Desculpas a Genoino
Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.
Cecília Meireles, poema Desenho
Por Pedro Carvalhaes*, especial para o Viomundo
Começara 2018, segundo ano após o golpe que derrubou a presidenta Dilma.
Juntamente com a jornalista e escritora Ruth Barros, eu estava, meio de gaiato, num evento do Diretório Municipal do PT, em São Paulo.
No terraço do prédio, alguns figurões do partido (como Carlos Zarattini, Eduardo Suplicy e Rui Falcão) debatiam os rumos do País com todos nós, “meros mortais” (rs).
Desolados, tentávamos manter acesa a chama da indignação e da esperança, ante os ventos turbulentos que sopravam de Brasília.
Temer entregava o País aos abutres da elite e do imperialismo, a Lava Jato, sob os holofotes da mídia corporativa, preparava a condenação farsesca de Lula, e a extrema-direita conquistava multidões.
Já nós teimávamos em encontrar a saída para aquele pesadelo.
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Rui Falcão falava sobre a necessidade de (re)conquistar o eleitorado evangélico.
Suplicy, naturalmente, a respeito do Renda Básica de Cidadania.
Zarattini discorria sobre a necessidade de resistência no Congresso.
E eu, muito atento, ouvia-os. Até que passei a observar um senhor de cabelos brancos, que chegava.
Roupa social, mochila a tiracolo, documento de identidade escapando do bolso da camisa.
A informalidade do seu vestuário remeteu-me ao meu finado pai, Duval Vieira, durante sua longa militância no SindSaúde/MG.
Não precisei, contudo, ler o nome escrito na carteira de identidade que saía do bolso daquele senhor para identificar o portador.
Era José Genoino, ex-deputado federal e ex-presidente nacional do PT, que, juntamente com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, foi imolado na esteira da farsa do “mensalão”.
O establishment, inclusive a mídia corporativa, tinha a esperança de que as chamas postas sobre Genoino e Dirceu incendiassem Lula, ainda no seu primeiro governo.
Depois de tudo o que vivera, Genoino estava ali, na minha frente. Trazia no semblante a intrigante aura de um guerrilheiro que, conquanto capturado, jamais se rendera.
Guardadas as proporções, é claro, fez-me lembrar a famosa foto de Guevara após ser morto pelas forças repressivas na selva boliviana — os olhos de Che permaneciam abertos!
Há muito tempo não tinha notícias de Genoino.
Achava que estava definitivamente afastado da vida institucional do PT. Por isso, estranhei sua presença, sem que me desse conta de que quem sobrevivera à guerrilha do Araguaia, sobreviveria a qualquer outra coisa.
No entanto, como todo sobrevivente, Genoino ostentava cicatrizes decorrentes do linchamento político.
Embora estivesse ali fazendo política na melhor acepção do termo, tive a impressão de que ele não queria chamar atenção para a sua figura, como se receasse macular o ambiente da agremiação que presidira e ajudara a fundar.
(De fato, com estoicismo e o senso coletivo de um verdadeiro homem de partido, Genoino, em nenhum momento, rebelou-se contra o fato de ter sido tacitamente abandonado pela direção do PT. O mesmo pode ser dito sobre José Dirceu. Genoino, assim como Dirceu, aceitou seu ocaso político e todos os prejuízos pessoais das perseguições. Tudo para tentar salvaguardar o partido, bem como a permanência deste à frente do Palácio do Planalto.)
Mas, admirador dele que sempre fui, deixei o recato de lado e, ignorando talvez o esforço dele em ficar incógnito, pedi uma foto.
Genoino demonstrou certo desconforto, mas logo entendeu a afetuosidade da minha solicitação, e aceitou tirar a foto.
Ao final, fez um único pedido: que eu não a publicasse, em nenhum local.
Seu pedido dilacerou-me.
Depois de tudo o que fizera pela democracia no Brasil e pelo PT, ver o digno e corajoso Genoino fazer aquele pedido doeu demais. Fiquei mal.
Para não lhe causar constrangimento, tentei esconder essa sensação. E me comprometi a não publicar a foto, como era seu desejo, afastando-me em seguida.
