Pedro Augusto Pinho: Golpe de 1964, eleições de 2022 e narrativas da pedagogia colonial

Tempo de leitura: 8 min
Ilustração: Carlos Lopes

Da Redação

“A independência do Brasil ainda é um evento inconcluso em nossa História. O País não tem autonomia decisória”, afirma o administrador Pedro Augusto Pinho, que começa hoje no Viomundo uma série especial de três artigos intitulada Contribuições para a defesa da Pátria.

Pedro Augusto é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).

Ele mesmo explica, em linhas gerais, o que tratará nos três artigos:

— O Brasil, até bem pouco tempo, seguia decisões estadunidenses.

— Anteriormente, como demonstra Miguel Bodea (“A Greve de 1917 – As origens do trabalhismo gaúcho”, L&PM, Porto Alegre, s/data), o Rio Grande do Sul “possuía a mais alta porcentagem nacional de firmas industriais de propriedade individual, o maior número de bancos controlados por capitais nacionais e o maior índice de investimentos norte-americanos (no resto do país ainda predominava o capital britânico)”.

— Hoje, passados 200 anos da “independência” de 7 de setembro, nem mesmo estamos sob o controle externo de Estados Soberanos. Somos controlados por capitais apátridas, de administradores desconhecidos, sob a designação de “gestores de ativos”: BlackRock, Vanguard, State Street, Wellington, Fidelity.

— O nosso objetivo com esses três artigos é levantar temas e fatos que ajudem o Brasil um dia a passar de Estado Servil a Estado Soberano.

Abaixo, o primeiro artigo da série.

SÉRIE “CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA PÁTRIA”

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GOLPE DE 1964, ELEIÇÕES DE 2022 E NARRATIVAS DA PEDAGOGIA COLONIAL

*Pedro Augusto Pinho*, especial para o Viomundo

Getúlio Vargas, o Estadista, não resistiu ao segundo golpe que as forças estrangeiras lhe aplicaram. Preferiu sair da vida e, efetivamente, escreveu uma das mais edificantes páginas da História do Brasil.

Mas a narrativa da pedagogia colonial, naquela época a serviço do industrialismo estadunidense, tentou aplicar-lhe os rótulos usuais dados aos estadistas latino-americanos: corrupto e ditador.

Mas nenhum coube em Getúlio, como ficou demonstrado pela tristeza e pela ira popular quando souberam de seu suicídio, fazendo fugir seus algozes, para manterem-se vivos.

Vargas nos legou uma ideologia brasileira: o nacional trabalhismo. Do discurso de 11/03/1940:

“Não é demais acentuar, neste momento, que o Brasil atravessa uma etapa decisiva da sua história. No campo econômico, como na vida social, atingimos a fase crítica em que se pronunciarão, definitivamente, as qualidades dominantes de nossa formação. Incumbe aos homens que governam, aos transitórios mandatários da vontade nacional, velar e lutar, constantemente, pela conservação das características fundamentais da nossa civilização. Educando, provendo as necessidades culturais do povo, incutindo-lhe no ânimo a ideia de solidariedade indestrutível em torno dos princípios que lhe norteiam a vida mental e moral, teremos feito o melhor possível pelo progresso da nacionalidade, porque, assim, fortaleceremos a sua estrutura e a sua unidade de sentimento e ação” (in Getúlio Vargas, As Diretrizes da Nova Política do Brasil, organizado por Severino Sombra, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1942).

Neste parágrafo estão consolidadas a solidariedade, a unidade e a cultura nacional, um robusto não às ideologias e práticas do estrangeiro, sempre invejosas das riquezas, do povo miscigenado e das dimensões do Estado Nacional.

Francisco Campos, de quem nunca se soube tendências marxistas, ao criticar a constituição dos Estados Unidos da América (EUA), salientava a sua rigidez engessadora, que não permitia governo que não tivesse a bênção dos magnatas.

E escrevia no Estado Nacional em 10/05/1938, “um Estado em que o povo identifica a sua soberania, que não é simples mecânica do poder, mas a alma, espírito, atmosfera, ambiência, clima”.  Enfim, como no discurso de Vargas, a cultura de uma nação.

A este nacionalismo, Getúlio colocou o trabalho como a forma de realização do homem. Não apenas o modo de ganhar o sustento, de se manter e aos seus, mas também o modo de se valorizar o ser humano como criador, intérprete, doador.

O nacional trabalhismo era e é um incômodo para os entreguistas, para as mentes colonizadas, que repetem a pedagogia colonizadora dos interesses estrangeiros.

E foram estes estrangeiros, com milhares de dólares estadunidenses, que regaram os governos antinacionais de Magalhães Pinto (MG), Ildo Meneghetti (RS), Carlos Lacerda (RJ) e Adhemar de Barros (SP), para o golpe de 1964. E tiveram ajuda nada religiosa do Padre Peyton (Marcha da Família com Deus pela Liberdade), em procissões políticas.

