Valter Pomar: Viva (parte da) França!

Tempo de leitura: 4 min

Viva (parte da) França!

Por Valter Pomar, em seu blog

O presidente Lula divulgou um tuíte acerca das eleições na Inglaterra e na França, onde ele diz o seguinte:

“Estou muito feliz com a vitória do Partido Trabalhista do Reino Unido. Eles estavam afastados há 14 anos e voltaram com uma maioria avassaladora no parlamento. É um avanço importante. E, na França, quando parecia que tudo estava confuso e dando errado, o povo se manifestou, foi para a rua e disse sim à democracia e não à extrema-direita. Espero que meus amigos Macron, Melénchon e Hollande se coloquem de acordo para montar um governo que atenda aos interesses do povo francês”.

De fato, o Labour conseguiu 410 cadeiras no parlamento britânico. Em 2019 e 2017, havia conseguido 202 e 262, respectivamente.

Infelizmente, esta maioria avassaladora no parlamento não foi produto de uma maioria avassaladora no eleitorado.

Nas eleições de 2024, a participação foi menor do que nas eleições de 2019 e 2017: respectivamente, 59,9%, 67,3% e 68,8%.

E a votação do Labour, em 2024, foi de 33,8% daqueles 59,9%, um resultado pior em termos absolutos e relativos do que o de 2017 (quando o Labour obteve 40% de 68,8%) e certamente pior em termos absolutos do que o de 2019 (quando o Labour obteve 32,17% dos votos de 67,3% do eleitorado).

Cabe responder, então, como os trabalhistas elegeram mais parlamentares agora (410) do que nas eleições de 2019 (202) e de 2017 (262).

A resposta é um combo: primeiro, o sistema eleitoral britânico (distrital) não é tão democrático assim; segundo, os conservadores desabaram; terceiro, parte do eleitorado conservador votou na extrema-direita. E, com os concorrentes divididos, mesmo tendo menos votos, o Labour conseguiu eleger mais parlamentares.

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No curto prazo, resta saber o que os trabalhistas farão com essa maioria avassaladora.

#

A situação na França é diferente da situação na Inglaterra.

Mais gente compareceu para votar e, ao que tudo indica, esta mobilização ajudou e muito na derrota da extrema-direita.

Mas é preciso estar atento e forte.

Isso por pelo menos dois motivos.

Motivo 1: na contabilidade de parlamentares eleitos, a extrema-direita ficou em terceiro lugar. Mas, nos votos populares, a extrema-direita teve a maioria relativa, ficando na frente da Nova Frente Popular e na frente do macronismo.

Os números:

#Nova Frente Popular elegeu 182 parlamentares, com 9.066.643 votos.

#Ensemble (macronismo) elegeu 168 parlamentares, com 6.984.393 votos.

#RN (extrema-direita) elegeu 143 parlamentares, com 10.691.931 votos.

Novamente, o sistema eleitoral (distrital com dois turnos) explica os resultados contraditórios.

Motivo 2: para que os amigos Macron, Melénchon e Hollande componham um governo que “atenda aos interesses do povo francês”, será preciso que Macron e Hollande deixem de lado suas políticas neoliberais.

Pois foram aquelas políticas antipopulares que contribuíram no ascenso da extrema-direita. Que foi derrotada eleitoralmente, mas segue forte e pode – a depender do que faça o novo governo – voltar a ameaçar.

Aliás, cabe lembrar das atribulações enfrentadas pelo governo da Frente Popular original, governo encabeçado pelo socialista Léon Blum.

Pelos motivos acima, acho tocante, mas um pouco exagerada, a convocatória feita pelo companheiro Tarso Genro, em artigo publicado no jornal Sul 21.

O artigo pode ser lido aqui.

Segundo Tarso, a “estupenda vitória da democracia na França, contra a extrema-direita e os demais herdeiros de Vichy, conjugada com a vitória dos trabalhistas ingleses que voltam ao Governo depois de 14 anos, recupera – na Europa – o oxigênio da democracia liberal”.

