Data: 28/01/2011
A Revolução dos Jasmins contra as autocracias
A Revolução dos Jasmins iniciou na Tunísia com a imolação de um jovem e logo se alastrou para outros países. Agora, a revolta chega ao Egito e ao Iêmen. Em entrevista ao jornal Página/12, o sociólogo e filósofo Sami Naïr, professor de Ciências Políticas na Universidade Paris VIII e presidente do Instituto Magreb-Europa da mesma Universidade, analisa a originalidade e as causas destas revoltas árabes. Autor de ensaios e análises sobre política internacional, Naïr aponta como primeiro fator alimentador da revolta o fato central de que o medo mudou de campo. É o poder que enfrenta agora um povo que perdeu o medo.
por Eduardo Febbro, no Página/12, via CartaMaior
A chamada Revolução dos Jasmins que iniciou na Tunísia há algumas semanas se estendeu como um rastilho de pólvora para vários países árabes, e não os menores. O Iêmen e, sobretudo, o Egito, vivem hoje revoltas que têm características revolucionárias. Trata-se de um fenômeno tanto mais único na medida em que o discurso ocidental sempre tratou os países árabes como incapazes de assumir coletivamente um destino democrático. Tunísia, Argélia, Mauritânia, Iêmen e Egito não só desmentem esses argumentos como também abalam desde a raiz as ditaduras que governam esses países há décadas com mão de ferro e privilégios exorbitantes.
Alguns analistas asseguram hoje que já não se trata de saber que regime cairá primeiro, mas sim qual se salvará dessa onda de aspirações democráticas cujos protagonistas são as classes médias, os setores menos favorecidos e os jovens, que se organizam por meio da internet e das redes sociais. O mais moderno do mundo irrompe como instrumento de comunicação e protesto contra poderes dinossáuricos. Os protestos revelam também a ruptura sem remédio entre autocracias longevas, respaldadas historicamente pelo Ocidente, e a legitimidade popular.
O sociólogo e filósofo Sami Naïr, professor de Ciências Políticas na Universidade Paris VIII, presidente do Instituto Magreb-Europa da mesma Universidade, analisa em entrevista ao jornal Página/12 a originalidade e as causas desta revolução árabe. Autor de ensaios e análises sobre política internacional, Naïr aponta como primeiro fator alimentador da revolta o fato central de que o medo mudou de campo. É o poder que enfrenta agora um povo que perdeu o medo.
A entrevista
A Revolução dos Jasmins iniciou na Tunísia com a imolação de um jovem e logo se alastrou para outros países. Agora, a revolta chega ao Egito e ao Iêmen. Você dizia em uma análise que, assim como ocorreu primeiro na América Latina e depois nos países do leste europeu, certa parte do mundo árabe está despertando para a história.
– Sempre prensei que, ao menos no século XX, o laboratório dos povos foi a América Latina. A Revolução Russa não pode ser entendida sem a Revolução Mexicana. Os latino-americanos inventaram todas as formas de luta possíveis e imagináveis. Na América Latina, se experimentaram as guerrilhas, as lutas políticas, os despotismos, as ditaduras. A partir dos anos 80 e 90, as ditaduras caíram em quase todos os países da América Latina. Esse movimento contra as ditaduras se desenvolveu em outros lugares do mundo, por exemplo, nos países do leste europeu a partir da queda do Muro de Berlim. Agora, esse movimento de fundo que iniciou na América Latina está atingindo todos os países da orla árabe do Mediterrâneo e mesmo além, na península arábica, como está acontecendo no Iêmen.
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O problema reside em que, contrariamente ao que ocorreu na América Latina, o movimento que eclodiu nestes países árabes não tem direção, nem organização, nem programa. É um movimento totalmente espontâneo com duas características fundamentais: em primeiro lugar, trata-se de um movimento que destrói definitivamente a ideia de que estas sociedades estão condenadas a viver com o perigo extremista e fundamentalista, por um lado, e, por outro, com a ditadura, que seria uma suposta garantia necessária contra esse perigo fundamentalista. Agora está se demonstrando que o problema é muito mais complexo e que estes países não querem experimentar nem o islamismo nem o fundamentalista, mas sim que, basicamente, desejam a democracia.
