Nassif: Sobre jovens jornalistas

Tempo de leitura: 3 min

Jovens jornalistas: criados com os lobos

por Luís Nassif, em seu blog, no 22.09.2011, sugerido pelo José Rezende Jr.

Tinha menos de dois anos de formado o jovem repórter que tentou invadir o apartamento de José Dirceu no Hotel Nahoum. Pelo que soube em Brasília, voltou para a casa da mãe.

Não sei a idade do repórter da Folha que iludiu a confiança do tio, no caso Battisti. Mas foi exposto de forma fatal pelo próprio tio, em um artigo demolidor. E inspirou um artigo da ombudsman do jornal, no qual afirmava que era ingenuidade confiar em jornalistas. Tornou-se exemplo de como não se deve confiar em jornalistas. Dificilmente conseguirá fontes dispostas a lhe passar informações relevantes.

A campanha eleitoral do ano passado expôs outros jovens jornalistas, alguns com belo potencial, mas que tiveram a imagem afetada no alvorecer de suas carreiras, por conta de métodos inescrupulosos empregados em suas reportagens.

Culpa deles? Apenas em parte. Esse clima irracional foi fomentado por chefias que não se pejaram em jogar os repórteres aos lobos.

Processo semelhante ocorreu na campanha do impeachment, mas com resultados inversos. Uma enorme quantidade de mentiras divulgada, aceita pelos editores e pelos leitores sob o álibi de que valia qualquer coisa contra Collor. Foi um período vergonhoso para a mídia, no qual os escândalos reais não eram apurados, mas divulgava-se uma enxurrada de mentiras que não resistiam a um mero teste de verossimilhança. Dizia-se que Collor injetava cocaína por supositório, que ficava em estado catatônico e precisava ser penetrado por trás por um assessor, que fazia macumba nos porões do Alvorada.

Os que mais mentiram se consagraram, ganharam posições de destaque em seus veículos. Premiou-se a mentira e a falta de jornalismo, porque os escândalos reais demoravam mais para serem apurados e nem de longe de aproximavam do glamour da notícia inventada.

Processo similar ocorreu durante e após a campanha do mensalão. Surgiu uma nova geração de repórteres sem limites, hoje em dia utilizados pelas chefias para atingir adversários através da escandalização de fatos normais.

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Agora, em plena era da Internet, ocorre o inverso. Esses jovens ambicionam a manchete, a aprovação das chefias, o curto prazo. Mas o registro de seus malfeitos estará indelevelmente registrado na Internet. A médio prazo, será veneno na veia para suas carreiras.

Pior, está-se criando uma geração de jornalistas para quem o jornalismo virou um vale-tudo: vale mentir, inventar, enganar, espionar, supor sem comprovar.

A reação de Caco Barcelos na Globonews nada teve de política ou ideológica – no programa sobre a tal Marcha Contra a Corrupção, depois editado para tirar suas afirmações mais impactantes contra o mau jornalismo. Ao denunciar esse jornalismo declaratório, simplesmente fazia uma defesa do jornalismo que aprendeu a praticar, de respeito aos fatos, de apuração das denúncias, de cautela nas acusações.

Em muitos outros jornais há uma geração de jornalistas mais velhos formados sob esses princípios, mas que a falta de opções obriga a se calar ante tais abusos. Há igualmente uma jovem geração saindo do forno das faculdades que entendeu a diferença entre os princípios jornalísticos e esse arremedo que a era Murdoch lançou sobre a mídia mundial – especialmente sobre a brasileira.

No final dos anos 80, quando a mídia brasileira abraçou o jornalismo sensacionalista, considerava-se ter entrado em linha com os grandes veículos globais – para quem a notícia é espetáculo, não serviço público.

Nos últimos anos, Roberto Civita importou de forma chocante o padrão Murdoch para a mídia brasileira – rapidamente imitada por outros jornais carentes de personalidade jornalística própria. A cada dia que passa, esse estilo – ainda que influenciando setores mais desinformados – parece cada vez mais velho e anacrônico.

