Requião: O banco global é o senhor de todas as vidas

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Senador Roberto

 

REQUIÃO CONCLAMA AMÉRICA LATINA E EUROPA A ENTERRAR A ERA DO CAPITAL IMPRODUTIVO

Do blog do senador

Ao deixar nesta quarta-feira (20), a co-presidência da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-americana, na reunião ordinária do colegiado que se realiza em San Salvador, o senador Roberto Requião fez um fortíssimo chamamento para que parlamentares da Europa, do Caribe e da América Latina enfrentassem, de forma conjunta e firme, os interesses do capital financeiro, que hoje estrangulam a economia mundial.

Em seu discurso de passagem da presidência do componente latino-americano da Eurolat, Requião lembrou que desde o primeiro dia de seu mandato de dois anos centrou suas atividades no combate à financeirização da economia: “Vivemos hoje uma nova era na economia mundial, a Era do Capital Improdutivo, A Era do Dinheiro, a Era de Mamon. Em vez da produção, predominam a especulação, a agiotagem, a jogatina bancária”.

Leia aqui o pronunciamento do senador:

Depois de dois anos na co-presidência da Eurolat, representando o componente latino-americano, encerra-se o meu mandato.

Infelizmente, não há como fazer uma retrospectiva otimista desses últimos 24 meses, quer na Europa, quer em meu continente.

Pior: não há como negar que as coisas pioraram, que o capital financeiro global avançou um tanto mais em seu propósito de destruição do Estado-Nação, embora, por exemplo, o êxito de Portugal ao se contrapor às políticas de austeridade com uma política fiscal expansionista estimule o ânimo dos resistentes.

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Mas a Grécia, forçada pela Troika a trilhar o caminho destrutivo da contração, marca passo no pântano da conformidade.

A Espanha, sem maioria no parlamento, para um lado ou outro, não ata e nem desata, mas, pelo que se vê, prevalece a orientação neoliberal.

A Itália muda governo para nada mudar, gatopardianamente.

Na França, Macron, que venceu uma das eleições mais esvaziadas da história do país, vê evaporar rapidamente o seu capital político, mas não cede às pressões antiliberais.

Na Inglaterra, que bate em retirada da União Europeia, uma proposta radicalmente antiliberal recebeu extraordinário apoio popular nas recentes eleições, mas não venceu.

De todo o modo, tanto o Brexit como a eleição de Trump podem ser caracterizados como reações nacionais à globalização financeira, aos mandos e desmandos do capital especulativo e vadio, ao cansaço com a transnacionalização da economia.

No entanto, tais reações não oferecem saídas à crise além de fermentar a xenofobia e o racismo.

Já a Alemanha permanece a cavaleiro do continente.

Talvez, o jurista português Avelãs Nunes tenha sido um tanto duro ao dizer que temos hoje a Europa de Vichy, uma Europa colaboracionista, submetida a Berlim e aos ditames do Banco Central Europeu.

A Alemanha vale-se ainda da posição privilegiada do euro para obter amplas facilidades nas exportações. Ela chegou a se tornar o maior país exportador do mundo graças à União Europeia.

Talvez não fosse inapropriado dizer que não é a Alemanha que provê a União Europeia. É a União Europeia que supre a Alemanha.

E cá nas Américas, como andam as coisas?

O nosso irmão do Norte, um vizinho sempre incômodo e bisbilhoteiro, só não está pior por causa de uma política fiscal expansionista, que reduziu drasticamente o desemprego.

No entanto, pergunta-se, até onde vai Trump, até onde a sua administração esquizofrênica, com acenos aos setores da ultradireita, não contaminará a economia.

Pergunta-se também em que medida o seu “nacionalismo” conseguirá contrapor-se à internacionalização da economia e devolver empresas, empregos e prosperidade aos norte-americanos, como prometeu.

É bom lembrar que para uma recuperação robusta e sustentada da economia não basta apenas o combate à internacionalização financeira.

