Experiência do Uruguai pode ajudar esquerda a buscar novos caminhos

Tempo de leitura: 5 min

Tabaré-e-Pepe

Tabaré Vázquez e Pepe Mujica

Frente Ampla do Uruguai, mais que uma aliança eleitoral

por Maria Silvia Portela de Castro, especial para o Viomundo

Não vai ter golpe foi a palavra de ordem que unificou a luta em defesa da democracia. Agora será preciso repactuar as frentes e nesse processo entrará fatalmente em discussão a constituição ou não de uma frente político-eleitoral, bem como que caminhos tomará o PT.

Uma frente deverá comportar apenas tendências políticas e partidos ou poderá ter também a filiação individual? O PT tem condições de liderar esse processo?

Acredito que, neste momento, olhar a experiência da Frente Ampla do Uruguai pode nos ajudar neste debate.

Em 5 de fevereiro de 1971, a Frente Ampla do Uruguai comemorava o seu primeiro ano de vida, depois de haver disputado a eleição presidencial de 1970, que elegeu o colorado Juan Maria Bordaberry, ator coadjuvante da ditadura militar que se estendeu até 1984.

Na primeira eleição da democratização, em 1984, a Frente concorreu e, mesmo tendo sido impedida de lançar o general Liber Seregni para  a presidência, seus candidatos obtiveram praticamente o mesmo coeficiente de votos de 14 anos antes.

Seguramente a Frente Ampla do Uruguai  é uma das experiências mais exitosas no campo das frentes político-partidárias, pois conseguiu manter-se organizada mesmo depois das disputas eleitorais.

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Nesses 32 anos de vida pós-redemocratização, ela se tornou uma força política hegemônica, mantendo há mais de uma década a maioria no Congresso Nacional. E, em 2015, venceu pela terceira vez a disputa pela Presidência da República.

As raízes da frente uruguaia devem ser buscadas na influência histórica do desenvolvimentismo Batllista (anos 20 e 40) — fez do Uruguai um dos países menos desiguais da América Latina — e na tradição dos partidos de esquerda.

Em 1962, o Partido Socialista de Uruguai encabeçou a frente política Unión Popular e o Partido Comunista de Uruguai lançou a Frente Izquierda de Liberación – Fidel.

As duas frentes disputaram eleições, mas não conseguiram 10% de votos. Enquanto que na sua primeira disputa eleitoral, com meses de vida, a Frente Ampla do Uruguai obteve 18,6%dos votos.

Para analisar esse processo é preciso destacar o alto nível político-cultural dos uruguaios, fator que influenciou muito a participação da sociedade, principalmente do sindicalismo.

Em agosto de 1965, foi realizado o Congresso do Povo, que contou com a participação mais de 700 organizações sindicais e sociais e o movimento estudantil.

A principal decisão foi a adoção do Programa de Soluções para a Crise.

Em 1966, as centrais sindicais se dissolveram e criaram a Convenção Nacional de Trabalhadores – CNT (hoje PIT-CNT), que assumiu as decisões do Congresso.

O sindicalismo tem sido um dos pilares mais importantes pela construção e êxito da Frente Ampla do Uruguai que, apesar de seus vínculos, buscou manter os parâmetros de independência frente aos governos frentistas.

Esses fatores talvez expliquem a composição diferenciada da Frente Ampla do Uruguai e o fato de permitir filiação direta individual.

Desde a sua origem, a Frente Ampla configurou-se como uma coalizão de diversos segmentos sociais e políticos, majoritariamente de esquerda, que aderiram a um programa comum sem abdicar de seu funcionamento partidário independente (com estatutos e dirigentes próprios).

Provavelmente foi a manutenção da liberdade de atuação que permitiu um equilíbrio de forças internas e a manutenção da unidade em mais de quatro décadas.

Um olhar ao centro e à ampliação da participação direta

Em 1994, a Frente Ampla do Uruguai lançou o ex-prefeito de Montevidéu, Tabaré Vázquez como candidato a Presidente da República com base num arco de alianças mais amplo.

Essa ampliação em direção ao centro foi crescente e decisiva para a vitória de 2004.

Como a Frente pode conquistar eleitores do centro sem perder eleitores da esquerda?

Segundo a socióloga e senadora frentista Constanza Moreira, os fatores principais foram dois: 1) não surgiu, nesse período, nenhum desafiante de importância na esquerda nacional que pudesse disputar sua base eleitoral; e 2) graças a essa aliança mais ampla com grupos oriundos de alguns partidos tradicionais, foi possível avançar para a ocupação do espaço de centro-esquerda, que estava vazio.