Muitos dizem que o problema da velha mídia é não saber como se colocar nas novas tecnologias. Penso que é outro: é ter desaprendido as lições do velho jornalismo legitimador.

Leia também:

Eduardo Guimarães: Caco Barcellos e as vassouras

Laurindo Lalo Leal: Internet assusta os poderosos

Rodrigo Vianna: Como a Globo aliviou para Serra

Ignacio Ramonet: Jornalistas sob novas exigências

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Comentários

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marcosomag

Existem muitas causas para a indigência dos novos jornalistas: a péssima formação cultural em um contexto onde as ciências humanas (a filosofia, em particular) são alijadas do currículo escolar, vale-tudo por um emprego em um contexto de altíssima concorrência entre os profissionais (e também, não-profissionais de imprensa depois que o STJ acabou com a obrigatoriedade do diploma de jornalista) provocam o quadro deplorável da imprensa corporativa. E creio que ainda vai piorar.

cronopio

Estou lendo "As ilusões perdidas", de Balzac, publicado em 1836-9 . Olha, talvez a situação dos jornalistas tenha se agravado, mas o mundo em que encontramos Lucien de Rubempré, o jovem protagonista do romance (que adota a profissão de jornalista) não é tão diferente assim do pintado por Nassif. Aí vai um trecho, recomendo a todos a leitura do romance:

"- Você liga então importância às coisas que escreve? – perguntou-lhe Vernou com ar de zombaria. – Mas nós somos negociantes de frases e vivemos de nosso comércio. Quando você quiser fazer uma grande e bela obra, um livro, enfim, poderá colocar nele os seus pensamentos, sua alma, amá-lo, defendê-lo; mas artigos, lidos hoje e amanhã esquecidos, esses não valem a meus olhos senão aquilo que por eles nos pagam"
(H. de Balzac)

FrancoAtirador

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Como diz o ditado popular:

Se estiverem reunidos um militar, um advogado e um jornalista,

pode ter certeza que está prestes a ocorrer um Golpe de Estado.
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El Gordo

O curso de jornalismo no Brasil se divide em duas vertentes: o academicismo besta autofágico que alimenta os egos de professores-doutores que estão com um olho no Lattes e o outro na saia das aluninhas de primeiro ano, ou a Fábrica de Golpistazinhos como a Fatec de Jornalismo que a Globo deu para o Governo do Estado como contrapartida da grilagem de terreno público nas imediações de sua Central em SP.

De qualquer maneira, o ensino da profissão acaba confundindo valores nas cabeças vazias de jovens acostumados a uma imagem de glamour, e confundem o jornalismo investigativo com a fina flor da arapongagem. Mas, com os estágios, programas de trainee e todas as outras picaretagens – acompanhadas por uma classe sindical cada vez mais descolada da realidade e focada no corporativismo – fica cada vez mais fácil produzir a segunda geração de golpistas como os que habitam as páginas da Grande Mídia Golpista.

Acredite-me, eu estou nesse jogo. Vendo do lado de fora, mas no jogo.

FrancoAtirador

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O JORNALISTA FOI SUBSTITUÍDO PELO BANDIDO DE MÍDIA.
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Jairo_Beraldo

"Pior, está-se criando uma geração de jornalistas para quem o jornalismo virou um vale-tudo: vale mentir, inventar, enganar, espionar, supor sem comprovar."

Eu colocaria de forma diferente esta frase:

"Pior, está-se criando uma geração de profissionais em todas as categorias para quem "valores" virou um vale-tudo: vale mentir, inventar, enganar, espionar, supor sem comprovar."

São oriundos de UNESQUINAS, com formadores (seriam educadores em outros tempos) que atiçam esta inversão de valores em suas mentes mesquinhas, fracas e desprovidas do bom senso comum. Tempos de provações!

