Vladimir Safatle: Fazendo de conta que não é com eles

Tempo de leitura: 2 min

Vladimir Safatle: a farsa dos militares e as raposas no ar

É possível que, em algum momento na história do Exército brasileiro, ter senso de humor tenha sido condição para integrar suas fileiras.

Por Vladimir Safatle, na Folha de S.Paulo, via Vermelho

Era bom ter um tipo de humor típico dos desenhos animados em que a raposa persegue sua presa e acaba não percebendo que o chão acabou. Ela continua correndo, mas no ar. Todos veem que seus movimentos são irreais, menos a raposa. Até o momento em que a farsa não tem como continuar e a raposa cai.

Alguns militares responsáveis por crimes contra a humanidade, como tortura e terrorismo de Estado, agem até hoje da mesma forma. Eles continuam correndo no ar, como se o que todos enxergam não devesse ser levado a sério.

Vez por outra, eles nos escarnecem ao irem à imprensa e falar que nunca torturaram, sequestraram e ocultaram cadáveres, até porque, segundo os próprios, nem sequer houve tortura como prática sistemática de Estado. Operação Condor foi delírio de documentarista desempregado.

Em breve, eles nos convencerão que nem sequer houve ditadura militar. Tudo teria sido só um conjunto de medidas preventivas para impedir o “grande golpe comunista”, inexoravelmente em marcha.

Há alguns meses, o antigo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, nos mostrou um pouco dessa arte cômica ao afirmar que Vladimir Herzog se suicidou, já que era uma “pessoa assustada e não preparada”.

Dias atrás, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi entre 1970 e 1974 (ou seja, no momento mais negro e brutal da história brasileira), nos mostrou a mesma habilidade ao dizer, nesta Folha, que nunca torturou ninguém, que a história contada por Persio Arida a respeito de sua tortura era uma farsa.

Da mesma forma, teria sido uma farsa a acusação da então deputada federal Bete Mendes ao identificá-lo, no começo da década de 80, como aquele que a tinha torturado. Ao ser réu em uma ação declaratória de tortura e sequestro impetrada pela família Teles, o coronel mais uma vez não titubeou e simplesmente negou tudo, mesmo que o juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo tenha julgado a ação procedente.

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Em qualquer outro país, torturadores como o coronel Ustra estariam na cadeia, tal como foram presos militares que fizeram o mesmo — como Manuel Contreras e responsáveis por crimes contra a humanidade, como Jorge Videla, Ernesto Galtieri e companhia. Aqui, eles podem continuar a correr no ar.

Assim, convivemos com responsáveis por crimes hediondos que acreditam poder apagar a história, insultar a memória, deixando a ameaça velada de quem diz: nunca fiz isso e, como nunca fiz, ninguém pode me impedir de não fazer novamente. Enquanto isso, ficamos esperando as raposas caírem.

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Comentários

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Cláudia M.

Maravilhosa análise, a do professor Safatle. Tá cada vez mais raro, mas a USP, tão humilhada pelo tucanato de alta estirpe, ainda tem do que se orgulhar.

Antônio de Sampaio

Mas e sobre os terroristas de esquerda que queriam implantar uma ditadura comunista no Brasil??? nada?

    Pitagoras

    e comiam criancinhas, né mané?

edu

País de frouxos, povo frouxo, políticos ultra frouxos, militares carniceiros e defendidos por outros militares que ao invés de limpar o nome da instituicão insistem em carregar o cadáver da ditadura mesmo sem ter participado dela, enfim um paisinho de merda com um legislativo executivo judiciario e povo idem.

Gerson Carneiro

Quer mais: a Folha de São Paulo (aquela da ditabranda) contratou como colunista o torturador e sequestrador coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Nesse caso o coronel Ustra anda pelo ar em um aviãozinho feito por Folha de jornal.

leo

E foi com eles?
Pra que se preocupar? Tão no "País da Concórdia", do consenso, sem revanchismos (como reforçou a presidenta) e, mais ainda, sem culhões.

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