Valton de Miranda à esquerda: “Sem organização, não adianta palavrório. A direita sabe que perdemos a capacidade de mobilização”; vídeo

Tempo de leitura: 4 min

Da Redação

Valton de Miranda Leitão nasceu em 1939 em Teresina (PI) e foi ainda criança para Fortaleza (CE).

Médico pela Universidade Federal do Ceará, especializou-se em psiquiatria e psicoterapia psicanalítica na Universi.

Sempre foi militante de esquerda.

Em 2017, recebeu do governo do Ceará a Medalha da Abolição.

Abaixo, a íntegra da entrevista que ele concedeu ao portal de governo na época. 

O senhor nasceu no Piauí mas se radicou no Ceará. Como se deu sua ligação com o Estado?

Nasci no dia 10 de novembro de 1939. Vim para o Ceará ainda menino. Aos oito anos, minha família decidiu me internar no antigo Colégio Cearense. Foram sete anos no internato. Foi meu “batismo de cearensidade”. Eles passaram um período morando em Natal e quando meu pai voltou a morar em Fortaleza eu já tinha 15 anos.

Decidi que não queria mais ficar no colégio interno, foi uma experiência penosa, mas bem construtiva. Inclusive tenho dois romances que falam dessa trajetória.

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Depois fui para o Colégio São João, onde fiz o que chamavam na época de ginasial. Éramos jovens, tínhamos muitos amigos que depois viraram professores, um deles foi o ex-governador Beni Veras, outro foi o professor Odilon Braveza. Muito do que aprendi devo a meu tempo lá também.

Sempre fui um garoto rebelde, difícil de conter, até por isso meus pais resolveram me colocar no internato. Fui me tornando um líder entre meus colegas até entrar na faculdade de Medicina.

O senhor tem uma militância ligada ao socialismo e se formou pela Medicina da UFC [Universidade Federal do Ceará] num momento turbulento, em 1966. Como foi esse período para o senhor?

Sempre andei entre militantes, passei por todos os partidos de esquerda, PT, PCdoB, fui um dos fundadores PSB.

Fui presidente do diretório acadêmico, do Diretório Central dos Estudantes, quando veio o golpe militar. Vieram a perseguir todos nós, fui preso umas duas vezes.

Por força da influência dos meus tios e parentes que são generais ligados às forças armadas, fui solto e me casei com a irmã de um dos meus colegas, Vanda Magalhães Leitão, professora da UFC, com quem estou até hoje.

Por todo esse processo, me tornei um líder de esquerda, escrevi livros sobre Psicanálise Política, pois me especializei em Psiquiatria depois que me formei.

Ainda durante a faculdade, fui ficando cego. Me chamaram para tentar resolver essa questão da visão fazendo um tratamento na Tchecoslováquia. Passei um tempo no leste europeu.

Em Moscou, fiz um discurso num auditório e o embaixador do Brasil disse para mim: “quando voltar ao Brasil você será é preso”.

Ele simpatizou comigo, mas mandou queimar o arquivo da gravação do discurso. Foi um processo interessante, toda uma caminhada. Sempre estive na esquerda, sempre soube meu lado, estive com Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, entre outros.

No senso comum ainda impera, para muitas pessoas, a ideia de que a Psicologia, a Psiquiatria ou a Psicoterapia são questões menores. Qual a sua avaliação sobre a importância desses ciências para o desenvolvimento da sociedade?

Com o capitalismo de consumo, criou-se uma imagem de que a doença só existe quando se manifesta fisicamente. A maioria das pessoas está doente é da mente, não do corpo.

Por força da venda, a ideia duma pílula salvadora é necessária para o mercado. Quanto mais se disser que não existem doenças psicossomáticas, melhor para os laboratórios, para a medicina tradicional, porque quer vender remédio.

Tudo é uma gigantesca engrenagem em que o mercado produz os seus fetiches para vender e lucrar. O lucro se coloca acima das pessoas. Então temos que lutar contra a maré.

Sabemos que essas coisas não podem ser resolvidas por esse caminho. Não vamos melhorar enquanto não tivermos uma compreensão humana da sociedade, que a patologia social não vai ser resolvida por uma pílula, que ela não é derivada do egoísmo do homem com a tendência do mercado de se apossar de tudo.

Há convivência pacífica do capitalismo com a mente humana?

É uma questão difícil, espinhosa. Sempre agi com firmeza e coerência. Não faço concessões. Sou capaz de dialogar até com o cão, mas se ele disser que tenho que fazer uma viagem ao inferno, ele que vá só, não estou disposto a isso.