É necessário também recuperar os rendimentos da outrora pujante classe média norte-americana, hoje empobrecida.

Além de empregos de qualidade – cada vez mais raros — os Estados Unidos precisariam ainda de políticas ativas de distribuição de renda, que teriam que ser financiadas por aumento de impostos sobre os mais ricos.

Trump estaria disposto a fazer isso?

Em relação ao continente latino-americano e ao Caribe, o governo norte-americano manifesta o tradicional sentimento de supremacia e de posse.

A ameaça de intervenção militar na Venezuela, mais do que uma bravata do sr. Trump, é a reiteração da nunca revogada política do “big stick”, produto da ainda vigente Doutrina Monroe.

(Um parêntese: tanto quanto devemos repudiar a ameaça de Trump à Venezuela, proponho que esta Assembleia repudie também a retomada do bloqueio norte-americano à Cuba. Essa política malograda, removida por Obama, mesmo que tardiamente, nesta hora, restaura-se sob Trump).

Já no Canadá, as voracíssimas mineradoras, empresas de energia e de saneamento excitam-se, sobremaneira, com a recidiva neoliberal na América Latina, que abre para elas um novo ciclo de investimentos.

Com o seu charme francês ou com a dureza anglo-saxônica, o Canadá pinta uma face de humanista, democrático ou até mesmo progressista, mas se revela outro – esse sim verdadeiro — nas relações comerciais e econômicas especialmente com o chamado Terceiro Mundo.

Já a apertadíssima vitória de Macri na Argentina e o golpe parlamentar-mediático que entronizou no governo brasileiro uma facção ultraliberal e francamente entreguista, fizeram com que as duas principais economias do subcontinente aderissem às fracassadas teses do Estado Mínimo, da submissão à globalização financeira.

No meu país, o meu amado Brasil, o governo parido pelo golpe, retira direitos e garantias dos assalariados e programa a destruição da previdência pública.

E, inacreditavelmente, introduz, por lei, um teto de gastos pelo período de vinte anos!

Limite de gastos que congela por duas décadas os investimentos na saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, ciência e tecnologia, obras de infraestrutura, habitação e programas sociais.

Reduzem-se, assim, os gastos per capita e os investimentos em termos reais, já que a população continuará a aumentar até 2038.

Serão cerca de 20 milhões de brasileiros a mais que terão que se manter com o mesmo nível de gastos e de investimentos.

É óbvio, e eu nem precisaria dizer para um auditório tão inteligente, que a única despesa que poderá aumentar é a despesa financeira, para a felicidade de alguns nababos e algumas dúzias de parasitas.

E a cereja do bolo, confeitado pelo novo governo brasileiro, é o anúncio, agora, do mais radical e estapafúrdio programa de privatizações.

É a liquidação final do país. Tudo à venda e por preços irrisórios, ridículos.

Até mesmo as florestas amazônicas não escapam à loucura privatista.

Uma imensa área, maior do que muitos países europeus, vai ser franqueada à predação das mineradoras.

No afã de consolidar o Brasil, na divisão internacional do trabalho, como mero produtor e fornecedor de commodities, minerais e agrícolas, o atual governo brasileiro libera a venda de terras para estrangeiros, ilimitadamente.

E coloca o nosso petróleo e as nossas reservas minerais à disposição do mercado, também ilimitadamente, irrestritamente.

Como disse por esses dias um dos grandes pensadores econômicos do país, o professor Luís Carlos Bresser-Pereira: a privatização condena o Brasil a ser empregado dos países ricos.

Empregado barato, sem qualificação e direitos, acrescentaria eu.

O que se vê é a aplicação das teses dependentistas.

Nossas classes dirigentes, cujo complexo de vira-latas foi vocalizado por alguns intelectuais (um deles, inclusive, chegou à Presidência do Brasil), nunca confiaram na capacidade de nossa gente de construir um país industrialmente desenvolvido, avançado, próspero.

