por Vladimir Safatle, em CartaCapital
As eleições municipais deixam questões importantes referentes ao desdobramento da política brasileira dos próximos anos. Novos fenômenos parecem se configurar lentamente e que podem ganhar forma mais definida daqui para a frente.
O primeiro deles diz respeito ao eixo de conflito no cenário político brasileiro. Tal eixo se duplicou. Até agora, os embates realmente decisivos deram-se entre a oposição e o bloco governista. Mas, por um lado, a oposição hoje se resume a um só partido, o PSDB. Os outros dois sócios preferenciais, DEM e PPS, estão em processo lento e contínuo de desintegração. Isso faz com que o PSDB acabe por ser a legenda de ressonância de todo o espectro da oposição, de liberais egressos das fileiras da esquerda moderada a pastores que transformam o combate à modernização dos costumes em bandeira política e coronéis de polícia que não temem em afirmar que “bandido bom é bandido morto”.
Por outro lado, um novo eixo de conflitos se configura. Ele concerne os embates, cada vez mais violentos, no interior da própria coalização governista. A linha de conflito entre PSB e PT é apenas o exemplo mais evidente dessa tendência. Devemos lembrar também o verdadeiro embate entre PT e PRB em São Paulo. Ele é mais interessante por mostrar o resultado da ausência de basteamento ideológico do lulismo. PT e PRB disputaram os mesmos votos da chamada nova classe média que vive nas periferias de São Paulo. Uma disputa que mostra como o lulismo podia abrigar tanto a adesão ao PT quanto a simpatia pelo populismo conservador de Celso Russomanno.
Em conferências e artigos, insisti que Russomanno deveria ser compreendido como uma espécie de filho bastardo do lulismo muito bem adaptado a um processo de ascensão social pautada pela integração por meio da ampliação das possibilidades de consumo, e não da solidariedade social pela constituição de serviços públicos gratuitos de qualidade. Ele ainda tinha vantagem de não precisar representar um conservadorismo anti-Lula, verdadeiro calcanhar de aquiles dos embates eleitorais brasileiros.
Alguns viram na fantástica desidratação de sua candidatura a expressão do caráter equivocado dessa análise. Não creio, porém, que seja verdade. Sua votação continuou incrivelmente expressiva, ainda mais por se tratar de um candidato sem estrutura partidária. Sua votação mais que triplicou em São Paulo em relação à sua última candidatura a governador.
Ficou claro que Russomanno ganhava votos nas bases orgânicas do lulismo. Se esses votos migraram novamente para o PT, tal fenômeno deve ser creditado, entre outras coisas, à incrível inabilidade do candidato do PRB em garantir novos tetos de credibilidade diante de ataques cada vez mais pesados. Mas fica o fato de ele expor a ausência de basteamento ideológico do lulismo e sua fragilidade eleitoral evidente. Russomanno expõe um eixo de conflito na política brasileira que gira em torno dos espectros ideológicos no interior da própria coalização heteróclita que caracterizou esta última década da política brasileira.
Vale salientar mais dois fenômenos importantes. O primeiro deles diz respeito à abertura para o desenvolvimento de uma esquerda fora do espectro do PT. Um dos partidos que tiveram maior crescimento proporcional de votos foi o PSOL, graças à suas candidaturas no Rio de Janeiro e em Belém. A votação no Rio foi um fato impressionante, se levarmos em conta a ausência de tempo de televisão e de infraestrutura de campanha. Caso isso continue nas próximas eleições, teremos um partido de extrema-esquerda que se coloca como a segunda legenda em um dos estados mais importantes da federação.
O outro fenômeno: a comparação entre as votações do Rio de Janeiro e de São Paulo expõe algo de interessante referente à ideologia política nacional. O mapa dos votos de São Paulo, acrescido a uma pesquisa que organizava os eleitores no espectro polar entre conservadores e liberais, mostra como há uma unidade territorial e perenidade temporal conservadora claramente definida em São Paulo. Os eleitores de Pinheiros ou do Jardim Paulista não são simplesmente antipetistas. Eles são organicamente conservadores, pois votam em candidatos conservadores desde há muito de maneira ininterrupta. Seu voto não é um voto de desencanto com o governo federal, mas um voto de explícito apoio ideológico, mesmo que eles não saibam.