O segundo elemento importante, e que pode lembrar o que ocorreu na América Latina, reside no fato de que há uma aliança circunstancial entre as camadas mais pobres e humildes, sem verdadeira inserção social, e as camadas médias empobrecidas nestes últimos anos. Na última década, todos esses países padeceram de um empobrecimento muito importante das classes médias e agora há uma fusão entre esses setores e a base popular, as classes pobres totalmente excluídas do processo de integração dentro da sociedade.
Se essas revoltas forem até o fim nestas autocracias árabes estaríamos vivendo uma autêntica revolução mundial, um giro decisivo na história de nossa concepção dos sistemas políticos mundiais. Sempre se acreditou que os países árabes eram incapazes de assumir uma forma de democracia popular e participativa.
– Isso corresponde a um discurso muito depreciativo construído pelos países ocidentais, pelo capitalismo internacional cuja sede é a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados Unidos e União Europeia. Esses atores querem que haja estabilidade nos países árabes e para isso necessitam de regimes fortes e ditatoriais, porque o que importa a eles são duas coisas: em primeiro lugar que essa gente não emigre e, em segundo, que as fontes de recursos petrolíferos sejam garantidas. Por isso desenvolveram esse discurso em total sintonia com os ditadores que sempre repetiram: “nossos povos carecem de maturidade política e cultural e, por conseguinte, não podem ter acesso à democracia”.
Sabemos que tudo isso é falso, que as aspirações democráticas são muito fortes nesta região do mundo. Creio que o que está acontecendo agora demonstra isso de maneira muito clara. Cada situação é específica. Não se pode misturar o que ocorreu na Tunísia, um país que tem uma tradição laica e elites ilustradas muito fortes, com camadas sociais muito coesas, com a situação do Iêmen, onde impera um sistema tribal baseado na dominação despótica de um clã. A única coisa similar é o grau de dominação e a forma de controle, apoiada na polícia e no exército.
A explosão social no Egito tem matizes inéditos. No Egito o exército desempenha um papel central, onde o presidente, Hosni Mubarak, pertence a ele e onde quem está chamado a substituí-lo, seu filho Gamal Mubarak, é um liberal que não é bem visto pelas forças armadas.
O caso egípcio é muito particular, em primeiro lugar porque o país é um velho Estado de direito. Provavelmente seja o Estado de direito mais antigo do mundo. O Estado de direito moderno foi constituído por Mohamed Ali entre o final do século XVIII e início do XIX, ou seja, antes que nós na Europa soubéssemos o que era isso. Mas esse Estado foi destroçado pelos ingleses no século XIX. Em todo o caso, o filho de Mubarak, Gamal, não representa a democracia. Gamal Mubarak é o elemento chave da nomenclatura que domina o país em sua vertente mais liberal. A questão do liberalismo não pode ser concebida unicamente como liberalismo econômico, salvo se se trata de comparar o Egito com a China. Na China temos um despotismo político neocomunista e um liberalismo selvagem que encarna na verdade a dominação de uma elite burocrática. No Egito, é diferente. É impossível que se possa organizar um sistema liberal sem democratização da sociedade. É indispensável evitar que o Egito se transforme em uma república hereditária onde o pai ditador nomeia seu filho como futuro ditador liberal. As pessoas estão buscando outra coisa.
Querem a democratização da sociedade para que a sociedade civil possa escolher por meio de um debate democrático transparente. O filho de Mubarak é como seu pai. As pessoas não o querem porque já tem o exemplo da Síria, onde o filho substituiu o pai e terminou instaurando um sistema mais ou menos liberal, mas com a mesma ditadura.
Você assinala que o que começou a ocorrer na Tunísia e logo se espalhou para outros países é que o medo mudou de lado. O medo acabou.
