É mais ou menos nosso…
Não me decifraste e estás sendo devorado
por Paulo Metri*, no Correio da Cidadania
“Cheguei ao poder com grande apoio popular, graças ao discurso de luta por uma vida melhor para todos, mas também a acordos com os setores mais retrógrados da nossa sociedade. A ‘Carta aos brasileiros’, enigmática ao cidadão comum, representou um recado bem entendido pela elite. Depois de três tentativas frustradas para chegar à presidência, apreendi que as mudanças no Brasil, país com a mídia dominada, têm que ser parcimoniosas. Quase como tendo que haver consentimentos dos que dominam a sociedade.”
“Nunca fui um revolucionário por várias razões. Em primeiro lugar, porque minha natureza é a de um negociador e nunca foi a de um guerreiro, na acepção primeira da palavra. Em seguida, porque o povo, com o presente grau de percepção, não quer uma revolução. Creio até que, mesmo com alto grau de compreensão do mundo, ele também não irá querer. Finalmente, não pode ser esquecido que muitos dos revolucionários têm morte prematura.”
“Contudo, mesmo reformista, orgulho-me em dizer que, durante meu governo, persegui à risca meu discurso de campanha e trouxe uma vida melhor para dezenas de milhões de irmãos. No que era básico para mim, não fraquejei em nenhum instante. Sei que tive erros, praticados consciente ou involuntariamente. Quando errei conscientemente, tenham certeza que estava cedendo a alguma pressão que, se negada, poderia fazer fracassar, por exemplo, todo o projeto de inclusão social em curso.”
“Troquei opções sem correlação alguma, mas que o momento as transformava em moedas de troca. Sem corresponder à realidade, só para ajudar o entendimento, me deparava com dilemas do tipo: receber apoio da bancada secreta e poderosa dos banqueiros a uma política externa independente em troca do atendimento aos interesses pecuniários deles. A capacidade de mobilização deles no Congresso só é comparável à da bancada ruralista. Assim, reconheço que existiram setores cujos desempenhos deixaram a desejar. Não avancei muito na reforma agrária, por exemplo, o que me deixa frustrado.”
“Aprendi com muitos dos que estavam ao meu lado, mas o ministro das Relações Exteriores do meu governo tem um crédito especial comigo. Resumiria o que aprendi com ele, desta forma: ‘não se é grande em nível internacional, se não se imagina grande, não se planeja para ser grande e não se age de forma grandiosa’. Hoje, creio que abri muito a guarda na entrega do petróleo nacional, a menos de quando retirei 41 blocos do Pré-sal da nona rodada. Falo das rodadas de leilões do nosso petróleo. Segundo o ensinamento aprendido, entregar petróleo sem quase nenhum usufruto para a sociedade não corresponde a ‘agir de forma grandiosa’. Mas, só fiquei consciente deste fato quando o término do meu governo estava próximo.”
“Têm instantes que tenho vontade de dizer à minha sucessora: ‘Não faça isto!’ Digo isso com relação à décima primeira rodada, que foi recentemente aprovada por ela. Ainda mais que querem agora ofertar, também nesta rodada, além dos blocos inicialmente previstos, aqueles oriundos da fracassada oitava rodada. O objetivo escamoteado é diminuir por asfixia financeira a participação da Petrobras nas futuras concessões. Assim, mais blocos serão destinados às empresas estrangeiras ainda sob a lei socialmente incorreta no 9.478. Bem que os petroleiros sempre disseram que o Brasil não precisa ter pressa para produzir petróleo, pois a Petrobras já garante seu abastecimento por mais de 40 anos. Porém, não falo com minha sucessora, pois, afinal de contas, o governo é dela.”
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“Por isso, acusam, com certo grau de razão, que meu partido e eu somos pouco conscientes com relação à questão nacional. Sem ser xenófobo, hoje, creio que há necessidade de se privilegiar a exploração das riquezas nacionais da forma que mais beneficia a nossa sociedade, o que ocorre em geral com empresas genuinamente nacionais. Enfim, ninguém está completamente pronto para ser presidente.”
“Entretanto, a recuperação dos salários, o aumento do número de pessoas empregadas, a ampliação e o acréscimo do valor do Bolsa-Família, o aumento do número de universidades públicas, a ampliação das vagas disponíveis nas existentes e o Pro-Uni são algumas das realizações das quais me orgulho. Enfim, durmo tranquilo. Fiz tudo que queria e podia fazer e, muitas vezes, tive que criar com esforço condições para as coisas boas acontecerem.”
“Se vocês tivessem entendido tudo isso e dado mais apoio político a mim ou a qualquer outro governante socialmente comprometido, mais poderia ter sido conquistado. A verdade é que quem lhes devora não sou eu, contrariando o enigma da esfinge. São os cartéis, inclusive muitos estrangeiros, que ainda não foram enquadrados. Estão soltos porque não há reação de vocês. Contudo, sei que, com a atual mídia controlada pelo capital, fica difícil o povo tornar-se consciente. A menos que, aos poucos, ele migre para canais de informação mais honestos.”
Neste ponto, acordei da minha divagação, na qual buscava explicações racionais, ou seja, buscava decifrar.
