Valter Pomar: A entrevista de Marta e a visão personalista da política
Tempo de leitura: 5 mindomingo, 11 de janeiro de 2015
Marta Suplicy
É muito importante ler a entrevista que Marta Suplicy concedeu a Eliane Cantanhêde no dia 10 de janeiro de 2015 (ver ao final, na íntegra).
Para os que conhecem os bastidores do Partido e do governo, há na entrevista tanto fatos sabidos, quanto “versões martistas” que mereceriam correções factuais ou de interpretação.
Contudo, embora a discussão sobre tais fatos e versões seja seguramente o mais saboroso, não é nem de longe o mais importante na entrevista de Marta.
O mais importante está contido no bordão que finaliza a entrevista: “ou o PT muda ou acaba”.
Ideia similar está na boca e mente de muita gente. Gente de direita, de centro e de esquerda. Amigos do PT e inimigos do PT.
Tanta gente e tão diversa falando coisa parecida demonstra basicamente: 1) o papel central que o PT ocupa na vida política nacional; e 2) a total divergência existente acerca do conteúdo da tal mudança, que tanto uns quanto outros consideram essencial para a sobrevivência do PT.
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Vejam o caso desta entrevista de Marta: sua crítica à Dilma e sua crítica ao PT estão diretamente relacionadas com o elogio à “equipe econômica” encabeçada por Joaquim Levy e às preocupações do grande empresariado (os “30 PIBs” paulistas, Lázaro Brandão inclusive!!!).
Sendo generoso, está implícito que para Marta mudar o PT é mudar em direção aos interesses e preocupações do grande empresariado.
Isto posto, derivo três outras conclusões desta entrevista de Marta Suplicy.
A primeira delas: todas as mudanças que o PT já fez, todas as moderações, todas as concessões, todo o pragmatismo, não são suficientes para as pessoas que pensam como Marta Suplicy.
A verdade é que, para tal fração política e social, a mudança só seria plenamente satisfatória se e quando.. acabar com o PT enquanto partido dos trabalhadores.
A segunda conclusão é: mudando ou não, seja em que direção for, seja com que velocidade for, o PT certamente perderá uma parcela de seus atuais filiados, militantes e eleitores.
Assim, deste ângulo do problema. a questão é: quem estamos perdendo e podemos vir a perder e por quais motivos?
Gente fazendo críticas pela direita (ou seja, questionando os conflitos do PT com o empresariado e com setores da direita)?
Ou gente fazendo críticas pela esquerda (ou seja, questionando as concessões do PT e de seus governos ao empresariado e a setores da direita)?
Visto deste ângulo, Marta não é a regra: a maior parte das pessoas que saíram do PT nos últimos anos e meses, saiu fazendo críticas pela esquerda.
Sempre lembrando que — como vimos no caso de Luíza Erundina, Heloísa Helena e Marina Silva — há pessoas que saem criticando as alianças do PT com a direita, mas terminam fazendo alianças com a direita contra o PT,
A terceira conclusão é a seguinte: embora sejamos o Partido dos Trabalhadores, entre nossos dirigentes há gente muito importante que adota o modo de pensar de outra classe social.
No caso de Marta, não se trata apenas do conteúdo político-econômico de suas preocupações, mas da forma “principesca” como ela enxerga a política, tanto no país quanto no partido.
Vejamos alguns exemplos deste modo de pensar, que faz tudo girar em torno da ação de determinadas personalidades.
Os erros e acertos da presidenta Dilma ao tratar com os gravíssimos problemas da economia nacional e internacional são resumidos da seguinte forma: “Era preciso mudar a equipe econômica e o rumo da economia, e sabe por que ela não mudou? Porque isso fortaleceria a candidatura do Lula, o ‘Volta, Lula’.”
As divergências internas do PT acerca da tática nas eleições de 2014 e 2018 são resumidas assim: “Mercadante mente quando diz que Lula será o candidato. Ele é candidatíssimo e está operando nessa direção desde a campanha, quando houve um complô dele com Rui e João Santana (marqueteiro de Dilma) para barrar Lula”.
