por Carlos Mielitz, na Carta Maior
Em 24/02/2010, em artigo publicado no jornal Valor Econômico (Agricultura familiar: uma leitura apressada), o Ministro da Agricultura, Sr. Reinhold Stephanes, questionou a propriedade da utilização da expressão “agricultura familiar” para este segmento de produtores diferenciando-os dos empresários rurais. Como o próprio Ministro reconhece, o meio rural brasileiro é extremamente heterogêneo, devendo-se por isto mesmo aceitar que para mais de 85% dos estabelecimentos a agricultura é mais que um negócio, é uma forma de vida, portadora de história, sociabilidade própria e relação particular com a natureza. Portanto não é “apenas” a gestão familiar, embora esta faça muita diferença. Uma leitura apressada, pobre e errada é tentar uniformizar toda esta diversidade por meio dos produtos que geram.
Felizmente, também não é verdade que nos países avançados se verifique apenas a existência de “propriedades mais eficientes e tecnificadas”. Os crescentes problemas ambientais e de saúde criados pela “moderna tecnologia agrícola”, a importância na geração de empregos e de serviços ambientais, a preservação de modos de vida e valores culturais associados a cada região e suas formas de exploração agrícola levam a que os governos dos países “mais avançados” como diz o Ministro valorizem, protejam e estimulem seus agricultores familiares.
É falsa a oposição que sugere o Ministro entre produção, produtividade, integração mercantil e agricultura familiar. Os dados do último Censo Agropecuário divulgados no ano passado mostram que esta é responsável pela maior parte dos alimentos consumidos diretamente pelos brasileiros e adicionalmente por parte relevante das exportações. Nestas culturas sua produtividade iguala-se ou supera àquela dos estabelecimentos empresariais. Este desempenho significativo só foi possível justamente pelo reconhecimento das especificidades de suas necessidades, adequando-se as políticas de desenvolvimento rural à diversidade dos produtores e não os igualando pelos produtos que produzem através das políticas apenas agrícolas. Observe-se que esta mudança na institucionalidade pública brasileira já era prevista e amparada na Constituição de 1988 e na lei agrícola de 1991. Em 1996, fruto da pressão dos movimentos sociais rurais, criou-se o Ministério Extraordinário de Política Fundiária, transformado em 2000 no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Enquanto existia apenas o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento este segmento de produtores sempre foi alijado das políticas públicas.
Embora cause estranheza ao Ministro, desde 2006 a categoria social e produtiva dos Agricultores Familiares está reconhecida em lei federal aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Se existe este reconhecimento “dentro e fora do governo” como diz o Ministro, no mínimo é para cumprir-se o que determina a lei, apesar de que, reconheça-se, esta nem sempre tem sido uma preocupação do Ministro Stephanes, pois a lei também exige a atualização dos índices de produtividade agrícola que ele recusa-se a fazer. O que temeria o produtivo agronegócio brasileiro? Ou aí sim se trata de uma birra ideológica, a serviço do atraso?
Por fim, após anos desta discussão quando parecia que a convivência entre os dois Ministérios encaminhava-se para um reconhecimento e aceitação das especificidades, uma coexistência se não sem diferenças e tensões, pelos menos respeitosa, por que o Ministro Stephanes volta a tencionar as relações? O que pretende com isto? Mostrar-se um porta-voz aguerrido do setor mais belicoso e conservador do meio rural visando as próximas eleições? Levantar a poeira de velhas arengas para acobertar outros verdadeiros problemas que continuam intocados?
A relevância econômica e social da agricultura familiar brasileira e estrangeira, assim identificadas, está fartamente documentada e reconhecida nas estatísticas e na boa literatura técnico-científica. Quando o Ministro intitulou seu artigo de “Agricultura Familiar: uma leitura apressada” creio que na verdade foi um ato falho, uma confissão, ele fazia uma auto-crítica.
CARLOS MIELITZ é engenheiro agrônomo, Doutor em Economia e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Comentários
Manoel Mecias
É incrível como estes ministros de direita são canalhas.O presidênte LULA está rodiado de canalhas que infelismente
tem que governar com eles.Más que no fundo estão doidos para janta-lo.Acho que o presidênte fez até demais!Dentro
das suas possibilidades foi um Hercules.Temos que cuidar e bem cuidado para que a direita tão cedo não volte ao po-
der neste país.Nós não devemos jogar está oportunidade que conquistamos fora se não vamos retroceder.Nós não te-
mos o direito de errar no dia 3 de outubro.Já estamos cansados de bolhas que quando explode quem sofre as conse-
quências são os mais pobres deste país.Vamos a luta companheiros,temos uma juventude linda e inteligente,ok?
