele me deu o nome e a chave da compreensão dos gritos de sofrimento que escutava.
* Diesat é o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho
Comentários
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Marcia Costa
Sofri assédio pessoalmente. É devastador. Difícil de provar no Judiciário vivo minha luta na solidão e sei que ela é de muitos outros trabalhadores. Se não fosse minha família, eu não estaria sobrevivendo ao que passei e que ainda passo.
Florival Scheroki
Penso que nossas dores não podem nos afastar do enfrentamento efetivo de suas múltiplas causas. Quero dizer com isto que o sofrimento impingido pela cultura do constrangimento precisa ser enfrentada por todos os lados em que o inimigo não pode ser personificado num indivíduo, patrão, chefe ou capital. Nosso inimigo é este modo de vida em que os demos conta deestar enredados e de difícil e não impossível saída. Acho perigoso quando apontamos nossos carrascos sem olhar para o ambiente que vimos convivendo e é isto o que tenho visto com muita frequencia quando tratamos de assédios. Entendo que eles, nossos carrascos, também precisam sair desta teia cultural que nos destrói a todos.Não se trata de pactuar com assediadores e sim de ajudá-los a não ser assediadores. Digo sito porque já tive diversas experiências em que o constrangimento do carrasco o impedia de mudar de atitude e vivi em muitas situações em que os" carrascos" puderam mudar de comportamento e ser incluídos em uma nova ordem de relação capital/trabalho/ ou pessoa/pessoa. A pergunta que me guia neste e outros temas aos quais me dedico algumas vezes é: que atitude tomar para provocarmudanças de longo prazo no que se mostra destrutivo ao ser humano? Eu acredito na mudança dos homens e em algumas intervenções em empresas que pude fazer presenciei o desejo e a mudança de equipes.
Melodia
Pois é Laura, sou professora de uma universidade pública eu também me considero vítima do assédio moral, mas custei a perceber isto. Agora que "descobri", estou aprendendo a lidar com a situação, e sofrendo menos por que tenho consiciência que o problema não está em mim.
augustinho
A Samsung, fabrica em campinas, SP acaba de bater grande recorde em materia de assedio moral em escala apreciavel. Mereceu tratamento especifico do Minsit do Trabalho.
Espera-se duas coisas : que os diretores nao voltem a delinquir , pouco importando se é ou nao CULTURA de sua terra natal tratar funcionarios como semi-escravos.
E espera-se, alem disso, que os consumidores de bugigangas eletronica tomem BOA nota disso.
Laura
Importante entrevista. Gostaria de assinalar que no meio academico o assedio moral é insuportavel. Fui e continuo sendo vitima de uma forma insuportavel, por agentes em situações em que a instituição absolutamente não percebe as ações repetidas e insuportáveis realizads por estes. O assediado não tem o que fazer.
Vinícius Camargo
O que podem se tornar as organizações?
Vejam artigo, no link seguinte, para identificarem alguns processos de desumanização que possibilitam a "naturalização", inclusive, do assédio moral:
http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/0…
Lidio Tozze
Eu trabalhei em um grande banco por bastante tempo. Presenciei muitas situações como as descritas na entrevista, especialmente pela loucura que determinados gerentes submetem suas equipes para superar largamente as metas estipuladas pela diretoria, transformando o cenário corporativo em uma gincana em que todos perdem, sempre, mesmo que no longo prazo. Mas também vi o contrário, ou seja, subordinados relapsos, preguiçosos e até sabotadores que confundiam (!), conforme sua conveniência, a necessária cobrança por resultados e bom desempenho com assédio moral.
Maria S. Magnoni
Azenha e Conceição,
Muito oportuna a publicação dessa entrevista com a dra. Margarida Barreto, deixo duas informações:
1- Existe um site http://www.assediomoral.org sobre o tema,
2- A Marie- France Hirigoyen, psiquiatra e terapeuta francesa, citada na entrevista é autora de um excelente livro que trata do tema não só no trabalho, mas também em outras esferas da vida, " Assédio Moral- a violência perversa no cotidiano" foi publicado aqui pela Editora Bertrand Brasil.
Abraços
Polengo
É o que mais vejo.
Trabalho numa escola pública, e os que galgam carguinhos miseráveis, só o conseguem quando são incompetentes o suficiente para poderem ser chutados pelos incompetense acima deles… e aos outros, quanto mais competência e disposição, mais desprezo e sabotagem.
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