Como explicar que eles continuem a votar entusiasticamente no pai espiritual de um dos prefeitos mais mal avaliados do País e da história recente da cidade? Que tipo de indignação moral seria esta que os move e que é surda para todos os casos de corrupção da prefeitura, do mensalão tucano e das acusações contra José Serra ligadas ao processo fernandista de privatização? Nesse modo de avaliação, os eleitores da classe média carioca são muito mais flexíveis do ponto de vista ideológico. Podem ir da extrema-esquerda do PSOL ao liberalismo cool de Fernando Gabeira.
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Comentários
Bernardo
Aos que dizem que o PSOL não é de esquerda.
Realmente corre o risco de não ser, justamente pelo setor do partido que é mais próximo do PT, a Ação Popular Socialista. Eu milito para que seja e que seja um partido revolucionário.
E aliás, agora é Safatle governador! Quero vê-lo dando um pau no Padilha. Chora petistada.
francisco pereira neto
Esse “fenômeno” Russomano, para mim não passa de mera ilusão. Não tem nada de voto anti-petista ou coisa que o valha.
Se isso fosse verdadeiro, teríamos que dar muito maior importância a votação que a PV Blablarina teve na última eleição presidencial com o suporte financeiro do bilionário dono da Natura.
O objetivo dela seria transformar o Brasil numa imensa ONG internacional de maneira que o Ibama seria obrigado a multar até quem matasse uma barata.
Agora, as madeiras que o marido dela vendeu ilegalmente pode! Discurso para trouxa ouvir.
Lamento, mas a capacidade premonitória do Safatle está completamente furada.
Eu faço um desafio. Nada do que ele escreveu vai acontecer, mas eu afirmo que o PSDB vive nos seus estertores.
PSDB só existe em São Paulo, e o seu final começa com a derrota para a eleição da capital. Poderia ser por qualquer partido, mas será inapelávelmente enterrado pelo Haddad, de longe o melhor candidato.
Na verdade eu queria o Haddad, como candidato a governador. Mas ele é jovem e ainda vai ser o nosso governador.
Hiro
Interessante e sério mesmo essa votação graúda em SP, em relação a um candidato ‘poste’ de bispos medievais… É urgente uma discussão amplo sobre esse caso, pois esse fenômeno é realmente preocupante. Mas, sobre a conclusão bairrista sobre a elite do RJ, é um equívoco. Por extremo conservadorismo histórico, o PT como processo de construção resultante de movimentos e lideranças trabalhistas, nunca se enraizou no RJ, diferente de SP, com exceção de Benedita. O PT foi destruído no RJ devido suas próprias elites ultraconservadoras e o PiG. Logo, representantes e partidos progressistas, surgem apenas como alternativas dadas e não como construções sociais em eleições recentes. Em vez do psol, poderia ser o pdt ou mesmo o gabeira, p.ex, no RJ. Se a classe média paulistana é tão mais conservadora assim, pergunto: como SP teria eleito Erundina-PT em fins dos anos 80? E Marta-PT, em fins dos anos 90-2000? Ou mesmo em Haddad-PT, no primeiro turno, sabidamente um indicado direto de Lula? Ora, tanto a elite do RJ quanto a de SP, são odiosas e não possuem absolutamente nenhuma “flexibilidade ideológica”.
Joao Carlos
Pelamordedeus!!!!!!! A arrogancia dos petistas é fora de série.
Fabio Passos
A quase extinção de pps e dem, assim como a derrota acachapante do psdb, são um sinal indiscutível de que o PiG está cada vez mais isolado. E isto é muito bom para o Brasil.
