Raul Pont: Lições do México

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Fotos: Liliane Froemming/Arquivo pessoal e Presidência do México

Lições do México

Por Raul Pont*, Democracia Socialista

As recentes eleições mexicanas, para o Executivo e o Legislativo do país, não ganharam maior destaque na mídia brasileira.

O protocolar registro do fato, apontar números e reconhecer a vitória de Claudia Sheinbaum, candidata do Presidente Lopez Obrador e da Frente liderada por seu partido (Movimento de Regeneração Nacional – MORENA), foi o que predominou na imprensa brasileira.

Apesar do Mercosul, do crescimento das relações econômicas, das tentativas de consolidar instituições de integração política e cultural, continuamos desconhecendo nossos vizinhos e suas experiências históricas.

Principalmente pela alienante e dirigida cobertura da grande mídia nacional especializada em nos trazer escândalos, personalidades, catástrofes e pouquíssimo conhecimento sobre o processo histórico e o comportamento de seus povos, de suas classes sociais.

O México faz parte da América Latina, viveu conosco o domínio colonial europeu e como dizem os mexicanos viveu sempre “tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.

Este, inclusive, invadiu grandes áreas de seu território ao longo do século XIX, exerceu sempre forte influência sobre o vizinho e na era da Globalização fez do México um dos exemplos da indústria “maquiladora”.

Apesar disso, hoje, se constitui na segunda economia da América Latina, uma população de 130 milhões de habitantes e com períodos de crescimento baseado num nacionalismo econômico com forte presença do Estado, em especial no petróleo, e de caráter reformista frente aos Estados oligárquicos pós independência.

Viveu um profundo processo revolucionário no início do século XX de caráter popular e camponês que garantiu mudanças significativas na estrutura fundiária do país.

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O Cardenismo (governo de Lázaro Cárdenas) dos anos 30, assemelha-se, em muito, com os períodos vividos com Vargas no Brasil e Perón na Argentina.

Nesses países, esses períodos de crescimento econômico e forte urbanização ocasionaram transformações políticas com a crescente participação popular na vida pública.

Os grandes centros urbanos, as universidades públicas, as empresas estatais e, no caso mexicano, a forte presença física e cultural dos povos originários, colocaram estes países numa vanguarda de experiências políticas na América Latina.

Nestas eleições, agora, as lições da experiência mexicana são importantes e necessárias de serem observadas pois revelam como os sistemas eleitorais podem ter um peso importante nos processos democráticos.

Mostram, claramente, que o sistema eleitoral necessita partidos fortes que sejam identificados por seu programa, por suas práticas de governo, por sua história e representação social, sem o que os processos eleitorais transformam-se em mera contagem de votos, apuram-se os vencedores, e “borrão e conta nova”.

O sistema eleitoral mexicano assenta-se no voto partidário, no voto de legenda e coligação partidária.

Claudia Sheinbaum alcançou a presidência – 60% dos votos – depois de governar a capital, eleger sua sucessora, Clara Brugada, na Cidade do México, e estar alinhada ao projeto do presidente Lopez Obrador e seu partido, o MORENA.

Os aliados do bloco vencedor, Partido do Trabalho (PT) e Partido Verde (PV), junto com o MORENA apresentaram uma unidade programática, de campo social e de tradições de lutas populares, classistas e ambientalistas que caracterizavam com facilidade sua identidade.

Isso era reforçado pela liderança de Lopez Obrador, por sua histórica luta social no México, desde o período de crise do antigo PRI que governou o país por mais de meio século e a formação do Partido da Revolução Democrática (PRD) (1989), do qual participou e foi candidato presidencial em 2006.

Derrotado, em eleição contestada por fraude, manteve-se ativo na construção e disputa partidária.

Mais tarde, afastou-se do PRD por crítica à sua burocratização, eleitoralismo e o envolvimento partidário em processos de corrupção administrativa.

Esse afastamento levou-o à formação do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) e a posterior eleição como prefeito da capital.

