O Brasil, a China e as commodities
por Elias Jabbour*
do Jornal dos Economistas, sugerida pela Sec Geral do MST
Não é injustificada a preocupação crescente com o comportamento dos preços das commodities, principalmente no Brasil. Sabe-se que atualmente a agricultura responde por mais de um quarto do nosso PIB e é responsável por cerca de 30 milhões de empregos.
Trata-se de uma realidade que muitos insistem em observar de forma ideologizada e tacanha. Exemplo disso foi a discussão em torno do novo Código Florestal, na qual o foco foi totalmente desviado, reduzindo o problema a uma questão moral, pura e simplesmente.
O debate demanda outro nível de discussão que envolveria a relação entre a necessidade de defesa de nossa agricultura diante da agressiva política de subsídio aos agricultores nos países centrais e a cada vez maior dependência brasileira da exportação de commodities diante de um quadro de um amplo recuo da participação da indústria no PIB, que chegou ao menor índice desde a década de 1950.
Diante da realidade de um país em processo de reprimarização de sua pauta de exportações é que devemos iniciar esta discussão dos efeitos sobre o Brasil da oscilação dos preços das commodities no mercado internacional. Mais do que isso, é importante situar esse processo partindo de algumas tendências, entre elas:
1) o aprofundamento da tendência de deteriorização dos preços de troca em um ambiente onde existe de fato um amplo mercado para nossos produtos Sobre a relevância cumprida tanto pelo mercado de preçosfuturos como pelos traders não restam dúvidas acerca da capacidade, por parte desses agentes, de inflacionar preços. A é um fenômeno objetivo e que opera sob tendências, também, objetivas. Como em tudo na esfera da economia, o mercado e, respectivamente, a lei daoferta e da procura são cada vez mais parte (China);
2) o papel do mercado de preços futuros;
e 3) a formação de amplos oligopsônios internacionais sob o rótulo de traders.
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Sobre a relevância cumprida tanto pelo mercado de preços futuros como pelos traders não restam dúvidas acerca da capacidade, por parte desses agentes, de inflacionar preços. A especulação é um fenômeno objetivo e que opera sob tendências, também, objetivas.
Como em tudo na esfera da economia, o mercado e, respectivamente, a lei da oferta e da procura são cada vez mais parte de um passado que na atualidade só existe vivo nas hostes do ultraliberalismo anticientífico. No caso do preço das commodities, a existência de amplosmercados em expansão (China e Índia, por exemplo) acrescida de fenômenos climáticos, por si, já se constituem num relevo para a especulação e a oligopsonização.
Nesse sentido, é importante neste momento nos atermos ao que vem da China, ainda mais diante de uma realidade que adentra um processo de transição com amplos impactos no mundo. De forma mais específica, cabe a pergunta: qual o papel da China na oscilaçãodos preços das commodities e quais os impactos da demanda do gigante asiático à agricultura brasileira?
De imediato, sugiro calma diante dessa chamada desaceleração chinesa. É fato que os chineses não crescerão mais da forma que cresceram até a eclosão da crise. Mas isso não significa que a demanda chinesa por commodities deverá diminuir no médio e longoprazo.
Para o Plano Quinquenal em execução (2011-2015), a expectativa de crescimento é de 7%, sendo que no presente ano será de 7,5%. Essa “desaceleração” nada mais é do que uma transição de um crescimento de tipo quantitativo para outro qualitativo e mais baseadoem setores industriais de alta tecnologia, no consumo popular e principalmente na planificação de uma urbanização que incorporará cerca de 100 milhões de chineses em grandes centros urbanos até o ano de 2020.
Dois fatores internos a essa rápida urbanização merecem atenção. O primeiro é baseado na mudança dos hábitos de consumo. Serão 100 milhões de pessoas que deverão aumentar o peso das proteínas em sua cesta diária de alimentação. Prevê-se que em 2015 oconsumo médio de carne bovina deverá atingir 10 quilos per capita, sendo que o atual é de 6,7 quilos.
Para fins de ilustração, a população rural da China é de 600 milhões de pessoas. O consumo médio anual de carne bovina dessa população é de 26 quilos. Na cidade,onde o poder de compra é seis vezes maior do que no campo, o consumo é de 50 quilos. A China importa 20% do que consome em matéria de carne bovina e certamente, confirmada essa previsão, as importações podem aumentar, tendo o Brasil como potencial beneficiário.
Faz-se necessário, para fins de informação, abrir um parêntese. Pois bem, estaria a China assistindo a esse movimento de aumento de dependência de importações de produtos alimentícios sem providenciar políticas internas de incentivo a esse tipo de indústria? Aresposta é não.
A transformação da estrutura industrial chinesa nos últimos 30 anos foi acompanhada de uma rápida transformação na estrutura agrícola, sobretudo na produtividade do trabalho. A produção de cereais tem batido recordes anuais desde 2004.
De acordo com aAgência Nacional de Estatísticas, em 2011, a China obteve um recorde de 571,21 milhões de toneladas de grãos (diga-se de passagem, uma produção quase cinco vezes superior à brasileira), um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior; movimento este que ocorreconcomitantemente à diminuição das terras em condições de plantio, sugerindo que o fator tecnologia, aliado a incentivos à produção, tem produzido resultados satisfatórios.