E o próprio papel de Marta no PT é tratado da seguinte forma: “Cada vez que abro um jornal, fico mais estarrecida com os desmandos do que no dia anterior. É esse o partido que ajudei a criar e fundar? Hoje, é um partido que sinto que não tenho mais nada a ver com suas estruturas. É um partido cada vez mais isolado, que luta pela manutenção no poder. E, se for analisar friamente, é um partido no qual estou há muito tempo alijada e cerceada, impossibilitada de disputar e exercer cargos para os quais estou habilitada”.
Como nos antigos livros de história, toda a análise política feita nesta entrevista de Marta Suplicy gira ao redor dos “príncipes”, das pessoas importantes. O papel do povo, das massas, das classes, das bases, da militância aparece no máximo como acessório.
Aliás, quem a “impossibilitou” de disputar e exercer algum cargo no PT? Que culpa o Partido como um todo tem, por ela ter aceito um determinado método decisório?? Foi “o partido” que “se acovardou” ao “recusar um debate sobre quem era melhor”???
É verdade, como alguém já me explicou, que não se trata apenas de um “erro de método” cometido por Marta e outras pessoas como ela.
Existem dezenas de milhões de pessoas que acreditam que a política resume-se a luta entre os pares da nobreza. Estes milhões agem de acordo com esta crença. E, ao fazerem isto, efetivamente tendem a transformar a luta política num espécie de conflito entre “carreiras pessoais”.
Nestes termos, não é contraditório que Marta critique a “luta pela manutenção do poder”. Pois, como todos sabem, para um determinado setor é mesmo deplorável que a classe trabalhadora lute pelo poder, ao mesmo tempo que é considerado louvável que uma pessoa lute por cargos.
Acontece que uma das razões pelas quais foi fundado o PT –e uma das razões pelas quais quais existe todo o movimento socialista desde o século XIX — é fazer com que a emancipação da classe trabalhadora seja obra da própria classe trabalhadora.
O que inclui, entre outras coisas, fazer com que a política seja ato cotidiano de centenas de milhões de pessoas e não um ofício restrito a uns poucos milhares.
Um dos subprodutos da aristocratização da política é fortalecer, em algumas camadas do povo, o sentimento anti-política, sentimento que ao fim e ao cabo ajuda na manutenção do status quo econômico e social.
O “interessante” é que o crescimento da influência do modo de pensar e do modo de agir burguês na cúpula do Partido está criando situações difíceis não apenas para o PT como um todo, mas também para os que compartilham aquele ponto de vista.
Pode ser necessário sair de um partido, por exemplo devido a divergências programáticas ou estratégicas. Mas quando se participa da luta política em defesa de um projeto de poder para a classe trabalhadora, em defesa de uma democracia popular, em defesa de reformas estruturais democrático-populares, em defesa do socialismo, há muito mais “espaço” para todos e todas contribuírem.
O mesmo não acontece quando — dada a premissa da defesa dos interesses do grande empresariado– a luta política é organizada com base nos projetos pessoais e nas “carreiras”. Neste caso, não há mesmo “espaço” suficiente. E uma eventual ruptura com o Partido não decorre principalmente de divergências programáticas e estratégicas; ainda que possam existir, tais divergências são acentuadas artificialmente, para tentar dar respeitabilidade a motivações de outro tipo.
Por isto, não me comovo nem um pouco ao saber que Marta passou dois meses “chorando, com uma tristeza profunda, uma decepção enorme”, se “sentindo uma idiota”, ao mesmo tempo que declara ter “portas abertas e convites de praticamente todos” os partidos.
O que me provoca uma preocupação realmente profunda é saber que Marta está longe de ser a única, na cúpula do Partido, a encarar desta forma a luta política.
Como já dissemos noutro texto, se quisermos não apenas seguir governando, mas principalmente seguir transformando o Brasil. é essencial que a esquerda, especialmente o PT, construa não apenas uma nova estratégia mas também um novo padrão de organização e atuação.
PS do Viomundo: E o dedaço de Lula na escolha de candidatos, não teria contribuído para o fenômeno de a militância do PT só opinar durante as campanhas eleitorais, tendo de engolir Kátia Abreu em seguida?