Daquele encontro, em 2018, no Diretório Municipal do PT da cidade São Paulo, aos nossos dias atuais, passaram-se cinco anos.
Muita coisa aconteceu, como, por exemplo, a prisão política de Lula, a tenebrosa eleição de Bolsonaro, a pandemia de covid-19 e o negacionismo da ciência. Tudo isso acarretando significativo prejuízo aos brasileiros, especialmente os mais vulneráveis, como os pobres, quilombolas, indígenas e a população LGBTIQAP+.
Mas, felizmente, não há mal que dure para sempre.
Lula foi inocentado. A Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro foram desmascarados, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Com a vitória do petista, em 2022, vivemos uma nova redemocratização.
O tempo é (e foi) senhor da razão!
No dia 10 de fevereiro, o PT completou 43 anos.
Como o presidente Lula estava em viagem oficial aos Estados Unidos, a celebração dos 43 anos do PT foi transferida para a segunda-feira, 13 de fevereiro.
José Dirceu, sendo morador de Brasília, estava presente.
Sentou-se entre os convidados de honra do evento oficial dos 43 anos do PT, tendo sido elogiado por Lula e ovacionado pela militância.
Genoino, morador de São Paulo, não estava lá. Mas, se estivesse, certamente receberia o mesmo tratamento.
Por conta da efeméride petista, tanto Genoino (já sem medo de aparecer e de ser feliz) quanto Dirceu foram entrevistados no Jornal PT Brasil, exibido de segunda a sexta-feira no canal do PT no You Tube (confira o vídeo, ao final).
Sem dúvida, a fala de Lula, que fez emocionante discurso na festa, bem como a presença oficial de Genoino e Dirceu, em diferentes eventos comemorativos dos 43 anos do PT, representaram a própria redenção do partido, depois de tantas perseguições.
O feitiço que levou Genoino e Dirceu a uma espécie de clandestinidade em plena democracia, e no seio da própria agremiação que ajudaram a construir, foi quebrado.
(E, aqui, pergunto-me: será que se tivesse defendido lá atrás Genoino e Dirceu, o PT não teria destruído o ovo da serpente que, chocado, derrubou Dilma, fortaleceu a Lava Jato, levou Lula à prisão e Bolsonaro ao poder, quase aniquilando o Estado Democrático de Direito?)
Como uma fênix, o Partido dos Trabalhadores ressurgiu das cinzas, e chegou ao seu 43º aniversário, contra quase tudo e quase todos, novamente no Planalto — e sinalizando que, como o PT, o Brasil também pode e irá ressurgir das cinzas às quais foi reduzido desde 2016.
Diante disso, sinto-me unilateralmente livre do pacto que fiz com Genoino.
E publico, aqui, a nossa foto, tirada naquele já distante e desolador começo de 2018.
Valeu a espera. Valeu a luta.
Genoino, obrigado pelo exemplo de resistência e dignidade! E desculpe-me pela quebra do nosso acordo.
(Em tempo: em agosto de 2020, portanto 15 anos após o início do processo do dito “mensalão”, a 3ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, inocentou Genoino dos crimes de falsidade ideológica dos quais era acusado no âmbito da farsa orquestrada pelos adversários do partido)
*Pedro Carvalhaes, graduado em Direito pela UFMG, é roteirista.
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Comentários
Ibsen
Em tempo, os sucessivos golpes de 2016, 2018 e anteriormente contra a cúpula do governo Lula provocou o infarto de Genoíno, algumas doenças do Dirceu e a morte de dona Mariza, além do genocídio do povo indígena e o aprofundamento do genocídio da população preta e favelada. Feliz daquele que tem esperança porque eu já perdi a minha.
Ibsen José Fabis Marques
Para ressurgir das cinzas seria necessário que o Brasil tivesse surgido da escravidão, mas ainda se encontra varrendo todas as grandes mazelas da sua história para debaixo do tapete. Já desisti de ter esperança porque sim, há mal que perdure; se não for para sempre seguramente será até o fim da minha vida.
Dan Moche
Genoíno, obrigado!
Edersin Jagurassú Lopes Aquistapasse
_Estando do lado da verdade, fica mais sereno o dormir com a consciência tranqüila o sono dos imprescindíveis. Genuinamente Genoíno.
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