Renan Zapata: Com o assassinato de Marielle, crise do fascismo na Itália na década de 20 ressurge diante de nós

Tempo de leitura: 4 min

O assassinato de Marielle Franco e a crise do fascismo

por Renan Zapata*, especial para o Viomundo

Em 30 de maio de 1924, o deputado italiano Giacomo Matteotti fez um discurso na Câmara dos Deputados denunciando a fraude da eleição anterior, ocorrida em 6 de abril do mesmo ano, assim como a violência que havia acompanhado o pleito.

Nessas eleições, a oposição ao regime de Benito Mussolini havia conquistado uma grande importância e desde então a maioria parlamentar fascista se deteriorava.

Um ano e meio se passava da Marcha sobre Roma, manifestação que instaurou a ditadura fascista.

Junto do discurso, Matteotti, do Partito Socialista Unitario, propunha invalidar a eleição de, pelo menos, um grupo de deputados.

Apesar da proposta ter sido derrotada de forma esmagadora, os fascistas se atemorizaram.

“Vocês são uma milícia armada, composta de cidadãos de um só partido, a qual tem a tarefa declarada de sustentar um determinado governo com a força, ainda que para isso, falte o consenso”

A motivação de Matteotti era formar uma oposição combativa e intransigente, baseada no direito de legítima defesa.

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Não se importava de a proposta ser derrotada. Nem se importava com as consequências certamente fatais de tal atitude afrontosa.

Depois do discurso, Matteotti disse profeticamente a alguns companheiros de partido: “Eu, o meu discurso fiz. Agora, preparem o discurso fúnebre para mim”.

Bastaram dez dias para que ele fosse sequestrado. Acharam o corpo 2 meses depois num bosque a 25 quilômetros de Roma.

Seu assassinato levou o fascismo a uma crise inesperada. A hegemonia fascista fragilmente preservada nas eleições de abril era suspensa.

Uma comoção de grandes proporções toma conta da Itália, o fascismo é cada vez mais explicitado em seu aspecto autoritário. Cria-se uma abertura histórica para isolar o fascismo e desenvolver uma hegemonia da oposição, democrática.

Porém, os inúmeros partidos da esquerda italiana não conseguem entrar em acordo para uma ação conjunta e decisiva. Fragmentadas e desorientadas, essas várias agremiações parecem não ter a força necessária para se sobrepor ao fascismo.

Três meses depois da morte de Matteotti um militante comunista mata um deputado fascista, vingando Matteotti.

O terrorismo fascista recomeça e a abertura histórica de crise começa a se fechar.

Essa mesma crise do fascismo que se abriu na Itália da década de 20, agora ressurge diante de nós, mesmo que o nosso atual regime não seja propriamente fascista.

O assassinato da vereadora Marielle Franco do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), ao que tudo indica, por paramilitares, desnudou para todo o mundo o caráter autoritário não só da intervenção militar do Rio de Janeiro, mas de toda a política envolvida nessa “solução”.

A morte de Marielle acontece cerca de 15 dias depois de ela  assumir a relatoria da comissão da Câmara de Vereadores que avaliará a intervenção militar, iniciada quase 1 mês antes.

O absurdo desse “excesso” colocou de uma vez por todas em suspensão o Estado democrático de direito.

Isso é extremamente relevante, de um modo grave, porque o governo e o judiciário estavam mantendo a política da legitimidade da lei e do funcionamento normal das instituições, apesar de tudo.

De certo modo, ela corria bem e camuflava todas as medidas impopulares, como se a popularidade do judiciário equilibrasse a impopularidade do governo Temer.

Essa linha condicionava a esquerda a uma só estratégia, a de esperar pelas eleições.

Toda a angústia e impotência causadas pelo assombro das reformas impostas desde o impeachment estavam sendo canalizadas para as eleições, mesmo com a incógnita da participação de Lula.

Agora parece que a situação mudou. Antes, o governo e o judiciário conjugavam o funcionamento normal da democracia com o abuso de poder, um poder autoritário e seletivo contra os principais representantes do pacto do governo lulista, e na esteira contra todos os marginalizados.