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Comentários
renata
Nem lembro mais, estamos num modelo partidário feito pelo Golbery ou foi feito outro depois? E nossa estrutura de representação política? O PT para governar se adequou a estruturas que não combinam com sua proposta original (isso sem falar na armadilha egóica do poder, mas ela vale para todos os partidos). Parte dessa estrutura nós escolhemos, o congresso, formado por não sei quantos donos de meios de comunicação, de meios de produção, de terras, além de lobistas. O PT no governo fez muitos avanços, mas é hora de fazer reforma política para um dia atingir seu objetivo de um governo para trabalhadores, democratizar a mídia, representar novamente a militância – ou será que nos indisporemos de novo com amigos e família, daqui a 4 anos, para defender um governo que não nos representou nessas demandas e ainda aconchega uma katia abreu?
Lukas
Para o PT, a pior direita é aquela que não o apoia. Apoiou, deixou de ser pior direita. Será que estes que sairam do PT se uniram a pessoas piores que Maluf, Collor ou Sarney?
Flavio de Oliveira Lima
Azenha, o dedaço do Lula foi justamente pra tirar a martha e o Mercadante da frente do partido, pois esses dois são certeza de derrota eleitoral. Essa senhora tem uma claque no PT que sempre a colocava como candidata majoritaria. E sintomaticamente ela ignorou os dedaços do Lula. Que nos casos Dilma e (principalmente) Haddad, foram certeiros.
Arnon Medeiros Santos
O que é mais verdadeiro no artigo de W. Pomar é quando ele diz que algumas pessoas criticam o PT porque ele está “caindo pela Direita”, depois se aliam à pior direita contra o PT. A verdade é que o PT está dando os anéis prá não perder os dedos, dando um boi prá não perder a boiada. O que o Petista deve manter consigo é a verdade que está à nossa frente. Nunca tinha havido no Brasil politica para pobres; nunca tanta gente saiu da miséria, nunca o salário minimo tinha chegado a 100 dolares; nunca um programa de habitação foi tão abrangente e verdadeiro;nunca o ensino, a saúde(com seus percalços)e a previdencia foram tão universais. Graças a Deus a militancia ainda respira.
ARNON.
Fátima Rocha
Simples: a Marta cansou e tenta se juntar à turma do “CANSEI”.
Eduardo
Não se pode execrar e lançar ao lixo as avaliações e queixas de Marta! Seria inadequado e irresponsável o partido não considerá-las deixando de discutir, avaliar e entender as causas de suas recentes atitudes e manifestações. A politica deve ser assim.Há muitos anos ela tem sido importante para o Partido dos Trabalhadores independentemente de origem, formação e status social. Provavelmente se encontra magoada ou até decepcionada com eventuais decisões partidárias e até mesmo do governo eleito pela aliança PT/PMDB, do qual era ministra. Compreendam e reconheçam muitos ou não, ela sempre se dedicou ao Partido e suas crenças.enfrentou batalhas ao lado partido! Não me parece racional, justo, ético, humano e solidário que dela não se aceite manifestações ou queixas. Se estiver errada cabe ao partido convençe-la! O PT é ou não é um partido democrático e progressista? Bom senso!
Wilson
O primeiro post ponderado s/o tema, parabéns amigo. Tudo aludido deve ser repensado: este é um governo de coalizão todavia Marta nao deixa de ter alguma razão .
Zé
Arnaldo, precisamos falar sobre a privatização da Caixa Econômica…
Joao
Pois é e o PT de bico calado sobre essa privatização
Leo
Com todo respeito, retirei esta frase do texto.
“Sempre lembrando que — como vimos no caso de Luíza Erundina, Heloísa Helena e Marina Silva — há pessoas que saem criticando as alianças do PT com a direita, mas terminam fazendo alianças com a direita contra o PT”
Sera que Marta, acha que no partido do Paulinho da Foca, só tem santos…
Vá com Deus…
Leo
Eu estou no Partido dos Trabalhadores-PT desde 1980, porque acredito na mudança atraves de um processo coletivo, e não em ambiçoes pessoais, pelo poder e cargos.
O PT é o unico partido entre mais de 30, que nasceu atraves de um processo de base e por isso tem muito chão pela frente, com Marta ou sem Marta.
abolicionista
A presença de Marta no partido mostra que o PT está obsoleto.