Francisco
O PSOL não é um partido de esquerda, é um partido adolescente…
denis dias ferreira
Desde quando o PSOL é um partido de extrema-esquerda?! O Russomano é apenas um fenômeno meteórico que de quando em quando volta a passar perto da Terra. Não é,de maneira alguma, filho bastardo do lulismo. Se filho bastardo for, muito mais provável é que o seja dos evangélicos. No Rio, guardadas as nenhumas diferenças, o Freixo é o Russomano carioca, ou seja, é um fenômeno mais astronômico do que político. Seus eleitores são uma combinação de truculentos opositores da Dilma e de banhistas pseudo-intelectuaizados da alta classe-média carioca, filhotes dos adeptos remanescentes da bossa-nova e saudosistas da garota de Ipanema. O prof. Wladimir conhece filosofia, mas como ainda é muito jovem, conhece muito pouco as sutilezas da política nacional.
Vinicius Garcia
PSOL de esquerda? Ele se diz esquerda, mas suas ações são contradizentes. Portanto não é.
Marcos W.
O PSOL será um partido de extrema esquerda, se realmente é, até o momento em que assumir um governo qualquer!
Urbano
E nem terminaram as eleições em boa parte do país e geraaaldo, o obrador, já anunciou sua primeira grande obra para a Cidade do Recife, que é a implantação de um inédito pedágio. Como os inocentes podem ver, ele começou exatamente por onde não prometeu. Agora esperem tão-somente quando eles começarem pelo que prometeram; aí certamente a alegria vai ser maior. Essa turma não sabe o que é um balaio repleto de demos, tunganos, dudu moita e jarbarrabás vãsconselhos…
Willian
Acho que o PT sonhou que no dia que o PSDB foi eliminado ele se tornaria o partido hegemônico, sem opositores e governaria tranquilo apoiado em sua ampla base de apoio. Esqueceu-se, no entanto, que a luta pelo poder é eterna, e na medida que a oposição tradicional se esfraquecesse, uma nova oposição surgiria dentro de sua própria base de apoio.
Não sou dado a previsões, mas vejo no horizonte que Eduardo Campos aparecerá muito na blogosfera progressista nos próximos anos.
Negativamente, é claro.
Ricardo JCR
Doce ilusão sua de que qualquer dos partidos nao sonha em se tornar hegemônico. Esta e a própria razão de existirem como pólos de poder…infelizmente. Ou você pensa que Sérgio Motta vislumbrou 20 anos no poder, dividindo a cabeça da chapa com o PFL? Facíl e dizer que o PT e assim, agora que ele e, de fato, dominante. E evidente que novos pólos oposicionistas surgiriam, mas o fenômeno e mais rápido do que se poderia imaginar, já que quem comanda este processo agora e a nossa mídia privada, tao ansiosa por alguém que desbanque Lula e o PT. A velha oposição tende a desaparecer, já que FHC, Serra e até Aecio jamais vão conseguir encantar novamente nosso povo com esse velho discurso de modernização do Estado. Todos já entenderam que isso e mentira. Quanto a Eduardo Campos, nenhum problema, exceto pelo fato de que se esta deixando usar (vide BH) para jogar um jogo que lhe favoreça, pessoalmente. Se ficar junto de Aecio, como parece, vai sim virar alvo nos blogs progressistas…e com razão.
Ricardo JC
Concordo com alguns pontos, porém discordo de outros. Em primeiro lugar, não acredito no crescimento do PSOL. O que ocorreu no Rio de Janeiro foi uma expressão do “freixismo” (para usar o termo usado pelo próprio autor para Lula). Dizer que a maciça votação em Marcelo Freixo representa o aparecimento de um pólo de extrema-esquerda (por ele ser do PSOL) é pura ingenuidade. Marcelo Freixo ganhou votos impulsionado por uma outra face da política, muito importante no Rio de Janeiro, o combate ao crime organizado. O discurso dele não tem nada de extrema-esquerda e sequer aborda aspectos importantes deste campo político, como uma atuação mais forte do Estado em saúde, educação, transporte (???) e etc.
