“Bibi, sua mãe sabe que você é pirata?”

Tempo de leitura: 4 min

31/5/2010

Richard Walden*, Huffington Post , tradução de Caia Fittipaldi

Em agosto de 1982, chefiei uma missão de auxílio humanitário ao Líbano, dois meses depois que Israel invadira o país.

O que se iniciou como incursão militar limitada, para deter ataques com mísseis contra sua fronteira, lançados pelo que então se chamava “forças da OLP”, e incursão em torno da qual Israel mobilizou todo o apoio da comunidade de judeus nos EUA e na Europa Ocidental, rapidamente despertou fundadas suspeitas de que a resposta israelense era (estava, então, sendo) desproporcional à agressão. A Força Aérea de Israel destruiu mais de 45 MIGs sírios, sem perder um único avião; inutilizou baterias antiaéreas em todo o território libanês e também em território sírio; e, ao mesmo tempo, manteve seus tanques em avançada continuada para o norte, em avanço sobre a capital, Beirute – avanço que nenhum exército israelense jamais sequer se atrevera a tentar.

Rapidamente, a simpatia pelos sofrimentos de civis israelenses, em todo o mundo, converteu-se em indignação. Em Los Angeles, o boletim diário que o consulado israelense emitia para seus grandes apoiadores judeus, doadores e financiadores, foi repentinamente cancelado depois de cinco dias de boletins em que só se louvavam os sucessos israelenses. Até os maiores ‘parceiros’ de Israel começaram a manifestar horror e indignação contra o que toda a opinião pública já definia como objetivos militares e políticos distorcidos e ambíguos.

Reunindo fundos exclusivamente privados, a ONG “Operation California” (hoje já mundialmente conhecida como “Operation USA”, fundo de ajuda humanitária constituído de recursos exclusivamente privados), anunciou a partida, rumo ao aeroporto de Beirute, do primeiro avião carregado com produtos de socorro e alimentos. Antes de que chegássemos lá, com 40 toneladas do que reuníramos, Israel bombardeou o aeroporto de Beirute, fechando-o completamente para voos comerciais e de socorro humanitário.

Fomos obrigados a voar para Larnaca, no Chipre, e alugar um barco de transporte de carga, para viagem de 16 horas. Nossa viagem e nosso esforço humanitário foi amplamente divulgado. Alguns grupos ofereceram-se para entregar os produtos aos militares israelenses dentro do Líbano, para distribuição nas áreas ocupadas – ideia que imediatamente (e indignadamente) rejeitamos.

Enquanto voávamos de Los Angeles para Chipre, as potências mundiais e a ONU negociaram um cessar-fogo que incluía a imediata evacuação de cerca de 14.000 combatentes armados da OLP, reunidos no porto Beirute, para o Chipre… com todas as armas… e para que fossem imediatamente transferidos, do aeroporto de Larnaca para vários países árabes que se dispunham a acolhê-los e, em seguida, devolvê-los aos países de origem. Nosso cargueiro DC-8 aterrizou em Beirute e taxiou diretamente para uma área do aeroporto onde uma multidão de combatentes completamente armados da OLP esperavam pelo avião que os levaria para Argélia, Líbia e outros países que lhes haviam concedido asilo.

Um alto funcionário dos EUA, da embaixada dos EUA em Beirute – cuja recepção e atenção nós não havíamos requisitado, mas que lá estava por excesso de atenção da própria embaixada –, veio ao encontro do nosso avião e elogiou o nosso esforço humanitário. Nossos produtos deveriam ser distribuídos através do Conselho das Igrejas do Oriente Médio, para cristãos libaneses, muçulmanos e palestinos, por critérios que só consideravam as necessidades manifestas e sem beneficiar prioritariamente qualquer grupo.

O Conselho de Igrejas já fretara a barca-transportadora e as 40 toneladas de produtos foram levadas às docas, acompanhadas por um repórter do LA Times, um editorialista de uma agência de notícias e quatro funcionários e voluntários da nossa organização “Operation California”.

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Essa equipe, à qual se juntaram alguns (cerca de dez, no máximo) civis libaneses, que pagaram ao capitão da barca-transportadora para viajar conosco, lá se foram, com os produtos que nos cabia entregar no Líbano, para uma travessia que se esperava tormentosa, rumo a uma zona de guerra.

O que não sabíamos é que a mesma barca-transporte, antes, transportara vários combatentes armados da OLP, que haviam viajado de Beirute para Chipre, sob proteção internacional. Nessas circunstâncias, voltar para Beirute, depois de descarregar em Chipre a carga de militantes e suas armas, protegidos por observadores internacionais, não pareceu ser operação que necessitasse de proteção especial. Mas, nas primeiras horas da madrugada, fomos parados em alto mar, por embarcação não identificada, super armada, e evidentemente de israelenses. Aparentemente, os israelenses suspeitavam que os combatentes da OLP tivessem deixado as armas na barca, para que fossem reintroduzidas clandestinamente em Beirute.