Arlenio Heindrickson
No fundo mesmo acho que o sr. Stephanes quer defendendo o agronegócio é boicotar toda tentativa de reforma agrária no país. E esse é a meu ver a grande dívida eleitoral do governo Lula, ele sabe disso. O Brasil precisa inverter o exôdo rural para um "exôdo urbano". O ser humano não existe para viver nessas aglomerações gigantescas que aumentam a cada dia na mesma proporção dos seus problemas. Ja vivi em metrópole e hoje vivo em um micro-sitio de subsistencia, sei do que to falando. Parabéns eng. Carlos Mielitz pela matéria.
Edilson Cordeiro
O programa Mais Alimentos, do Governo Federal, está promovendo uma revolução no campo, ao permitir a aquisição de tratores a preços subsidiados. O programa prevê a entrega de 60 mil tratores aos pequenos produtores rurais.
No Paraná existe um programa similar, chamado Trator Solidário, que prevê a entrega de 6 mil tratores. Aqui também os resultados são fantásticos.
Em São Paulo existe um programa chamado Pró-Trator, com o objetivo de atender aos pequenos e médios produtores. Não tenho informações sobre o resultado do programa.
Um abraço e parabéns pelo novo site.
Norton
O preço que a civilização brasileira em formação vai pagar, no futuro, por não atender às necessidades dos agricultores familiares; por glamourizar as grandes propriedades e sua forma depredatória de produção (egoísta porque baseada no lucro, incerta porque desgastante ao sistema Terra, desigual pq incentivada por governos e instituições transnacionais); por se ater a picuinhas sobre a posse da terra e seus usos, pode vir a provocar tragédias econômicas e sociais históricas à nação, pq não se vê jovem, hoje, que queira estudar e trabalhar na pequena propriedade, nem na produção modelar familiar, simplesmente pq isso é coisa de pobre atrasado e trabalhador analfabeto braçal. Claro que não é simples ser um agricultor familiar, e pode não representar o sonho de muitos pais que querem seus filhos 'dotôres', mas trata-se de SOBERANIA NACIONAL, daí a preocupação de ser apenas motivo de debates apaixonados, sem as medidas que todos sabem se fazem necessárias, que outra hora a gente detalha…
Saudações Azenha e Equipe
Como na vida, aqui vou me acostumando às novidades
francisco p neto
Infelizmente são poucos, aqueles que têm conteúdo, conhecimentos, incluídos aí todos os profissionais com formação em ciências agrárias, que se apresentam e expõe suas idéias sem ideologia político partidária contrariando as falsas informações veiculadas pela imprensa que o agronegócio é o responsável pelo abastecimento interno e as sucessivas quebras de recordes das safras, anos após anos.
Normalmente quem está dentro das universidades tendem a ver essa realidade ao gosto do consenso comum; os grandes produtores, os grileiros camuflados pela sonegação de informações – a Cutrale nas terras griladas de Borebi, SP, é o exemplo mais recente – não têm coragem, ou até por comodismo mesmo, não mexem com essa gente que muitas vezes finaciam projetos de pesquisas para os docentes.
O autor do texto me parece uma exceção que na verdade deveria ser a regra e apresenta dados contundentes que ficam escondidos sem o menor interesse em ser divulgados pelos meios de comunicações. Os dados estão aí, compilados pelo Censo Agropecuário mostrando a realidade da agropecuária nacional, desmistificando a crença de que as grandes propriedades são as mais produtivas. Nós reconquistamos a democracia política, mas falta muito ainda para que a democracia econômica seja extendida a todos os brasileiros. Todo o cidadão que conquistar a sua democracia econômica, todos os seus direitos virão em consequência. Direito a justiça, a saúde ao lazer etc. Esse é um sonho que todos devemos sonhar, porque quando se sonha junto fica mais fácil de torná-lo realidade.
O Brasileiro
O sonho da esmagadora maioria dos seres humanos é ter uma casa própria, um lar.
Nas cidades, esse lar exige, inevitavelmente, um emprego. Então: casa + emprego.
No campo, o lar inclui o emprego, pois é na sua terra que o ser humano planta e cria o sustento de sua família, e com o excedente alimenta os seres humanos das cidades. Quando submetidos a regimes de escravidão pelos latifundiários, estes seres humanos apenas produzem o que dá mais lucro ao latifundiário, e há escassez e aumento de preços nas cidades.
Vocês já ouviram falar de mega-produtor de alface? Ou de mega-produtor de beterraba? E de mega-produtor de mandioca?
O capitalismo não passa de uma piada de mau gosto! É preciso reinventar o capitalismo, antes que ele acabe conosco! É preciso dar um foco SOCIAL ao capitalismo!
Angelo Frizzo
Os dados oficiais:
Os agricultores da chamada "agricultura familiar" -incluindo os assentados-são responsáveis por 70% da produção de alimentos para os Brasileiros.
Eles possuem apenas 15% da área plantada, e, são responsáveis por 70% dos empregos e/ou trabalhadores do campo.
E por ai vai….
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