    Tartufo da Silva

    Não concordo… é a mesma questão hoje que os espertalhões da mídia tentam explorar, a dicotomia corrupto/corruptor. O jornalista, nesta metonímia, é o corrupto, mas o corruptor é o dono do veículo que coloca pilha num "profissional" sedento por glória fácil. Estamos apenas tentando atingir o jornalista que comete seus pecados, e merece sim ser punido, mas e o corruptor? O dono do jornal?

    Jairo_Beraldo

    Releeia o que escrevi e expus….talvez voce achará o sujeito oculto…pelo que entendi, pela sua resposta, não gostou foi do formador UNESQUINA.

    Tartufo da Silva

    JB, acho que você deve reler o que escrevi. Nem de longe aprovo esse conceito universitário implantado por FHC que estava preocupado apenas em mostrar crescimento estatístico, ou seja, planilhar números frios mostrando que em seu governo o número de universitários cresceu vertiginosamente. Não; jamais aprovarei aquela iniciativa recheada de UNESQUINAS. Meu ponto é que não é esse "profissional" formado na UNISQUINA o responsável pelo mau jornalismo de hoje; não apenas ele. O maior responsável é o dono do jornal (que tem nome e sobrenome, PIG) e, de novo, ele está saindo de fininho nesta discussão. Abraços e continuamos amigos.

MChagas

Iniciei minhas leituras jornalísticas, pro influência de meu pai. Ele assinava Estadão e Folha, estávamos na década de 60, e me lembro das matérias e elogios paternos a um jornalista chamado Cláudio Abramo. Competente e Ético dizia meu pai. São lembranças de uma época em que jornalista não era palavrão.

Antonio

Para trabalhar em determinados veículos como Folha, Estadão, Veja, Globo ou o sujeito que se diz jornalista é aquilo que o veículo é ou é psicopata. Por exemplo, um daqueles velhos de guerra que trabalham na Globo e que fizeram campanha para o Golpe Militar nunca poderão trabalhar no Blog do Azenha ou no do PH. O sujeito é aquilo, faz parte daquele podre e não se encaixa entre maçãs boas. Agora com relação aos jovens, tenho a impressão que a maioria se desencanta e vai fazer outra coisa na vida. Sobram os podres, infelizmente.

Adilson

Lembro-me do Maurício Dias ter dito num seminário na UFRJ sobre essa nova geração frenética… "os jovens jornalistas querem ser mais realistas que o Rei.."

Eles aprendem diretinho, já na universidade, o tipo de sangue que o patrão gosta de beber e não hesitam em fazer de tudo para colhê-lo, descendo até no quinto dos infernos se preciso for…

Uma triste constação, mas é tb é sinal desses tempos que vivemos…

Antonio

Eu acho que o problema da velha mídia é que ela é comensal e prostituta da elite e de seus testas de ferro, os políticos da direita. Como todos congregam na mesma ideologia, que entrou em colapso, tudo se faz para amenizar a crise. E o jornalista que não estiver no jogo, está fora. É uma triste mídia, o sumo do esgoto.

Tartufo da Silva

Qual a semelhança destes jovens jornalistas e de jovens americanos enviados nestas guerras insanas? Como diria o Coronel Kurtz (Marlon Brando), personagem criado por Joseph Conrad (Heart of Darkness) e adaptado para o cinema (Apocalipse Now): "The Horror… The Horror"…

edv

Outro dia comentei sobre um professor de Relações Internacionais que ensina seus alunos que a "ocupação" (notar a sutileza: invasão x ocupação) foi para "democratizar" o país ("quinenki" na vizinha e aliada Arábia Saudita…).
Óbvio que há alunos que questionam, etc.
Mas o preço é "ficar mal" com a maioria dos colegas, que acabam assimilando as eventuais idéias dos seus próprios papais e mamães, do JN internovelas, da Veja, FSP, OESP e Globo (distribuídos "digrátis" com dinheiro público na "facul" ) e … do professor!
E não estou falando de William Waack, professor da FAAP…
O que dizer do ensino do Jornalismo?
Onde vão ganhar dinheiro? Nas relações públicas… nas "assessorias" de imprensa… nos lobbies jornalísticos… e nas "empresas" que possam lhes dar grana, carreira e visibilidade… desde que obedeçam, claro.
Se não, ficarão mal com seus patrões e colegas…
As faculdades são privatizadas por e para neoliberais…
A míRdia oferecida é neoliberal…
O conteúdo programático é neoliberal.
E ainda ganham dinheiro, público e privado, para disseminar isso.
Querem melhor?