Assim, invadiram uma barca que transportava comida, remédios e roupas, de missão humanitária chefiada por um judeu, acompanhado por mais dois cidadãos norte-americanos e judeus, um dos quais tinha contatos importantes dos dois lados: tanto dentro do governo de Israel quanto na comunidade de judeus norte-americanos. De fato, tínhamos “testemunhas” de tudo o que ali acontecesse.

Decidi que estávamos sendo atacados por piratas (quem, se não piratas, em barco armado e sem bandeira, abordam barca-transportadora, de madrugada, em pleno mar?). E perguntei ao comandante, quando ele e um grupo armada abordaram nossa barca: “Sua mãe sabe que o senhor é pirata, capitão?” Ele respondeu imediatamente, sem pausa: “Você é judeu. Só um judeu, nessa região, se atreveria a me dizer isso.” Eu disse a ele que nossa equipe não incluía militares, que estávamos em missão de ajuda humanitária e que um alto funcionário da embaixada dos EUA no Líbano revistara a carga e tinha em mãos uma cópia do manifesto-de-carga embarcada. Ele reuniu seus homens, voltaram todos aos seus barcos e partiram.

Relembrei tudo isso, 28 anos depois, ao saber que uma flotilha de seis barcos, transportando 800 voluntários, acabava de ser abordada e atacada em águas internacionais, ao aproximar-se da costa de Gaza, onde esperava entregar centenas de toneladas de material de ajuda humanitária. Hoje, Israel tenta justificar o assassinato de pelo menos nove pessoas (civis, voluntários) que ali viajavam, ferimentos em muitas outras, e prisão-sequestro de centenas. Diz que o ataque de pirataria não foi autorizado pelo governo de Israel. O ataque ocorreu em águas internacionais, em ponto distante 75 milhas náuticas da costa de Gaza.

Minha experiência de quem já levou ajuda humanitária a 99 países, ao longo de 31 anos, me autoriza a dizer, sem hesitar, que entregar qualquer tipo de ajuda na Cisjordânia/Gaza/Palestina é missão extremamente difícil. Não bastasse o governo israelense não autorizar e bloquear qualquer tipo de ajuda humanitária aos palestinos, também já obriga o Egito – que covardemente obedece –, a fechar a fronteira sul de Gaza.

A situação geral é mais grave hoje, do que no domingo passado. Os dois lados endureceram. Israel pode ter queimado absolutamente as boas relações que a ligavam à Turquia (e esse efeito não muda, tenha sido a ação pirata autorizada, ou não, pelo governo Netanyahu); o governo Obama – preso como refém, hoje, no ciclo eleitoral (e da dependência do dinheiro-de-campanha dos doadores judeus norte-americanos) – nada fará que altere o antiquado padrão de Washington; os europeus dificilmente aprovarão sanções contra Israel por prática de crimes seriais; tampouco criticarão Estados árabes que também apoiam atos de violência. Não há hoje qualquer, nem remota, possibilidade de paz naquela região.

* Richard Walden é presidente da ONG “Operation USA”

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Comentários

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Luciana

"Esperávamos que eles atirassem para o alto, em direção a nossos pés para nos assustar.Imaginávamos que eles fossem tentar jogar redes nos nossos motores, deixar a gente a deriva no meio do mar, mas nunca imaginamos isso.Depois da abordagem, os passageiros foram algemados, misturaram todos nossos pertences(roupas, laptops, etc.).Os ativistas voltaram para a Turquia com a roupa do corpo e seus passaportes.Câmeras, celulares foram confiscados.Lee revela que consegui salvar fitas com imagens do ataque, brevemente virá divulgar, ao mundo".

Roupas pretas, camuflagem, abordagem violenta, tiros na cabeça, tratamento a ativistas sociais como se fossem criminosos ou inimigos, tiros na cabeça, matança este método conhecemos.

Luciana

"judeus doadores da campanha do presidente Obama". Este é o grande problema o dinheiro dos judeus no mundo "as doações de campanha", dominam a política, exercem poder de interesses privados e vão excluindo quem não é do grupo.Concordo com Kalango Bakunin, estão criando outro Israel na América do Sul.
A cineasta brasileira Iara Lee, afirma em entrevista que passageiros do barco em que viajava "viram soldados atirando corpos no mar".Lee afirma que os atiradores de elite do exército de Israel entraram no navio atirando, que pelas contas dos ativistas são 19 pessoas mortas, muitos desaparecidos e feridos em estado gravíssimo em hospital em Tel Aviv.
O operador de Internet do Mavi Marmara (barco no qual ela viajava) foi morto com tiro na cabeça."Eram atiradores de eleite , todos vestidos de preto e armados".

