“Solução para a Síria só pode ser política e diplomática”, diz presidente da Comissão de Investigação da ONU
Tempo de leitura: 3 min“Solução para a Síria só pode ser política e diplomática”, diz presidente da Comissão da ONU
A queda do regime de Bashar al-Assad abriu um novo capítulo na história da Síria e representa um grande desafio para a estabilização do país.
A ascensão do grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS), liderado por Abu Mohamed al-Jolani, trouxe alívio para os opositores do regime, mas também alimenta preocupações sobre o futuro político, social e econômico da Síria.
Para o presidente da Comissão Independente de Investigação sobre a Síria da ONU, Paulo Sérgio Pinheiro, nenhum “astrólogo” pode prever o que vai acontecer no país, assim como é difícil acreditar na possibilidade de ver Assad responder pelos crimes cometidos durante seus quase 25 anos no poder.
“A primeira constatação é a alegria da população das principais cidades, especialmente em Damasco, de ver os presos libertados. As famílias vão, afinal, saber quem está vivo, quem não está. Muitos presos, com mais de 10 anos de prisão, foram torturados barbaramente. Todos os horrores vem à tona, isso é positivo”, afirma Paulo Sérgio Pinheiro, que preside a Comissão desde 2011 e já visitou várias vezes o país durante o processo de investigação.
Ele destacou que o regime de Assad marcou, além de um período de repressão brutal, um colapso econômico e social, com 90% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
Pinheiro enfatizou que 16 milhões de sírios ainda necessitam de assistência básica.
“Infelizmente, apenas 23% do financiamento humanitário necessário foi atendido pelos doadores internacionais. A ajuda está fraquíssima. Então, a situação tanto social quanto econômica é desastrosa, e como na geopolítica, é extremamente confusa”, ressalta Pinheiro.
Solução por via diplomática
A presença de bases militares da Rússia, juntamente com milícias iraquianas e iranianas em território sírio tornam as negociações ainda mais complexas para as novas lideranças do país.
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No entanto, o presidente da Comissão independente da ONU para a Síria destaca que, como tem insistido nos últimos anos com as instâncias internacionais, a solução passa por canais diplomáticos.
Sobre a possibilidade de diálogo com o HTS, grupo com origens em organizações terroristas como a Al-Qaeda, Pinheiro foi enfático: “A diplomacia precisa falar com todos. Não há solução militar para a Síria, apenas uma solução política e diplomática”.
Embora o HTS, do líder al-Jolani, tenha histórico ligado a grupos extremistas como Al-Qaeda e Estado Islâmico, e também de muitas violações de direitos humanos, denunciados pela própria Comissão, Pinheiro reconheceu avanços sob sua administração em Idlib, como melhorias no fornecimento de serviços essenciais.
”Apesar de terem cometido violações, tortura, assassinatos, prisões arbitrárias, silenciamento das críticas da oposição, por outro lado, eles conseguiram institucionalizar, quer dizer, o lixo, água, eletricidade, que é importante para a população. E uma certa tolerância com outras crenças. Então, de uma certa maneira, o discurso de (al-Jolani) é de um líder moderado”, afirma Paulo Sérgio Pinheiro.
Habilidade de líder rebelde
Apesar dos discursos moderados da nova liderança, que promete não retaliar aliados do regime de Assad, Pinheiro foi cauteloso ao prever estabilidade a curto prazo.
“O cenário é extremamente incerto, com desafios econômicos, sociais e políticos massivos. Mesmo com um líder habilidoso como Jolani, resta saber se ele conseguirá concretizar suas promessas. Poucas vezes eu ouvi de um líder de uma revolução um discurso tão articulado e moderado. Então é um cara hábil. Agora, se essa habilidade dele vai ser concretizada nos fatos, ninguém sabe. Nem um astrólogo pode prever.”
Sobre a possibilidade do ditador Bashar al-Assad responder pelos crimes cometidos durante seu regime, Paulo Sérgio Pinheiro é pouco otimista.
“O Assad está ótimo na Rússia. Ele nunca vai ser pego pelo Tribunal Penal Internacional, porque primeiro, a Síria nem faz parte do tratado, e mesmo que venha a ser parte, a Rússia vai mantê-lo escondido. Ele deve estar em Vladivostok, ou na Sibéria, em algum lugar bem tranquilo. Enquanto eu estiver vivo não vou vê-lo processado”, afirma Pinheiro.
Segundo ele, a ONU tem um papel limitado na transição política da Síria. “Nosso trabalho é documentar e investigar as violações de direitos humanos. Não estamos envolvidos em negociações políticas, mas continuaremos colaborando com processos judiciais em países com jurisdições independentes. Nosso trabalho é documentar. E o que a gente está fazendo até agora, vamos fazer depois dessa transição que eu espero que possa ser tão logo quanto possível”, ressalta.
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