Em 2004, a Frente Ampla aliou-se às coalizões Novo Espaço e Encontro Progressista, formando uma nova frente: Encontro Progressista-Frente Ampla-Nova Maioria.

Com essa sigla, a esquerda ganhou as eleições no primeiro turno com 50,45% dos votos.

Mas o que se destaca mais na Frente Ampla é a admissão de participação direta em sua constituição e decisões.

O seu regulamento,  aprovado em 1971, diz em seu primeiro parágrafo que a Frente Ampla

 “está formada por setores políticos que subscreveram a Declaração Constitutiva de 5/2/71 e pelos que posteriormente aderiram ao mesmo, assim como cidadãos independentes que compartilham seu Programa e aceitaram suas bases de Acordo Político e Organização”.

Na reforma estatutária feita em 2011, há uma ampliação na concepção da pluralidade ideológica interna.

Ao definir a Frente Ampla como um “Acordo Político, conformando uma organização com o caráter de coalizão–movimento”,  afirma sua abertura à incorporação de outras organizações políticas e dos cidadãos que compartilham a mesma concepção.

Esse mesmo alargamento de convivência de grupos políticos transparece em seus mecanismos de decisão.

O estatuto prevê situações em que se concede liberdade de ação frente a decisões já tomadas, inclusive de não participação em atos previstos, desde que não viole os princípios da Frente Ampla e nem provoque situações contraditórias com decisões postas em prática pela maioria.

A recusa a decisões já tomadas requer prévia solicitação por um membro do Plenário Nacional e tem que ser aprovada por 4/5 de seus componentes.

Em que medida essa experiência pode ajudar o Brasil?

O PT tem uma trajetória que combinou desde o início uma aliança entre sindicalismo, antigos agrupamentos políticos de esquerda e movimento sociais, muitos vinculados a Igreja católica progressista.

Talvez isso explique em grande parte o fato de não ter aderido a um modelo leninista e verticalizado de organização, se comportando muitas vezes como frente político-partidária.

Após a derrota eleitoral de 1998, o quadro interno no PT começou a mudar.

Estava claro que era preciso ampliar as alianças políticas. Suas alianças eleitorais sempre foram com partidos de esquerda (menores que ele), mas teve que fazer alianças “governativas” à direita.

No Brasil, não existem partidos democráticos de centro e o sistema político exige a busca desesperada da maioria legislativa para poder governar.

A experiência da aliança com o PMDB e demais arremedos de partido mostrou onde isso pode desaguar.

O movimento de ampliação eleitoral não foi acompanhado por uma repactuação com os movimentos sociais.

Apesar do vínculo com o movimento sindical – talvez muito influenciado pelo perfil e histórico do Lula – os três governos do PT fizeram políticas sociais, mas não promoveram o fortalecimento da participação social.

Esse distanciamento ficou claro na falta de reação ao ressurgimento da mobilização de jovens em 2013.

Isso permitiu que rapidamente a mídia passasse a manipular a imagem, logrando uma dimensão desproporcional à sua demanda original — era só um aumento de passagem de ônibus.

Ficou novamente claro na campanha eleitoral de 2014, onde a mobilização só assumiu proporções importantes quando houve a ameaça de vitória do PSDB.

O engrossamento da campanha que deu vitória a Dilma foi um ato em defesa da democracia.

Na luta contra o impeachment o processo se repetiu.

Foram criadas a  Frente Brasil Popular  e a Frente Brasil sem Medo, congregando as duas centrais sindicais de esquerda, organizações estudantis, MST, MTST, coordenação de Movimentos Populares, diferentes agrupações sociais, intelectuais e acadêmicos, artistas, movimentos e frentes de Mulheres, contra o Racismo, pelos direitos  LGBTTIS e uma forte presença de jovens.

A conquista dessa energia social para a participação política está em jogo neste momento.

Muitos desses militantes, principalmente jovens, não se identificam com  partido algum e muitos se declararam contra o governo Dilma.

Mas a palavra de ordem em defesa da democracia – Não vai ter golpe — foi o fator de unidade. E esse eixo precisa ser atualizado e ampliado, para que possa congregar essas forças políticas.

Seria muito simplismo dizer que a solução poderia ser a criação de uma frente semelhante à Frente Ampla do Uruguai.

São realidades, histórias e experiências muito diferentes.

Mas os fatos relatados nos mostram caminhos para manter a unidade interna de uma frente sem matar seu funcionamento democrático.

E nos colocam também frente a uma questão nova: por que não se construir uma organização onde se integrem partidos, movimentos e militantes?

Um estatuto pode muito bem regrar e dimensionar de forma equilibrada essa participação.  É um debate a ser aprofundado.