Lafaiete de Souza Spínola
Por que não se discute assunto tão importante para o Brasil?
Precisamos de um projeto de país com a participação efetiva do povo.
Quem foge desse assunto?
Apresento esse esboço de projeto que publico, faz três anos:
https://www.facebook.com/lafaiete.spinola.3/posts/376383689185712
Francisco
Desculpe a pergunta mesquinha (lamentavelmente, no Brasil, a verdade mora junto da mesquinhez…), mas… Martha tinha algum investimento em juros?
vinícius
O desespero de colunistas do PIG e de políticos procurando lugar ao sol sugerem que, apesar das críticas possíveis e necessárias, Dilminha colocou o time do lado de lá nas cordas.
Eu não concordei com as peças que Dilminha colocou no tabuleiro, mas temos que admitir: fez boa movimentação com as peças que tem ao alcance das mão.
Dilma é realista e se mostra a altura do cargo.
Ponto para o Lulinha, mesmo com o peso de sua mão, certo, Azenha!?!?
Giordano
Muito bem colocado, companheiro Valter Pomar. O problema é que a militância, ou o baixo clero do partido, não tem a oportunidade de dizer isso na cara da cúpula partidária.
Julio Silveira
Admiro o comprometimento mental de militante do Pomar, mas isso também pode comprometer sua perspectiva.
Para mim, após ler o texto, fiquei com a impressão de que o melhor ficou por conta do PS do Viomundo, esse sim um chamado a reflexão para aqueles que preferem ser militontos.
FrancoAtirador
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Caro Julio Silveira.
Que fazer diante do fato
de que 70% dos filiados
votaram no Rui Falcão?
Uma Frente de Esquerda
em torno da Extrema?
É uma Alternativa.
Alguma outra proposta?
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Julio Silveira
Meu caro, sinceramente? não tenho proposta, até por que perdi a esperança de termos uma representação que nos desse, o que entendo, o que o país precisa.
Minha fé ficou naquele caminho que propagandeava o antigo PT, a de que o tempo e um proposta de mudança cultural conquistaria a maioria da cidadania a ponto dessa mudança fazer maioria representativa nas casas que governam o país, com todas as consequências positivas que isso poderia acarretar para nossa cidadania. Mas não, as piores das qualidades humanas falaram mais alto, e as ambições particulares, os personalismos, somados as vaidades, venceram a proposta de mudança cultural a unica capaz de mudar de fato nosso país. O PT que já foi de todos os seus militantes, virou um partido de meia duzia (sentido figurado é logico) perdeu o discurso e o sentido da diferença, se nivelou por baixo, se olharmos sem hipocrisia. Todos hoje sabem os que de fato mandam no PT, o resto? seguidores, bois na canga sob o comando dos fazendeiros. Abraço e saudações.
Lafaiete de Souza Spínola
Precisamos de um projeto de país com a participação efetiva do povo.
Quem foge desse assunto?
Apresento esse esboço de projeto que publico, faz três anos:
https://www.facebook.com/lafaiete.spinola.3/posts/376383689185712
Julio Silveira
Sr. Lafayete, se o sr. leu o teor de nossos textos, deve ter percebido que não acredito em milagreiros, nem personalismo, muito menos em soluções magicas que não passe por todo um processo de mudança cultural de toda a cidadania, ou pelo menos que a maioria dela seja indutora desse processo. Como vivemos no unico regime que acredito, o democratico, e como acredito que enquanto as mafias controlarem a cidadania e fazerem sua lavagem cerebral nas massas, não tem jeito, teremos que conviver com o que temos e esperar o país bater no fundo do poço da indignidade para verdadeiramente se questionarem sobre o que pretendem para este país. Se serão eles os indutores de seus destinos, fazendo auto critica de seus posicionamentos e suas escolhas, ou continuarão esperando por um ser divino que os representem, mas um ser divino saído de dentro de sua população e portanto sujeito aos mesmos vicios, a mesma cultura. Me desculpe, mas perdi a crença e a esperança em pessoas que querem primeiro vender seus nomes, depois a sua mensagem. Sds.
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