Por isso, entregam o país ao capital multinacional, para eles o único com capacidade para empreender, reservando para os nacionais a tarefa de produzir commodities agrícolas e minerais. Além de fornecer mão-de-obra barata, semiescrava.

Depois de um período em que foi espelho para a América Latina, África e Ásia da construção de um projeto de Nação, o Brasil retrocede no tempo e agrilhoa-se aos interesses e aos proveitos imperiais.

Ao mesmo tempo, a mudança de comando em Brasília e Buenos Aires e a crise venezuelana enfraqueceram um tanto mais a já precária unidade latino-americana.

Quer o governo do Brasil quer o da Argentina não escondem o incômodo de perfilar-se entre os países em desenvolvimento, entre as nações mais pobres das Américas, da África ou da Ásia.

No caso brasileiro, por exemplo, a aproximação à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, e o distanciamento do G 77+China, sinaliza também um afrouxamento dos laços com o Mercosul, a Unasul, os Brics.

Ainda mais uma vez, reaviva-se o fantasma da falecida Alca.

Nesses dois anos de co-presidente da Eurolat, defendi com paixão, e com razão, a prevalência dos interesses nacionais, populares e democráticos sobre os interesses do capital, especialmente do capital financeiro.

Saudei com entusiasmo, nesta Assembleia, a pregação do Papa Francisco, um latino-americano, contra Mamon, contra a financeirização da economia, contra a usura, contra a acumulação insana, contra a demência dos juros, da concentração de rendas, que destroem as economias reais, os empregos e as democracias.

A cada encontro da Eurolat, denunciei o capital improdutivo e vadio, que vagueia a terra à busca do lucro fácil, farto e estéril porque não produz um botão para as nossas roupas, uma peça para as máquinas.

É preciso que nos convençamos de que a globalização financeira é hoje o principal inimigo do Estado Nacional, do Estado-Nação.

É o principal inimigo da democracia, do pleno funcionamento e da robustez das instituições democráticas, da liberdade.

É o principal inimigo da nossa aventura de vida, da civilização, da paz, do bem-estar e da felicidade humana.

Os três clássicos que vislumbraram o aterrador e angustiante tempo futuro, “Nós”, de Eugene Zamiátin, “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley devem ser lidos hoje não mais como a reprodução deste ou daquele regime, deste ou daquele ditador e sim como a distopia final da humanidade.

Hoje quem encarna o “Benfeitor”, o “Grande Irmão” ou “ Lord Ford”, personagens-sínteses do pensamento único, da uniformidade e da unanimidade não são mais reproduções de Hitler, Mussolini ou caricatos e sanguinários ditadores terceiro-mundistas.

Hoje, a manipulação das pessoas, de suas vontades e decisões; e a sujeição da vida das nações e das instituições nacionais são feitas por Mamon, o senhor da globalização financeira.

O “Estado Único”, de Zamiátin, a “Oceânia, a Eurásia e a Lestásia” de Orwell, o “Governo Mundial” de Huxley fundiram-se em uma só monstruosa entidade: o Banco Global.

Onisciente, implacável controlador de arbítrios, desejos, sinas e propósitos, o Banco Global é o senhor de todas as vidas, de todos os destinos do planeta Terra.

A realidade que vivemos presentemente, cotejada com as ficções de Zamiátin, Orwell e Huxley torna-se ainda mais chocante quando, lá e cá, na ficção e na realidade, vemos o papel essencial da comunicação para dar contornos… edulcorantes ao pesadelo do Estado Único e do Pensamento Único.

Às vezes insinuante, sorrateira, outras cativante, atrativa, mais das vezes parcial, tendenciosa e mesmo escrachadamente mentirosa, a comunicação é o alimento que envenena os espíritos e molda as opiniões, em nossos países, em todo o Planeta.

Assim, com o imprescindível apoio da mídia, o Banco Global inaugura uma nova era na história da humanidade, a Era do Capital Improdutivo.