*Conselheiro do Clube de Engenharia
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Comentários
O ENÍGMA DOS LEILÕES DO PETRÓLEO. « petroleiroanistiado
[…] de Engenharia. Publicado no no “Correio da Cidadania” e transcrito no portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/politica/paulo-metri-decifra-o-enigma-dos-leiloes-de-petroleo.html). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’]. Share […]
Bene
Uma duvida ?
A media propaga que a petrobras vende a gasolina , mais barata que ela compra…Mas como na Argentina, Uruguai a gasolina é mais barata que aqui ?
Fabio
Bom, este texto escrito por Metri em nome de Lula, deflagra uma posição contrário, ou ao menos discordante, ao governo “pós-neoliberal” do ex-presidente.
Senão vejamos:
“Nunca fui um revolucionário por várias razões. Em primeiro lugar, porque minha natureza é a de um negociador e nunca foi a de um guerreiro, na acepção primeira da palavra.”
Ora Paulo Metri, como podes achar que um torneiro mecânico que foi líder de um movimento verdadeiramente revolucionário na década de 1970 – movimento das fábricas do ABC que deixaria a revolta dos tecelões da Silésia, do qual Marx tanto se orgulhou e defendeu no artigo Glosas Críticas ao Aritgo: “Rei da Prússia e A Reforma Social.” “De Um Prussiano”, parecendo um protesto no vão do Masp-, nunca verdadeiramente foi revolucionário por ter sido um negociador? Parece que a história nos deixa por vezes apáticos. Naquele momento, em plena ditadura militar, um movimento vindo de baixo para cima, por operários, só podia ser constituído por um exército de guerrieros, ao contrário do que o autor diz. Ou como se ser negociador não fizesse parte do cotidiano de um revolucionário. Enfim, fica claro nesta primeira passagem que a concepção do autor do texto em relação tanto ao Lula como ao movimento dos anos 70, do qual o ex-presidente foi um dos líderes e que culminou na criação do PT, CUT, MST etc. consistiu em uma mera ação negociada – talvez forma educada de dizer pelega.
O segundo trecho que eu destaquei, mostra que mais uma vez o autor não concorda com o PT e suas diretrizes, bandeiras históricas e modo de entender o país:
“Por isso, acusam, com certo grau de razão, que meu partido e eu somos pouco conscientes com relação à questão nacional.”
Metri, me desculpe a franqueza, mas o senhor tem que ler mais Formação do Brasil Contemporâneio (Caio Prado Jr.), Casa-Grande e Senzala (Gilberto Freyre) e Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Hollanda) e de bônus O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil(Darcy Ribeiro). Facilmente chegará a conclusão de que a primeira e talvez maior revolução de que o Brasil necessita é acabar com os seus miseráveis e depois diminuir a concentração de renda. Neste sentido creio que a “pouca consciência com relação à questão nacional” não é atribuída ao partido que governa!
A questão do petróleo é realmente essencial para o futuro do nosso país e concordo com o senhor de que a Petrobras deve ser a monopolizadora dos nossos recursos. No entanto, gostaria de lê-lo falando a respeito dos desafios do Pré-Sal e os avanços já obtidos e os que faltam ocorrer para que a Petrobras possa lidar com estes recursos em abundância. Recursos estes encontrados no mandato de um certo “negociador” barbudo. E mais, para onde devem ir estes recursos?
jaime
Sempre achei que melhor sucessor do Lula teria sido seu Ministro das Relações Exteriores. É muito caro o preço que se paga por pequenos progressos, tanto que mais adiante podem se revelar como uma vitória de Pirro. Neste aspecto, acho que o método argentino leva vantagem em relação ao nosso “grandes mudanças para ficar tudo como estava”.
Roberto Locatelli
Verdade, Jaime. É preciso reconhecer os avanços conquistados. Mas é preciso reconhecer que outros governos da América do Sul obtiveram avanços MUITO maiores, pois não se submeteram a uma certa “base aliada” que representa a elite.
MariaC
É. Quando li a entrevista com o Roberto Setúbal todo alegre, dizendo que o seu banco vai investir um tudo que é produção fiquei com a pulga na orelha.Ou seja, se ele tem aval do governo para ter o lucro bancário em tudo, não surpreende que a energia elétrica seja produzida por 7,00 a unidade e vendida a 96,00 pelos bancos. E o petróleo não é diferente, por certo. Trabalhem escravos, e tenham muitos filhos, para que se ofereçam para trabalhar de graça também, pois este é seu destino.
Rafael
Quem prova que Lula escreveu isso ai mesmo? Já vi uma entrevista em que ele fala com orgulho de que no governo dele os bancos nunca lucraram tanto.
Marco Costa
Rafael, você não percebeu que se trata de uma “divagação” do autor, Paulo Metri?
MariaC
O primeiro parágrafo é crucial. Mas isso é terrível, ou seja, sabemos, não cremos, não podemos mudar, e temos de arrumar motivos para ter esperanças.
ITALO
tomara que Dilma tenha lido este artigo
Moacir Moreira
Se é um depoimento do Lula isso apenas demonstra que não passa de um fanfarrão oportunista arranjando desculpas para ter mantido intocadas as privatarias tucanas.
Mas pode ser também um depoimento do FHC.
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