Temos que aprender a lidar com um mundo tomado pelo egoísmo, egocentrismo, com o desejo de fazer o patrimônio crescer até o infinito.

Não entendo porque uma pessoa precisa acumular tanto dinheiro. No Brasil, há 46 ultrabilionários e uns 200 mil milionários, e é essa gente que manda no país.

Não consigo entender essa concentração de renda. É esse tipo de situação que me fez uma pessoa rebelde desde pequeno. Rompi com uma família tradicional rica no Piauí.

Eu convivo bem com eles, mas eles nem me chamam para discussão, pois sabem o quanto sou honesto. Me considero um rebelde que se tornou psicanalista e uso a Psicanálise para compreender a política. Acho que a luta social no mundo vai e tem que continuar.

O que é ser agraciado com a Medalha da Abolição?

Creio que eu mereço porque não devo nada a ninguém, além das amizades, claro. Sei o que é o Ceará, a bravura do cearense, a história do Dragão do Mar, de Bárbara de Alencar, dos grandes escritores cearenses. Esse processo é porque sou um abolicionista por natureza, quero abolir a pobreza, a desigualdade.

Por isso acredito que a medalha é algo muito valiosa, assim como já recebi a medalha Renascença, do Piauí. Acho que ela representa muito para mim, pois o Ceará é um celeiro de talentos. Quando fui estudar Psiquiatria e Psicanálise no sul do país [na Universidade Federal do Rio Grande do Sul], os gaúchos perguntavam se eu tinha lordose. Eu dizia que não, eu andava de pescoço empinado é porque eu merecia.

A Medalha da Abolição é tudo isso junto, essa produção de talentos, que tem a capacidade de questionar. Cearense é esse indivíduo que para onde vai se torna um astro do teatro, como Aderbal Freire, é essa figura que desafia as próprias habilidades, enfrenta a seca, é um jangadeiro.

O que o Ceará representa para você?

Não só fiquei no Ceará como passei a ter uma relação de amor com o Ceará. Acho que o cearense tem a cearensidade, expressão que conheci com o querido Djacir Menezes, que é a própria natureza revolucionária.

A geografia brasileira, como foi bem definida por Capistrano de Abreu, é um exemplo de cearensidade, como os que lutaram na Confederação do Equador.

 

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Zé Maria

De alguma forma, fora dos Meios de Comunicação Empresariais Tradicionais,
a Esquerda, especialmente o PT, terá de formular uma Estratégia, tal como
ocorre nos Países irmãos Sul-Americanos, dentre os quais se destaca o Povo
Chileno.

”Não são 30 centavos, são 30 Anos” de Opressão Neoliberal

A palavra de ordem da Unidade Social chilena, composta por movimentos
da sociedade civil, não se restringe ao Chile

O título acima, com a palavra de ordem da Unidade Social chilena, composta por movimentos da sociedade civil, não se restringe ao Chile. Primeiro no continente a implementar as políticas neoliberais do Consenso de Washington, o país andino, a partir da ditadura de Pinochet, tornou-se campo de testes; e passou a ser vendido como “modelo” para os demais países latino-americanos.

No Brasil, em particular o Brasil, economistas e jornalistas de mercado, liderados pela Globonews e Miriam Leitão, pregavam “o sucesso” dos planos econômicos adotados no Chile. Paulo Guedes, ministro de Bolsonaro, anunciou várias vezes, com apoio dessa imprensa, que pretendia adotar no Brasil as mesmas reformas feitas no país andino por Pinochet.

A revolta no Chile e, agora, a derrota de Macri na Argentina, com a vitória de Alberto Fernández/Cristina Kirchner neste domingo (27.10) mostra que as pessoas estão constando que o neoliberalismo não funciona, e estão reagindo, nas urnas e nas ruas.

Quando Bolsonaro classifica de “gravíssimo” e chama as manifestações chilenas de “atos terroristas”, ele revela o medo que tem de um possível contágio. E com razão. Paulo Guedes, seu superministro da economia, que até agora só fez aprofundar a crise, esqueceu de observar que a “Suíça” latino-americana só funciona para os de cima; na base, a desigualdade de oportunidades e direitos é imensa.

O que vemos no Chile é uma autêntica revolta popular. Os chilenos não aceitam mais viver sob o signo da barbárie neoliberal. E estão gritando isso para o mundo.
Um grito que fazemos questão de multiplicar na editoria “As veias abertas da América Latina: eleições, revoltas e violência”, em textos e poadcasts, com análises de grandes intelectuais de esquerda do Cone Sul.