Em certo sentido, Tarso tem total razão. Tanto na França quanto na Inglaterra, seguimos nos marcos da democracia liberal.

E é nisso que reside todo o perigo. Pois já vimos no passado e estamos vendo agora de novo, que em momentos de crise do capitalismo a tal “democracia liberal” – seja na forma, seja no conteúdo – contribui para o ascenso da extrema-direita.

E, como no passado e hoje, é a esquerda realmente existente que constitui a última trincheira, a última possibilidade de derrotar a extrema-direita.

O problema é: se a esquerda colocar como seu limite “defender a democracia liberal”, será questão de tempo para sermos derrotados.

Uma coisa é fazer uma frente eleitoral, outra coisa é aceitar – como programa máximo – o programa dos liberais.

Tarso certamente sabe disto, tanto é que chama a atenção para o conflito entre a “Europa do Capital” (defendida por Macron e outros) e a “Europa Social”.

Mas, apesar dele saber disso, sua ênfase está noutro lugar.

Segundo Tarso, “a experiência brasileira mostra que (…) qualquer vacilação em defesa da legalidade democrática enfraquece a democracia política acaba favorecendo o fascismo”.

Eu adoraria que nossa esquerda brasileira não vacilasse em defesa da democracia. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece.

Fala-se em democracia, mas se capitula em debates democráticos fundamentais, por exemplo na denúncia do golpe de 64, na segurança pública, na defesa dos direitos das mulheres, na aceitação do parlamentarismo lirista etc.

Para além disso, o que a experiência brasileira demonstra é o seguinte: a defesa da legalidade democrática é absolutamente insuficiente para derrotar o fascismo.

Ou temos políticas populares, ou mudamos a economia e a sociedade, ou “radicalizamos a democracia” (como no passado diziam algumas pessoas, que hoje pouco ou nada falam disso), ou o fascismo seguirá nos infernizando.

Aliás, é por isso que desta vez a esquerda francesa conseguiu liderar o enfrentamento do fascismo.

A esquerda francesa não apenas se uniu no primeiro turno, não apenas chamou a unidade anti-fascista no segundo turno, a esquerda francesa também apresentou um programa de esquerda.

Assim, todo apoio à ideia de Tarso, de no dia 14 de julho comemorar a vitória da esquerda francesa. Mas vamos por a ênfase no que pode garantir nossa vitória: liberté, égalité e fraternité.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Comentários

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Zé Maria

.

“Um Pequeno Artigo Urgente e um Desabafo”

Por TARSO GENRO (*), no Sul21
[…]
Jean-Luc Mélenchon, o líder da “França Insubmissa”
teve um papel extraordinário neste movimento, pois
logo após os resultados do primeiro turno avisou que
seu agrupamento faria todas as renúncias para unificar
os eleitores antifascistas contra Madame Le Pen e
sua corte de reacionários violentos, que estavam
à beira do poder.
E avisou novamente: este era o perigo que rondava
a Europa e ameaçava diretamente os postulados
da Revolução Francesa, já fortemente constrangidos
pela concepção de “Europa do Capital”, diversa da
concepção também europeísta de “Europa Social”,
sempre defendida por Mélenchon e pela sua formação
“França Insubmissa”.

Sua postura sem vacilações em defesa da democracia
política, que a França Insubmissa integra como compromisso
constitucional, tem uma razão de fundo político, que está
no terreno dos princípios; e uma razão pragmática, que
responde às urgências da luta política de qualquer esquerda,
dentro da legalidade democrática.

A experiência brasileira mostra que nos tempos de mutação
das formas de exercício do poder e controle dos corações
e mentes, pelos novos meios de comunicação e informação,
novas formas e meios de produzir mercadorias e de controle
e processamento da opinião, qualquer vacilação em defesa
da legalidade democrática enfraquece a democracia política
acaba favorecendo o fascismo.