Agora, a aparência de democracia sofre um abalo significativo. Passou-se, então, de uma ordem fracamente legítima com popularidade média para uma ordem ilegítima. Por isso, renasce em todos os lados o debate sobre o terrorismo de Estado.

Há com essa mudança consequências explosivas e paradoxais.

As manifestações do dia 15 de março por conta do assassinato de uma parlamentar de esquerda no dia anterior, que denunciava o Estado de exceção vivido nas favelas do Rio de Janeiro com a intervenção militar, recolocam as massas nas ruas.

O que, por mais que se tentasse na defesa contra a perseguição de Lula, não tinha êxito.

Esse assassinato não aparece ao mundo como mais uma morte de negros da periferia, contudo, mais do que isso, como um crime político, oficial e excepcionalmente político, de uma representante do povo com imunidade parlamentar.

O peso simbólico que se ergue é que o Estado não se sustenta mais. Isso significa rigorosamente uma ruptura na ordem simbólica que balizava o governo. Ruptura que arranca a esquerda da inércia e a coloca de novo no protagonismo de suas próprias ações.

A retórica pública, isto é, aquele pequeno “consenso” do que é permitido falar em público sem se isolar, do que é conveniente falar em público, volta a uma suspensão da hegemonia de direita, conquistada em 2013.

Uma retórica pública democrática ressurge e sua força é ampliada pelo represamento angustiante a que o impeachment havia reduzido a esquerda e as forças populares, que padeciam de uma impotência somente consolada pela esperança das eleições.

A esquerda pode intervir nessa crise de modo a fazer recuar o governo Temer tanto quando o judiciário na sua normalidade despótica.

Para isso, são necessárias uma estratégia comum e uma ação sólida e coordenada.

A oportunidade pode não representar de imediato muita coisa, mas batalhas gigantescas vão ser travadas nas próximas semanas, principalmente nos próximos dias.

O “clima” político parece ter a primeira ocasião de ser remodelado e tende de novo a um equilíbrio das forças políticas.

Isso pode fazer diferença na prisão de Lula, na perseguição ao PT, PSOL e movimentos sociais e também na garantia das eleições esse ano.

Até a eleição com Lula hoje parece voltar a ser possível.

As ocasiões, é claro, podem ser perdidas, mas mesmo assim o sacrifício de uma mulher tão corajosa, nos inspira a levantar a cabeça e lutar com mais garra.

O deputado Giacomo também falou aos seus companheiros que embora pudessem matá-lo, a ideia que ele carregava, jamais.

A voz da história ressoa alto: as ideias de Marielle não serão assassinadas!

*Renan Zapata é bacharel em História pela FFLCH-USP e mestrando em Filosofia na mesma instituição.

Leia também:

Carone: Quem e como estão roubando o nióbio brasileiro 

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Comentários

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FrancoAtirador

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As balas 9mm utilizadas pelos executores são do lote UZZ-18,
vendido para a Polícia Federal de Brasília em 2006, pela empresa CBC.
A Polícia Civil do Rio e a Polícia Federal
investigam se munições do lote foram desviadas.

Munições do mesmo lote UZZ-18 também foram encontradas em 2015
nas vítimas Executadas por Grupos de Extermínio em Barueri e Osasco,
na Grande São Paulo.

Três policiais militares e um guarda-civil foram condenados por 17 Assassinatos.

O Comando do Exército autorizou, por portaria publicada em agosto de 2017 (http://www.dfpc.eb.mil.br/images/967.PDF),
que agentes de segurança no Brasil, como policiais civis e militares,
comprem armas de calibre 9 mm para uso pessoal fora do trabalho.
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FrancoAtirador

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Foi Por Furto ou Negócio o Sumiço da Munição 9mm da Polícia Federal

https://jornalggn.com.br/noticia/correios-negam-conhecimento-de-furto-de-municao-usada-contra-marielle
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roberto

Muito claro !

João Lourenço

Zapata,ficou longe mesmo tente outra!

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