Concordo que o PT vem buscando votos de um eleitorado mais despolitizado. Na verdade, ele se adaptou e se preparou para ganhar eleições, uma vez que o discurso ideológico acabou levando o partido a seguidas derrotas nas urnas. É uma estratégia válida, em minha opinião, que somente ficou prejudicado pelo fato do próprio PT não aproveitar este capital político para, de fato, transformar a nossa sociedade através de um modelo de atuação do Estado mais presente. O partido se acomodou nas vitórias eleitorais (que ainda estão acontecendo, é verdade). O modelo de governo do PT está se esgotando, a olhos vistos, e logo logo este mesmo eleitorado vai começar a cobrar a fatura. Vai fazer falta ao PT não ter investido no bem-estar social dessa nova classe média, com a melhoria da educação e saúde públicas, por exemplo. Lá na frente, quando a oposição vencer a eleição (não sei quando, mas vai acontecer) e desmontar o que sobrou de Estado, vão olhar para trás e se arrepender de não terem transformado isso em um patrimônio inalienável de nossa sociedade.
Em relação à luta política, com o quase desaparecimento do DEM e do PPS, restou apenas o PSDB para fazer oposição? Ledo engano. A direita é muito mais dinâmica que a esquerda e se movimenta com muito mais velocidade para ocupar os espaços. Não nos enganemos, o PMDB é um partido de oposição, em potencial (já que no momento que o jogo virar ele vai para o outro lado) e o PSB está sendo incentivado, claramente, a ocupar este espaço de oposição ao PT…e estão gostando muito desta ideia. Logo, logo os mais conhecidos oposicionistas de Lula estarão cerrando fileiras junto a Eduardo Campos (que se presta muito bem a este papel) para sacar fora o PT do poder.
eduardo souto jorge
Observei quando estive no Rio em julho/agosto , que os eleitores do PSOL, sao os mesmos 10% dos votos do Gabeira em 1986, quando concorreu a prefeitura pelo PT. Os outros 10%, sao os opositores do Lula/PT/Dilma. Eleitores estes que vao da extrema direita, ate os mauricinhos e patricinhas orfaos do Cesar Maia, passando pelos intelectualoides que pensam que governar uma cidade como o Rio, ou o Brasil e’ o mesmo que governar Maromba, la em Maua.
Ivan Martins
Ricardo, posso concordar que o discurso do Freixo não foi de extrema-esquerda. Mas foi, claramente, de esquerda, coisa que o Rio não tinha expressivamente há uma década, pelo menos. Ele nunca foi uma figura do combate ao crime organizado pura e simplesmente. O destaque dele foi no combate às milícias, que não é o crime em geral, mas o crime ligado umbilicalmente com a estrutura de segurança pública e com a política atual do Rio. O combate ao crime organizado que ele realizou e do qual extraiu prestígio foi realizado pela esquerda e se politizou, criticamente. Os outros pontos que atraíram eleitorado pra ele foram as tradicionais bandeiras da ética na política (especialmente contra o fatiamento do Estado entre os aliados eleitorais) e os direitos humanos. Bandeiras caras ao PT até 2003.
Quanto a ele não ter abordado a atuação do Estado em áreas sociais, isso é completamente infundado. O Freixo abordou à exaustão temas como o privilegiamento que deveria ser dado ao transporte ferroviário e a revisão das concessões das linhas de ônibus e do formato de concessão para as vans, condenou veementemente o recolhimento forçado dos dependentes de crack e a atuação de OSs na saúde do município, defendeu a exclusividade da contratação de médicos ser feita por concurso e a elevação dos salários e defendeu na educação todas as pautas defendidas pelo movimento dos docentes.
É fraca a tentativa de desqualificar politicamente a campanha do Freixo. Foi tudo menos uma campanha chapa-branca. Mirou no cerne de um projeto bizarramente elitista de transformação do Rio que é, aliás, bancada com dinheiro federal e com apoio na TV do Lula.
Valdeci Elias
Se o PSOL crescer, com sorte ele vai dividir a esquerda, e permitir que Serra ou Aercio ganhe a eleição de 2014 pra presidente.
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