A ascensão do fascismo e da sua bandidagem à condição
de governantes, capilarizados no Estado e ajudados pela
mídia oligopólica, pode até “tomar conta” de instituições
como o Poder Judiciário, enfraquecendo os seus deveres
constitucionais de imparcialidade e neutralidade nos
grandes contenciosos políticos do momento.
Foi assim com Dilma, foi assim com Lula.

A “razão de fundo político” – que está no terreno dos princípios –
é jamais conceder ou omitir-se para facilitar os fascistas chegarem
ao poder; a “razão pragmática” diz respeito à escolha dos caminhos
que devem ser percorridos para criar maiorias políticas contra o fascismo
ascendente, que podem ser avaliados a partir da seguinte indagação:
é melhor enfrentar o fascismo quando ele está fora do governo ou
quando [os fascistas] já ocupam o aparato de Estado?

Deve se levar em conta, para compreender o fenômeno político francês,
que ali a esquerda tradicional – Partido Socialista hoje mais uma formação
de centro-esquerda, o Partido Comunista Francês que não mais lidera
maiorias progressistas no país, e as pequenas organizações comunistas
e socialistas heterodoxas – não tiveram condições, depois de Mitterrand
(1995) até o presente, de constituir uma Frente de Esquerda estável para
governar.
Esta vitória eleitoral mostra que frentes bem-organizadas em torno de
princípios e programas visíveis para o povo, ainda que na beira do precipício,
podem resgatar os princípios ideais das grandes revoluções do Século
passado, com novos fundamentos por dentro da democracia.

A Nova Frente Popular [Coligação dos Partidos de Esquerda da França],
formada na presença do desastre, resgata – por enquanto – a cultura
das liberdades (políticas), da igualdade (formal) que o fascismo sequer
respeita como doutrina constitucional, e resgata a fraternidade
(policlassista) contratualizada na Constituição do país.
Isso é pouco, mas isso é muito.
Em contraste com a cultura da morte, da naturalização da desigualdade
e do fim – formal e material – do contrato jurídico de fraternidade popular,
que presidiu a queda da Bastilha em 14 de julho de 1789, isso é muito.
Não seria providencial, me pergunto e pergunto aos meus companheiros
de luta , se não seria bom celebrarmos, neste 14 de julho – em algum lugar
da cidade – de forma pluripartidária, libertária, igualitária e fraternalmente
concebida – a vitória francesa contra o inferno?

(*) Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.

Íntegra em:
https://sul21.com.br/opiniao/2024/07/um-pequeno-artigo-urgente-e-um-desabafo-por-tarso-genro/

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Zé Maria

Excertos

“Como no passado e hoje, é a esquerda realmente existente que constitui
a última trincheira, a última possibilidade de derrotar a extrema-direita.

O problema é:
se a esquerda colocar como seu limite ‘defender a democracia liberal’,
será questão de tempo para sermos derrotados.

Uma coisa é fazer
uma frente eleitoral,
outra coisa é aceitar
– como programa máximo –
o programa dos liberais.
[…]
Eu adoraria que nossa esquerda brasileira não vacilasse em defesa
da democracia. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece.

Fala-se em democracia, mas se capitula em debates democráticos
fundamentais, por exemplo na denúncia do golpe de 64, na segurança
pública, na defesa dos direitos das mulheres, na aceitação do
parlamentarismo lirista etc.

Para além disso, o que a experiência brasileira demonstra é o seguinte:
a defesa da legalidade democrática é absolutamente insuficiente
para derrotar o fascismo.

Ou temos políticas populares, ou mudamos a economia e a sociedade,
ou ‘radicalizamos a democracia’ (como no passado diziam algumas
pessoas, que hoje pouco ou nada falam disso), ou o fascismo seguirá
nos infernizando.

Aliás, é por isso que desta vez a esquerda francesa conseguiu liderar
o enfrentamento do fascismo.

A esquerda francesa não apenas se uniu no primeiro turno,
não apenas chamou a unidade anti-fascista no segundo turno,
a esquerda francesa também apresentou um Programa de Esquerda.

…Vamos por a ênfase no que pode garantir nossa vitória:
liberté, égalité e fraternité.”

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