– Isso foi muito importante neste processo. Eu estava na Tunísia quando tudo isso começou e vi como o medo mudava de campo. A revolta tunisiana estourou na localidade de Sidi Bouzid, com a imolação do jovem Mohamed Bouazizi. A partir dali, tudo se transtornou. Até esse momento, o regime tunisiano estava baseado no temor. Mas a morte de Mohamed Bouazizi mudou essa situação, sobretudo pela atitude do então presidente Bem Alí, que foi visitar a família da vítima. As pessoas se deram conta que quem tinha medo era o poder. O mesmo está ocorrendo no Egito. O mais importante nestas revoltas é a vitória do imaginário que significa que transformaram a relação com o poder: agora são os ditadores que devem temer os povos. Isso não significa que amanhã vamos ter uma revolução em todas as partes. Não. O movimento pode avançar, pode recuar, não sabemos o que vai acontecer. Mas o que sabemos, e isso já foi percebido pela população, é que os poderes podem mudar quando os povos querem mudar suas condições de vida e ousam enfrentar o poder para escolher seu próprio destino.
Por isso penso que estamos diante de uma onda que terá desdobramentos. Estamos na mesma história que os povos da América Latina abriram nos anos 80. Logo se seguiram os povos do Leste europeu nos 90 e agora estamos vendo isso acontecer com estes povos árabes. Não podemos esconder que o que está ocorrendo é também uma consequência da globalização. A globalização é má socialmente, mas tem algo bom, que é a globalização dos valores democráticos nas sociedades civis.
Tradução: Katarina Peixoto
Comentários
Attila Louzada
A minha dúvida – irmã de uma íntima descrença no resultado dessas revoltas – é se esses regimes de força serão substituídos por estados democráticos, ou por pseudo-democracias teocráticas. Especialmente quando vemos baluartes da democracia (perdão pela repetição desta palavrinha) ocidental, com os EUA, atolados em contradições em relação a seus pricípios fundadores.
A temida voz dos árabes | joaquim vai ao centro
[…] Tunísia 2 […]
Gerson Carneiro
Parte I
Observo todas essas revoluções e, bato na tecla aqui, o que acontece no Estado de São Paulo, e sinto falta desse espírito na nossa gente, em nós. Constato que essa disposição para exigir o gozo do real poder que é seu fora aos poucos anestesiada, lhe retirada, roubada, pelos que hoje se apoderam do poder que apenas lhes é temporariamente atribuído pelo verdadeiro dono: o povo.
Imaginem vocês que, dentre tantas outras revoltas, em 1875, simultaneamente em PE, AL, PB e RN, o povo saíra às ruas contra a adoção do sistema métrico decimal, que introduziu o metro, o litro e o quilo no país, em substituição às antigas unidades de medidas coloniais, como a vara, as canadas e as onças. Os novos instrumentos de medidas foram destruídos pela turba em fúria. Era a revolta do Quebra-Quilos.
Gerson Carneiro
Parte II
O povo em revolta contra a adoção do sistema métrico decimal. Parece ficção, romance. Aconteceu. No Nordeste, em 1875.
Hoje, passados 21 anos do confisco da conta poupança, ainda há pessoas que penam para ter seu dinheiro devolvido. Enquanto que o responsável pelo saque já retomou sua vida de privilégios no Senado, sem remorso algum.
Precisamos sair desse marasmo. “Paz sem voz, não é paz é medo”. É submissão.
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[…] aqui […]
Martin
(2ª parte/FIM)
…Pensem numa coisa => Mesmo o JUÍZ mais honesto decide baseado nas LEIS !!
E quem faz as LEIS ??
São os "políticos" !!! Incluindo aí Sarney, Maluf, Heráclito Fortes, Tasso Jereissati, ACM, Garotinho, Bornhausen…
Agora o Egito está defenestrando o "ladrão da vez"…
Mas o Sistema Político (mundialmente parecido porque está associado aos Grupos Financeiros Internacionais…) logo oferecerá outro marionete para “ir tocando” seus negócios !!
Existe SOLUÇÃO para esse “círculo vicioso” que está exaurindo o Planeta Terra??
Sim!! Existe… !!
Att.
Martin
Martin
A "Democracia" é muito parecida na maioria dos países, aberta aos partidos políticos e seus "representantes do povo"…
Só que estes "políticos", necessitam da simpatia dos Grupos Financeiros para serem agraciados com necessárias colaborações 'em dinheiro', que pagarão seus gastos com as campanhas de mídia !