Maria Silvia Portela de Castro é socióloga e assessora sindical. Foi membro do Foro Consultivo Econômico Social do Mercosul

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Comentários

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Marcelo Gaúcho

A Globo é o pilar que sustenta o GOLPE.
Derrubem ela que o GOLPE cai.

Bel

O chamamento de um Congresso do Povo seria muito interessante. O povo poderia se manifestar e dizer em alto e som som que quer participar das decisões, inclusive da regulamentação da mídia, pois com o fim do monopólio muitas oportunidades se abrirão para o segmento publicitário de verdade. Tem comercial da mídia automotiva que incute que o filho de pobre que estuda para ser doutor poderá comprar um carro novinho no futuro, deixando totalmente de lado o capital humano e a preocupação com a saúde. Acho que é por isso que não querem os médicos cubanos aqui, ara que eles não sejam exemplos de humanidade.

FrancoAtirador

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DEBATE INTERDITADO

Crise Econômica + Governo Enfraquecido +
Judicialização da Política + Mídia Oligárquica
Constituem a Destituição da Presidente Dilma

Prof. Dr. Rodrigo Ghiringhelli Azevedo (*)
no Instituto Humanitas Unisinos – IHU

(https://youtu.be/QRl5uyn6XFE)

https://twitter.com/_ihu/status/733407581817835520
https://twitter.com/_ihu/status/733418938793492480
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(*) Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS (1991),
Especialista em Análise Social da Violência e Segurança Pública (1996),
Mestre (1999) e Doutor (2003) em Sociologia pela UFRGS,
Pós-Doutor em Criminologia
pela Universitat Pompeu Fabra de Barcelona – Espanha (2009),
e pela Universidade de Ottawa – Canadá (2013).
Atualmente é Professor Adjunto
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),
atuando nos Programas de Pós-Graduação
em Ciências Criminais e em Ciências Sociais,
e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-RS.
Tem Experiência nas Áreas de Direito e Sociologia,
com Ênfase em Sociologia Jurídica e Criminologia,
tendo realizado Pesquisas sobre os seguintes Temas:
Teoria Sociológica, Informalização da Justiça, Reformas Penais
e Administração da Justiça Penal, Penas Alternativas,
Concepções de Política Criminal dos Operadores do Direito,
Políticas Públicas de Segurança,
Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência.
É líder do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas
de Segurança e Administração da Justiça Penal (GPESC),
membro do Conselho de Administração
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
e coordenador do Grupo de Trabalho Violência e Sociedade
da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).
É pesquisador associado e membro do Comitê Gestor do Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-INEAC).

(http://abre.ai/rodrigo-ghiringhelli-de-azevedo_lattes)
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FrancoAtirador

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Enquanto houver Oligopólios Econômicos no Setor Privado,

principalmente o Empresarial de Mentiras e Notícias Falsas,

o Brasil será Dominado por Essa PlutoCracia CleptoManíaca,

Patrimonialista, Patriarcal, Misógina, Racista e Impatriótica.
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    bonobo de oliveira, severino

    O que é bom para os EUA não é bom para o Brasil. E o que funciona no Uruguai provavelmente não tem a menor possibilidade de viabilização no Brasil. O Uruguai não tem importância estratégica nem as condições de ameaçar a hegemonia decadente dos EUA no planeta Terra e, por conseguinte, não tem agentes e ONGs infiltradas financiando programas de mobilização para juventude e outras camadas “sensíveis” da sociedade, há décadas, capazes de produzir jovens com pensamento aderente ao neoberalismo, quando não produzem a falta absoluta de pensamento, como ocorre no cidadão médio da CLASSE MÉDIA MAIAMI.
    E, mais importante. No Uruguai não tem um Lula, que, apesar de todas essas influências deletérias e intervenções externas sistemáticas e continuadas que culminaram com a COMPRA de boa parte de todas as autoridades de todas as instituições do país, conseguiu costurar e negociar um projeto de país que foi muito bem, enquanto foi tolerado pelos donos do PODER PERMANENTE (hoje, os banqueiros agiotas). Quando viram que não podiam vencer, deram o GOLPE!!

    FrancoAtirador

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    O Uruguai tem 3,5 Milhões de Habitantes,
    a Metade da População de Santa Catarina,

    e possui uma Área Territorial de 176 Mil Km²,
    Menor que a Maioria dos Estados Brasileiros.

    A Economia Uruguaia tem um PIB Nominal
    equivalente à do Distrito Federal do Brasil.
    .
    Uma Disputa Presidencial no País Charrua
    é como uma Eleição para Governador aqui.
    .
    .

Um nada

Chapa única cuja coligação fosse de todos os partidos de esquerda, seria possível no Brasil?

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