Queremos ressaltar nesta análise o voto partidário, o voto no Partido ou Partidos de uma Frente Política.

A identificação com a trajetória de origem do MORENA, os votos no PT e no PV têm um significado político mais consciente e duradouro, mais coerente do que o voto nominal predominante no Brasil.

Só para reforçar a memória, no Brasil em 2018, Bolsonaro foi candidato e eleito pelo Partido Social Liberal (PSL), elegendo 52 deputados federais. Quatro anos depois, o Partido não existia mais.

No México, a candidata derrotada foi Xochitl Galvez, representando a coligação: Partido de Ação Nacional (PAN), Partido Revolucionário Institucional (PRI) e Partido da Revolução Democrática (PRD).

O dois primeiros, adversários históricos desde o Cardenismo dos anos 30 e o PRD, com todo o processo de institucionalização e perda de identidade política de suas origens.

Apesar de histórias distintas e contraditórias essa coligação expressava o pensamento neoliberal predominante e alcançou em torno de 30% dos votos.

Comparando com a explosão partidária vivida no Brasil nas últimas décadas, o voto nominal no Legislativo, a esdrúxula figura da emenda parlamentar impositiva no Orçamento público e a fraude da “janela” para a troca de partido em ano eleitoral sem perda de mandato, não é difícil compreender o resultado antidemocrático que vivemos no presidencialismo brasileiro.

O eleitor vota num programa para governar e elege outro para legislar.

A professora Claudia Sheinbaum foi eleita presidenta da República do México e terá maioria para governar graças a um sistema eleitoral melhor que o nosso. Mais coerente, mais racional, mais democrático.

Outra lição do pleito mexicano também pouco destacada pela mídia foi a garantia da paridade de gênero na composição do Legislativo.

A legislação eleitoral já havia determinado um percentual crescente nas últimas eleições e que alcançou nesta, a paridade.

As listas partidárias já compostas com igualdade de homens e mulheres garantem o resultado final da paridade de gênero no Legislativo.

Não é mais o exemplo de países europeus, vários países da América Latina já adotam sistemas semelhantes para garantir a paridade de gênero ou avançar nessa direção.

No caso brasileiro, o atraso é histórico e agravado pelo voto nominal, principal estímulo à corrupção, ao clientelismo e à degeneração partidária.

Mesmo com as medidas recentes de garantir recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas femininas, os percentuais de representação quase não se alteraram. Não alcançamos nem 20% de representação de mulheres nos legislativos dos entes federados.

Com o voto nominal, financiamento privado disfarçado, histórico patriarcalismo cultural e partidos transformados em balcões de negócios e charlatanismo político-religioso, o sistema eleitoral brasileiro continuará sendo pouco democrático.

Esperemos que a experiência mexicana sirva de exemplo para reacender a urgente luta por reforma eleitoral no Brasil e as mulheres, maiores vítimas hoje dessa desigualdade, tenham nisso papel relevante na defesa da paridade de gênero nos Legislativos.

Precisamos combinar a luta unitária das mulheres de todos os partidos democráticos pelo voto em lista pré-ordenada com projeto de lei que tramite com rapidez e a mesmo unidade no Congresso.

*Raul Pont é Professor e ex-Prefeito de Porto Alegre.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Zé Maria

A Cada Eleição Parlamentar no Brasil,
agrava-se o Círculo Vicioso Legislativo,
nos Quatro Anos Seguintes ao Pleito:
o Número de Representantes da Direita
Demagógica e Desqualificada cresce
no Congresso Nacional, e os Bons Projetos
de Lei para a Reforma Eleitoral não prosperam.
É assim que a EXtrema-Direita Fascista cresce
com apoio da Burguesia e da Imprensa Neoliberal.

Zé Maria

Se houvesse o Voto Partidário, por Lista Nominal
de Candidatos a Cargo Parlamentar, interna e
democraticamente Pré-Selecionada pelo Partido
Político ou Federação Partidária, a Direita Minguaria.

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