E as mídias, depois, ECOARÃO os nomes de seus “eleitos” (sim, os Grupos de Mídia são braços dos Grupos Financeiros), desde que eles atuem conforme esperado pelos detentores do capital… (contin. )
Att.
Martin
Silvio
Martin:
Temos que chegar a democracia sem esse gasto de dinheiro para enganar os povos. Já existe no mundo eleições que praticamente não custam nada. Os candidatos não gastam um centavo.
Martin
Pensem numa coisa => Mesmo o JUÍZ mais honesto decide baseado nas LEIS !!
E quem faz as LEIS ??
São os "políticos" !!! Incluindo aí Sarney, Maluf, Heráclito Fortes, Tasso Jereissati, ACMs…Agora o Egito está defenestrando o "ladrão da vez"…
Mas o Sistema Político (mundialmente parecido porque está associado aos Grupos Financeiros Internacionais…) logo oferecerá outro marionete para “ir tocando” seus negócios !!
Existe SOLUÇÃO para esse “círculo vicioso” que está exaurindo o Planeta Terra??
Sim!! Existe… !!
Att.
Martin
Martin
Sabe Sílvio, o problema SÃO as eleições em si => SÓ SELECIONAM PILANTRAS (ou piadas, como o Tiririca, o Romário…)
JÁ a carreira JURÍDICA pública, a carreira DIPLOMÁTICA, os concursos diversos pelo Brasil à fora, estão selecionando FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS bem preparados (os melhores disponíveis em cada região!!!)
E o Poder Legislativo, que faz "leis" e "vigia" o Executivo (kkkk), só tem "Testa de Ferro" trabalhando p/ a INICIATIVA PRIVADA (…ou em benefício próprio)!!
Mas isso TEM SOLUÇÃO… !!!
Att.
Martin
Gerson Carneiro
"Palmatória quebra dedo, mas não quebra opinião"
Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão – Lira Neto – Companhia das Letras, pág 42.
JoséIvanAquino
Azenha,
A primeira década do século XXI foi marcada pela passagem significativa de Lula na consolidação da paz na América Latina e progresso social, econômico e educacional no Brasil.
LULA será o ponto de referência para os povos árabes no caminho da Democracia. É notável a ponte que ele construiu com o Irã(Povo Persa), com a Palestina(Berço de 3 grandes religiões), com a aproximação desses países muçulmanos com o mercosul. Busque e verás quantas viagens do Metalúrgico da Esperança foram antecedidas de entrevistas veiculadas pela TV Al Jazeehra. Numa dessas entrevistas o jornalista pediu ao Lula que concorresse para presidente do seu pais que teria o voto dele. E o que dizer dos aviões brasileiros trazendo árabes para fugirem da guerra?
José Ivan Mayer de Aquino
Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e Pela Vida
Roberto Locatelli
O século 21 será muito, muito diferente do século 20.
Roberto Locatelli
O mundo precisa, desesperadamente, de uma direção revolucionária para concentrar essa revolta caótica e direcioná-la a uma evolução política dos povos. Essa direção será construída no seio da própria luta, forjada a ferro e fogo.
Almeida Bispo
Concordo. Se não acabará como na França de fins do século XVIII: chamando-se um ditador para por ordem na desordem causada pelo fim de outro regime de privilégios. O problema de uma revolução é que se sabe como começa, mas como termina, só décadas e até séculos depois. Como diria Galileu, eppur si muove. Aguardemos, pois.
Marc
Azenha, um aspecto que não foi abordado.
A "engenharia" para as mobilizações e revoltas usando a internet não foram ensinadas pelas agencias americanas ao tentar desestabilizar o governo iraniano?
Acho que "know how" vazou para outros ditaduras da região, não seria a primeira vez que isto acontece.
O_Brasileiro
Ninguém segura a liberdade!
Não adianta achar que vão isolar os pobres em favelas-guetos e depois a classe média vai tranquilamente passear nas suas avenidas iluminadas e arborizadas.
Quanto mais tratado como animal, mais o ser humano se torna animal, e deseja mais e mais liberdade.
E não quer só liberdade. Quer liberdade, abrigo, alimento e se reproduzir.
E é muito, muito capaz de lutar por isso!
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