Participam o jornalista argentino Martín Granovsky; a porta voz do movimento feminista 8M, Constanza Cifuentes; o economista argentino Julio Gambina; o jornalista chileno Tebni Pino Saavedra; o ex-ministro de Evo Moraes, José Hugo Moldiz Mercado; a presidente da CUT chilena e coordenadora da Unidade Social, Bárbara Figueroa; o escritor chileno Paul Walder; o diretor da revista Punto Final, de Santiago, Manuel Cabieses; o escritor Juan Pablo Sutherland; e outros virão…

Não poderia deixar de destacar a extraordinária colaboração que estamos recebendo dos companheiros do Centro Latinoamericano de Análisis Estratégico (CLAE), militantes pela comunicação democrática, como Aram Aharonian, fundador da TeleSur e atual editor da CLAE, FILA e Nodal, que recomendamos muito a leitura. Contamos também com um correspondente em Santiago, o repórter Victor Cariccari Saavedra.

Aproveito para destacar, desse material selecionado para você, o vídeo de cinco minutos apenas, com as reivindicações da Unidade Social chilena:
(https://youtu.be/-4Y7uHXsSIk)

Proposições que extrapolam as nossas fronteiras geográficas, afinal,
elas dialogam e muito com a realidade brasileira (confira as reivindicações
no original: https://www.eldesconcierto.cl/2019/10/22/plataforma-unidad-social-convoca-huelga-general-nacional-para-este-miercoles-y-jueves).

Vejamos:

1 – Os chilenos exigem imediata revogação do Estado de Emergência.
Nós também. Ou alguém duvida que estamos em Estado de Emergência?

2 – Os chilenos exigem o retorno dos militares aos quarteis.
Nós também, inclusive, que alguns voltem aos pijamas.

3 – Os chilenos exigem uma greve legislativa.
Nós também.

4 – Os chilenos exigem a retirada de todas as leis que violam as liberdades e os direitos sociais, econômicos e culturais do povo.
Nós também.

5 – Os chilenos exigem a definição e implementação de um pacote de medidas econômicas urgentes no campo dos direitos sociais para os trabalhadores.
Nós também.

6 – Os chilenos exigem a convocação imediata de uma Assembléia Nacional Constituinte, composta por um majoritário arco de representantes sociais, para desenvolver uma nova Constituição, que abra caminho para um novo modelo de sociedade inclusiva e ponha fim ao modelo neoliberal em crise terminal.
Nós também.

7 – Os chilenos exigem a renúncia do Presidente da República.
E nós? Quando exigiremos a renúncia do Presidente?

Motivos sobram.

Desde a negociação predatória do patrimônio nacional – e são empresas lucrativas (Petrobras, Embraer…) –;
passando pela entrega da soberania nacional, vide a base de Alcântara;
até a negociação (não menos predatória) dos direitos sociais, humanos, trabalhistas da população.
O que vemos é uma verdadeira política contra o povo trabalhador, iniciada
pelo governo Temer, com a aprovação do Teto de Gastos, congelando
o orçamento de áreas vitais para o país, como saúde e educação.

Não bastassem esses males, que provocam desemprego, violência, criminalidade,
o que vemos é suspeita atrás de suspeita, denúncia seguida de denúncia contra
a família Bolsonaro, e nenhuma investigação.
O caso Queiroz é um tapa na cara dos brasileiros, que deveria ter sido investigado
há muito tempo, não tivéssemos o sistema judicial que temos.
Aliás, já filosofava Deltan Dallagnol sobre o imbróglio Queiroz-Flávio Bolsonaro:
“É óbvio o que aconteceu… E agora, José?”.

Sobram ou não sobram razões?

Que os amigos chilenos e argentinos recebam nossos efusivos cumprimentos.
Sigamos juntos,

Joaquim Ernesto Palhares
Diretor da Carta Maior

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cartas-do-Editor/-Nao-sao-30-centavos-sao-30-anos-de-opressao-neoliberal/50/45656

Zé Maria

Excertos

“A Grande Mídia conseguiu passar para o Conjunto da População
a ideia de que que fazer Política é coisa de Vagabundos,
que é coisa de Sem-Vergonhas, como se a Maior Sem-vergonhice
não estivesse instalada na Sonegação da FIESP em São Paulo” …

“A Sonegação neste País está instalada nos Grandes Grupos
Econômicos que não pagam Impostos” …

“É uma bobagem essa história de que a Corrupção é o maior problema.
O Mercado não quer saber de Corrupção. O Mercado é Corrupto
inerentemente e estruturalmente” …

Valton de Miranda Leitão
https://youtu.be/vbVi8Vo0Klc?t=134

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