Exemplos ilustrativos estão inseridos na produção de carne bovina e de peixe. Em 1978 a produção decarne bovina foi de 8,56 milhões de toneladas, enquanto em 2008 foi de 72,78. No que cerne a produção de peixe, o salto foi semelhante: em 1978 a produção de carne bovina foi de 4,6 milhões de toneladas, enquanto em 2008 foi de 48,95 [1].
O enfrentamento recente do problema da produção de alimentos na China não se restringe a incentivos e/ou subsídios.
Tenho em mente que existe um processo de mecanização e cooperativização da agricultura chinesa em ampla escala.
Aliás, a prioridade máxima do governo chinês está na modernização das zonas rurais e a pedra de toque desse processo está na meta de fusão, até2020, das cerca de 30 mil pequenas cooperativas de crédito rural em sete grandes bancos de desenvolvimento voltados à agricultura.
Creio que a chave da compreensão do futuro da Revolução Chinesa está, além dos desafios no campo internacional, muito mais ligada a esseprocesso de transição de uma agricultura rústica e familiar para outra de nível superior.
Em outro momento poderei discorrer melhor sobre esse fenômeno que se relaciona diretamente à unificação econômica do território chinês, num processo semelhante ao ocorrido nosEstados Unidos na segunda metade do século XIX.
Esse processo em andamento na estrutura rural ocorre de forma simétrica ao segundo fator apontado mais acima na construção de infraestruturas novas em matéria de transporte e energia anexa ao processo de urbanização. Há quem acredite que essa massa ruraldeva-se dirigir aos grandes centros urbanos do litoral, constituindo um teratológico exército industrial de reserva amontoado em grandes favelas.
Não é verdade, assim como é verdadeiro o fato de a China não possuir favelas. Um dos aspectos da urbanização comcaracterísticas socialistas na China está no fato de o dito exército industrial de reserva estar localizado não na periferia das cidades e sim no vilarejo rural, onde geralmente o camponês tem seu pedaço de terra concedido pelo Estado.
A industrialização é um fenômeno rural naChina e esse dado serve de parâmetro para compreender que o avanço da urbanização e a demanda por commodities como ferro e petróleo dão-se nos marcos de formação e construção de 156 novas cidades no interior chinês.
É evidente e claro que a capacidade financeirachinesa em alavancar esse ambicioso projeto aprofundará os impactos por todo o mundo, incluindo os preços das commodities. Nesse sentido, é bom informar que o atual Plano Quinquenal prevê a expansão de linhas de metrô em 75 cidades, a criação de 50 milhões deempregos urbanos e a construção de 36 milhões de novas residências.
Caminhando conforme o planejado pela governança chinesa, estará confirmado que a propalada desaceleração não afetará, nos médio e longo prazos, a demanda por commodities. A pergunta que não deve calar é sobre o comportamento do nosso país diante desse quadro.
Aprofundaremos e daremos consequência às recentes medidas industrializantes (queda da taxa de juros, desvalorização cambial, algum protecionismo, investimentos em infraestruturas etc.) ou sucumbiremos tanto à tentação do combate à inflação nosprimeiros sinais de alta desse índice quanto à demanda asiática por commodities?
* Elias Jabbour é geógrafo e doutor e mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. É autor de China Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento e Socialismo de Mercado (Anita Garibaldi/EDUEPB, 2012, 456 p.) e China: Infra-Estruturas e Crescimento Econômico (Anita Garibaldi, 2006, 256 p.).
[1] Dados extraídos do China Statistical Yearbook, para todos os anos.
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Comentários
Marcelo de Matos
Pelo que devo ter entendido, apesar da crise a China continuará a ser grande importadora de commodities. Nós é que não devemos cair na “armadilha” do lucro com a venda de produtos primários e nos dedicarmos à reindustrialização. Teoricamente pode ser uma ótima ideia. Para tudo que se tenta fazer, porém, é preciso vocação. O Brasil, como disse um diplomata, tem commodity até no nome, derivado de pau brasil. A industrialização requer conhecimento, qualidade de ensino, coisa que não temos. Os empresários, sempre que se pronunciam, dizem que precisamos melhorar a produtividade. Produzir mais, mesmo empregando menor número de trabalhadores, máquinas, insumos, etc. A produtividade, também, depende de maior conhecimento. Aí fica difícil competir com os chineses que, desde a década de 50, procuraram otimizar o ensino. Na produção de arroz, por exemplo, os chineses são campeões em produtividade. Conseguem duas safras anuais enquanto o ocidente só colhe uma. Se o Brasil conseguir ser eficiente na agricultura já teremos conseguido um grande feito.
Bonifa
Devemos procurar excelência técnica e científica na Agricultura, passando a jogar como igual com os grandes jogadores internacionais, tipo Monsanto. Sem que jamais sejamos inescrupulosos, como faz supor que corremos o risco de ser, o tal projeto agrícola em Moçambique. Confiança mútua, honestidade e fraternidade são cada vez mais fundamentais para um mundo pósneoliberalismo. Mas devemos sobretudo nos concentrar no desenvolvimento da indústria. Poderemos levar as fábricas para o interior da selva, com tecnologia, de maneira sustentável. Ou para a caatinga nordestina. Precisamos apenas equacionar o problema da educação e formação tecnológica e científica adequada. Onde não há renda, em breve teremos renda razoável e depois riqueza.
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