M.S. Romares

Uma pequena reflexão. Quando voce observa alguns ministros do supremo fazendo o que fazem, quando voce lê que à frente da oab está um indivíduo totalmente desqualificado que se auto intitula porta voz contra a corrupção, quando percebe que o engenheiro que contratou pra fazer uma obra entende menos que voce, quando o médico fica esperando voce dar o diagnóstico, etc, etc, não me causa espanto alguns "jornalistas" fazerem o que fazem. Não se justifica, mas ajuda a entender. Para esses "profissionais", a formação acadêmica (na maioria das vezes, pífia), passa longe da formação de caracter. São dois mundos distantes e não raro, ortogonais.

    carmen silvia

    Concordo com seu comentário,não apenas jornalistas estão sendo estimulados a perder o salutar hábito de pensar,o que se encontra hoje nas universidades é uma prática de doutrinação ou talvez pior que isto, de adestramento do estudante para joga-lo no "mercado".São maquininhas programadas para produzirem sem questionar,decoram fómulas,enriquecem a empresa e se acham o máximo por isso.
    Quando se fala que a saída para o país é a educação,me pergunto que modelo de educação é esse que tantos defendem como a panaceia pra todos os males.Com certeza não é isso que ai está.Não justifica mas de qualquer forma explica em parte o que se observa em diversas profissões.O jornalismo em razão de sua visibilidade fica mais fácil de ser identificado,mas entendo ser apenas uma face de um desastre ainda maior.

    Roberto Locatelli

    Rapá, agora você pôs o dedo na ferida…

Edu Guim: Caco Barcellos varre o jornalismo declaratório | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Nassif: Sobre jovens jornalistas   […]

damastor dagobé

só sei de mim que todos os dias sou grato aos deuses e ao destino por nunca ter precisado ganhar a vida como jornalista ou advogado…sempre foi possível buscar o pão de cada dia honestamente.

    Roberto Locatelli

    Concordo, Damastor. Mas há exceções. Existem jornalistas honestos e existem advogados honestos. Embora, aparentemente, eles sejam minoria.

    Lembrei-me da piada que é contada no início do filme Peter Pan, de Spielberg.
    Peter havia envelhecido, se formara advogado e estava numa festa de advogados. Ao discursar para os colegas, ele diz:

    – Vocês sabiam que os cientistas estão usando advogados para realizar certas experiências?
    Silêncio na plateia. Ninguém entendeu. Aí ele completa:
    – É que existem coisas que nem mesmo ratos de laboratório aceitam fazer.
    Gargalhada geral.

    Acho que essa piada vale também para boa parte dos jornalistas, e não só no Brasil.

    Lucas

    Também são minoria os políticos honestos, os médicos honestos, os policiais honestos, os engenheiros honestos, os cientistas honestos…enfim, os honestos em geral. A desonestidade é sistêmica, no Brasil e no mundo. A sociedade incentiva a desonestidade e a mediocridade.

    El Cid

    Roberto, essa foi na lata !!

    virginia langley

    nos EUA existe um partido politico devidamente registrado e funcionando cuja unica bandeira é a simples extinção dos advogados como forma de resolver a maior partes dos problemas lá deles…
    se juntassem jornalistas, politicos e psicologos…seria o céu.

    Luís

    Inclua também os pedabobos. Quer dizer, pegagogos.

    Adilson

    Caramba, na lata mermo…Lembrei dessa também:

    Diálogo de dois advogados na saída do Fórum ao final de um dia estressante de trabalho:

    – E aí vamos tomar alguma coisa?

    – Vamos, de quem?!

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