Também chegaram dólares para os marqueteiros do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), fundado em 29/11/1961 por Augusto Trajano de Azevedo Antunes (Caemi Mineração) e Antônio Gallotti (Light S.A), e para o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), organização (think tank) anticomunista, fundada, em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, com Gilbert Huber Jr., Glycon de Paiva e Paulo Ayres Filho.

Nem faltaram recursos para as “dondocas” da CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia), de Amélia Molina Bastos, irmã de Antônio Mendonça Bastos, membro do Serviço Secreto do Exército, e de Dona Lalá Fernandes, posteriormente processada por estelionato.

Todos recebiam algum tipo de benefício, ou promessa de ganhos, para pedir a deposição do ex-ministro de Vargas, à época Presidente do Brasil, João Goulart, e que os livrassem da liderança nacionalista de Leonel Brizola, construtor de 6 mil escolas públicas no Rio Grande do Sul e da encampação das empresas Amforp e Light, sonegadoras do erário e de péssimos serviços ao povo gaúcho (ver, entre outros, João Carlos Guaragna, Brizola a revoada do exílio, e Miguel Bodea, Trabalhismo e Populismo no Rio Grande do Sul, ambos de1992; Osvaldo Maneschy, coordenador, Leonel Brizola, a legalidade e outros pensamentos conclusivos, 2011; e José Augusto Ribeiro, O Brizola desconhecido, 2022).

No entanto, o golpe de 1964 desencadeou outro golpe.

Em 1967, Arthur da Costa e Silva inicia um período de três governantes gaúchos que, autoritariamente, exerceram governos nacionalistas.

Os generais Costa e Silva, Médici e Geisel, mesmo exorcizando Vargas, prosseguiram na construção do Brasil Soberano. E as forças estrangeiras, não as mesmas de 1954, nem as 1964, demoliram estes governos com ideais sem sustentação como a democracia limitada ao ritual periódico de eleições, sem que o povo participasse das decisões.

A pedagogia colonial que se formava, então, provinha dos capitais financeiros. A princípio das posses fundiárias, depois financiando o comércio e a gestão das dívidas, e, ao fim, com a inclusão de capitais marginais (aqueles que acordos internacionais e legislações nacionais classificam como crime): tráfico de drogas, contrabando de pessoas, armas, corrupção, lavagem de dinheiro, etc.

O golpe de 1964 terminou melancolicamente com o general Figueiredo se negando a transmitir o cargo a José Sarney, que o militar considerava um traidor.

As finanças se empoderam e assumem o governo com a eleição de Fernando Collor. O Estado Nacional, construído por Getúlio Vargas, que sobreviveu a golpes e ditadores, começa a ruir com eleições diretas. É o triunfo do rentismo, do suborno, das chantagens e da corrupção.

Chegamos às eleições de 2022.

As Américas Central e do Sul foram colonizadas pelos mais retrógrados Impérios europeus: os Ibéricos.

A característica dos Impérios Ibéricos era a religiosidade, a ponto de implantarem a Inquisição, que lhes levou empreendedores e finanças, para os Impérios mais acolhedores, ao norte (Werner Sombart, Os judeus e a vida econômica, tradução de “Die Juden und das Wirtschaftsleben” (1911), por Nélio Schneider, para Editora UNESP. SP, 2014).

Neste clima de sujeição ao catolicismo, contrário às manifestações espiritualistas de matriz africana e somado ao misticismo da população, quase totalmente analfabeta, o Brasil se tornou campo fértil para a pregação supersticiosa, muito mais do que religiosa.

“Nada deriva do acaso, mas tudo de uma razão e sob a necessidade”, atribui-se ao filósofo grego Leucipo (século V a.C.), explicando a necessidade da religião para manter a dominação abstrata, sem atender necessidades reais da existência física e psicológica.

Cogito ergo sum”, cartesiano, coloca a razão acima de fantasia transcendente. Voltaire, satírico iluminista, dizia que para a certeza da luz descida do alto (ideias religiosas) haveria a pluralidade de luzes que se difundiriam de pessoa para pessoa.

Assim fomos sendo formados para aceitar mais a magia do que a ciência. Na ausência de bases cognitivas, o brasileiro adota o pensamento mágico.

Em 1963, Padre Peyton (“o padre de Hollywood”) não veio ao Brasil para solucionar qualquer problema objetivo, da seca do nordeste, das enchentes, da fome. Veio expurgar o demônio do comunismo.

O comunismo do mundo bipolar interessava tanto aos EUA e sua Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), quanto à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e justificava ditaduras, assassinatos, guerras, invasões por todo mundo.

No Brasil, colônia estadunidense, antes de ser colônia das finanças apátridas, o nome de Deus foi água benta a exorcizar o comunismo. Mesmo sendo os comunistas, na imensa maioria, pessoas simples, idealistas, que tinham naquela ideologia a mesma fé cega dos cristãos nos milagres.