Tweets that mention “Bibi, sua mãe sabe que você é pirata?” | Viomundo – O que você não vê na mídia — Topsy.com

[…] This post was mentioned on Twitter by Mauricio Alves, Gustavo Ferroni. Gustavo Ferroni said: “Bibi, sua mãe sabe que você é pirata?” – http://tinyurl.com/2eacuos (via @viomundo) […]

abilio

Se o Obama tivesse uma gota de dignidade devolveria o prêmio Nobel da Paz. Ele é mais um covarde, uma vergonha de presidente, cuja moral, demonstrada nesse episodio facista-judeu, bem com no acordo Brasil-Turquia-Irã, não o capacita nem mesmo para limpar os sapatos de Lula. Obama é pior que proprio Bush Jr., pq pelo menos esse último não se escondia em pele de cordeiro.

VanderResende

Ea batalha de versões continua. No deixa de ser interessante ver os malabarismos verbais e visuais que tentam corroborar a versão de auto-defesa dos comandos. Comandos militares altamente treinados de Israel, portando armamentos de última tecnologia, que se defendiam dos membros da frota humanitária. Estes agressores que portavam facas e cadeiras. Facas contra metralhadoras e bombas de gás, realmente os comandos tinham com o que se preocupar.

dukrai

se a covardia tomou conta dos EUA e Europa, então resta juntar mais e mais ativistas porque israel não é uma fortaleza indestrutível e a infâmia terá um fim, não como destino traçado mas um caminho construido. Pra começar, que israel seja expulso como parceiro privilegiado do Mercosul, que os seus produtos sejam boicotados e que a comunidade judaica seja chamada a se posicionar.

    Jairo_Beraldo

    O problema é fazer com que Israel seja punido. Eles tem dinheiro, e compram muito dos países do mercosul. É o tipo de cliente que ninguém quer perder. Mas nós, sim podemos boicotar seus produtos.

    Rosko

    Sim, devemos boicotar.
    Faço isso a muito tempo em consideração aos palestinos e a todos os oprimidos deste mundo.

Urbano

Como não é normal se elogiar o letrista de uma música, mais difícil ainda é elogiar e agradecer a quem traduz um texto, que sem esse trabalho, pessoas iguais a mim ficariam a ver navios. Portanto, Caia Fittipaldi, meus agradecimentos por seu belo trabalho neste e em textos outros.

Pedro Luiz Paredes

Israel esta fazendo treinamento militar e aumentando contingente para atacar o Irã.

Carlos Marques

O povo judeu como um todo não merece o que a política insensata, belicista e cruel do Estado de Israel, notadamente de seus últimos governos, lhe está preparando: uma nova diáspora. Assim como alguns insanos tentam justificar ou negar o holocausto, indiferentes ao imenso sofrimento do povo judeu – conheço alguns – é insanidade idêntica pretender justificar os crimes do terrorista Estado de Israel, como se vê aqui e ali na blogosfera e na grande imprensa medíocre, partidarizada e antinacional. Na escala temporal própria da História, fora da paz, o Estado Hebreu não tem futuro, porque as consequências de suas ações criminosas se voltarão inexoravelmente contra os próprios judeus. A brutalidade militar é ineficaz a partir de certo limite. Se a paz que o admirável Sílvio Tendler prega em carta que circula na Internet não vier a prevalecer, o fim do Estado de Israel será inevitável a longo prazo, em meio ao mar de árabes e ao desprezo e isolamento no mundo. Vale repetir que nova diáspora está sendo construída pelo Estado de Israel, até porque quem o sustenta politica, economica e militarmente caminha a olhos vistos para a decadência.

Jorge Leite

Há coisa de 10-12 anos, em plena era neo-liberal, li um livro do maravilhoso Chomsky (Novas e velhas ordens mundiais) que ainda é extremamente atual. Todo o livro é excelente, mas o último capítulo (que trata do problema da Palestina e Israel) eu li meio sem interesse… Depois que li, passei a entender o que se passa lá: simplesmente Israel é um "enclave" americano para patrocinar a discórdia na região e impedir o pan-arabismo tão temido pelos gringos (por causa do petróleo e etc). Outro componente que agrava a situação é a escassez de água.
A ordem é bem simples: nunca permitir a paz. Qualquer acordo deve ser sabotado e desobedecido escancaradamente para que não haja a menor chance de paz na região. E, ao que vemos, Israel segue à risca…

O Brasileiro

Para Ele, centenas de anos representam menos do que alguns milésimos de segundos para nós!!!

kalango Bakunin

Israel e os USA parecem haver formado um 4o. Reich contra a humanidade
hitler também foi eleito democraticamente e deu no que deu…
hitler também teve como aliados vários governos europeus e até o apoio do Vaticano

agora o 4o Reich está criando outro Israel na América do Sul
apoiado pela 5a Coluna da direita anti-brasileira
que fala mal de Evo Morales mas poupa Uribe, o Netanyahu Colombiano

Jairo_Beraldo

"Não há hoje qualquer, nem remota, possibilidade de paz naquela região." Penso que agora, a diplomacia brasileira marcará presença forte, para desespero da "Hilaria" Clinton e Israel….vão ter que prestar contas para as novas potencias diplomaticas!

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