Depois das Eras do Capital, dos Impérios e das Revoluções, segundo a classificação de Eric Hobsbawn, temos agora a Era de Mamon.

O trabalho, a vida, as ideias, os sonhos, a criação, a inventividade, o gênio e a generosidade, o avanço tecnológico e a produção só contam à medida que são financeirizados, que se transformem em derivativos.

Afinal, o que conta, o que realmente vale, é o lucro. Se é mais lucrativa a especulação que a produção, viva a agiotagem. E por que a produção se o mundo é para poucos? E de poucos?

Essa insanidade, a Era do Capital Improdutivo, precisa ser abreviada e fulminada. Esse morto-vivo que desde 2008 vagueia pela terra e a quem nós, os países dependentes, damos refúgio e oferecemos o sangue do nosso povo para mantê-lo ativo, esse morto-vivo precisa ser liquidado.

A estaca que vai transformá-lo em pó é a aliança do capital produtivo com o trabalho.

Falo agora do continente que represento.

Uma das maiores catástrofes da América Latina é a maldição do eterno retorno.

“A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira”, assim fala Zaratustra a cada passo de nossa história.

Quando pensamos que vencemos uma etapa da vida, que avançamos dois, três degraus, dá-se o retrocesso.

Reproduz-se agora, notadamente na Argentina e no Brasil, a mesma ferocíssima e incomplacente investida do capitalismo liberal que sofremos nos anos 90.

E, talvez a dar razão a Fernando Henrique Cardoso e a Enzo Faletto, a nossa burguesia, as classes dirigentes, na encruzilhada entre o caminho da libertação nacional, do desenvolvimento e da construção do Estado-Nação, juntando-se ao seu povo nessa honrosa empreitada, trai e cede a Mamon…

… e também crava seus caninos na jugular do Estado para sugar a sua cota de rendimento da dívida pública.

Senhoras e senhores parlamentares da Europa, do Caribe e do continente Latino-americano.

Não há outro caminho. Ou a humanidade liberta-se da Era do Capital Improdutivo, a Era de Mamon, ou seremos arremessados na mais tenebrosa época da civilização.

Citei Bergoglio, cito agora Damiano Ratti, na encíclica “Quadragesimo Anno”, publicada no longínquo 1931, em comemoração aos 40 anos da “Rerum Novarum”, de Leão XIII.

Dizia Pio XI, há 86 anos passados!

“No nosso tempo, tornou-se claro que o imenso poder e a riqueza estavam concentrados nas mãos de apenas alguns homens. Este poder torna-se particularmente irresistível quando exercido por aqueles que controlam e comandam o dinheiro (…) Eles têm o poder supremo no sistema de produção, de modo que ninguém possa ousar a respirar contra a vontade deles.”

Eles têm o poder supremo no sistema de produção, de modo que ninguém possa ousar a respirar contra a vontade deles.

Mas é preciso respirar contra eles. Respirar e resistir, para não morrer.

O gênio, a generosidade e a grandeza do espírito humano não podem ceder àqueles que controlam e comandam o dinheiro, que controlam e comandam as nossas vidas e a vida de nossas nações.

O capital improdutivo — infecundo, estéril — é a antítese da civilização, da infinita capacidade do homem de criar, de construir, de avançar em direção de um mundo justo, equilibrado, fraterno, pacífico.

São com essas palavras que me despeço da co-presidência da Eurolat.

Nesses dois anos de mandatos esse foi o alvo central de minha luta.

Acredito fervorosamente que ou a humanidade, especialmente nós do pólo dos países em desenvolvimento, põe-se em campo contra o Estado Único do Capital Improdutivo, do Estado Único de Mamon, ou veremos replicar infinitamente as guerras, os genocídios, a miséria, a fome, a ignorância, o racismo, os arreganhos nazifascistas.

Quem viver, verá.

Colegas parlamentares, vamos viver!

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