Bolsonaro, em São Paulo, no comício de 7 de setembro pregou:

“Deus nunca disse para Israel ‘fica em casa que eu luto por você’. Ele sempre disse ‘vai a luta que estou com você’. Agradeço a Deus pela minha vida e também a ele que pelas mãos de 60 milhões de pessoas me colocaram nessa missão de conduzir o destino da nossa nação. Hoje nós temos um presidente da República que acredita em Deus, que respeita os seus militares, que defende a família, e deve lealdade ao seu povo”.

“Dizer a vocês que o conforte não me atrai. Eu sempre estarei onde o povo estiver. Passamos ainda momentos difíceis. Lá atrás usei uma passagem bíblica por ocasião das eleições ‘e conhecerei a verdade e a verdade vos libertará’. Quando assumi presidência lembrei de outra passagem: ‘por falta de conhecimento meu povo pereceu’. Passei meses difíceis recebendo cobranças cada vez maiores para tomar decisões importantíssimas. Tinha que esperar um pouco mais de modo que a população aos poucos ou cada vez mais fosse se conscientizando do que é um regime ditatorial….”.

“Não temos qualquer críticas a instituições, respeitamos todas as instituições. Quando alguém do Poder Executivo começa a falhar eu converso com ele. Se ele não se enquadra, eu demito. No Legislativo, não é diferente. Quando um deputado ou senador começa a fazer algo que incomoda a todos nós, que está fora das quatro linhas, geralmente ele é submetido ao Conselho de Ética e pode perder o seu mandato”.

“Já no nosso Supremo Tribunal Federal infelizmente isso não acontece. Temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos. Logo um ministro que deveria zelar pela nossa liberdade, pela democracia, pela Constituição faz exatamente o contrário. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não podemos admitir que uma pessoa, um homem apenas turve a nossa democracia e ameace a nossa liberdade. Dizer a esse indivíduo que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos” (transcritos do site: poder360.com.br).

Bolsonaro é orientado pelos centros de pesquisa de manipulação da opinião pública que as finanças mantêm para corromper e governar o mundo globalizado, isso é, sem fronteiras identificadoras dos Estados Nacionais.

A sociedade do “mercado”, onde tudo, rigorosamente tudo, a moral, a humanidade, a consciência, pessoas e bens têm preço. Embora nem todos se vendam.

Com o domínio do sistema financeiro, a Questão Nacional saiu da pauta política. Afinal a ideologia que se pretende globalizante, não poderia conviver com ideologias nacionais. E o Dicionário da Pedagogia Colonial denomina ditador ou terrorista, pessoa ou Estado que não segue o decálogo neoliberal denominado “Consenso de Washington” (1989). Pouco importa o que se passe nestes países, eles sempre serão acusados de crimes contra o “mercado” (sic).

Leonel Brizola teve a sua vida várias vezes vasculhada, pelos militares e policiais durante o período do golpe de 1964; pelos comunistas e financistas após a “redemocratização” de 1988, após os governos populares no Estado do Rio de Janeiro, e nenhuma mácula, nem uma só irregularidade foi encontrada.

O que fazer então? Apontá-lo como comunista. Logo ele que sempre teve na oposição a seus governos, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, os comunistas. Os mesmos comunistas que tentaram um golpe contra Getúlio Vargas em 1935, e pediram a sua renúncia em agosto de 1954.

Vejam, caros leitores, como são as narrativas da pedagogia colonial.

E vamos mais uma vez para eleições onde o tema mais importante para vida de um País, para o futuro da Nação, não é objeto de discussão, de debates, nem de discursos: a Questão Nacional.

O que vamos eleger?

Pastores das igrejas da caixinha, que lavam dinheiro de drogas, que compram suntuosas mansões no exterior?

Membros do Poder Executivo que nem se cobrem de vergonha ao confessar que possuem contas em paraísos fiscais; contas que, na melhor hipótese, representam fuga à tributação?

São compras de imóveis com dinheiro em espécie, pois seus salários não seriam suficientes para adquiri-los. Tudo é consequência da submissão às finanças apátridas que dirigem hoje o Brasil.

E todo esforço das gerações que nos precederam, que construíram a Petrobrás, a Eletrobrás, a Vale do Rio Doce, a Embratel, a Embraer, a previdência rural e dos empregados domésticos, estradas, portos, aeroportos, são suprimidos ou alienados, como restos de feiras, por valores ridículos para aumentar a receita dos gestores de ativos, financeiras cujos recursos alimentam os paraísos fiscais.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

Leia também:

Pedro Augusto Pinho: “Mercado” ou a ignorância ao alcance de todos

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Comentários

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Machado

Essa palavra “Narrativa” já encheu o saco de tanto ser usada nessa mesmice medíocre e exacerbada!

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