Qual é mesmo o ritmo?
Diário de Guadalajara (2)
por Luiz Carlos Azenha
Jorge G. Castañeda escreveu um livro que tem sido muito citado nos jornais mexicanos: “Amanhã ou o passado, o mistério dos mexicanos”.
Castañeda escreveu o livro em inglês e o texto foi posteriormente vertido para o espanhol. Isso não deveria ser significativo, apenas demonstra o bom trânsito do escritor na fronteira cultural mexicano-americana. Não se trata de um caso como o do ex-presidente boliviano Gonzálo Sanchez de Losada, que falava espanhol com sotaque gringo e, enxotado de La Paz, refugiou-se… em Washington.
Comprei mas não pude ler mais que algumas páginas do livro, por motivos óbvios. Mas muito se fala, aqui no México, do que Castañeda propõe para solucionar a dicotomia amor-e-ódio dos mexicanos em relação aos irmãos do Norte: um político com o perfil de De Gaulle, que teve a grandeza suficiente para repensar a relação da França com a Alemanha.
Essa coisa de “importar” soluções prontas, de cima para baixo, me parece uma ideia estranha. É como se Castañeda desconfiasse da capacidade dos mexicanos de produzir seus próprios líderes. E ele não vai buscar exemplos por perto, mas na Europa, correndo o risco de reproduzir o padrão segundo o qual tudo o que vem de fora é, de alguma forma, superior.
Ah, se apenas a gente tivesse um De Gaulle!
De qualquer forma, o escritor apresenta assim sua tese: “De Gaulle convenceu os franceses a enterrar seus antigos ressentimentos e queixas da Alemanha precisamente pelo papel que desempenhou na resistência à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial: se converteu praticamente no fundador da França moderna. Entre 1958, quando o Tratado de Roma criou o Mercado Comum e De Gaulle retornou ao poder, e 1963, quando ele e o chanceler alemão Konrad Adenauer firmaram o Tratado do Eliseu que pôs no coração da reconstrução da Europa uma nova aliança franco-alemã, De Gaulle transformou a disposição dos franceses ante seus anteriormente odiados e temidos vizinhos”.
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Como Castañeda não escreve necessariamente para as massas, presumo que a elite mexicana está precisando de convencimento de que fez mesmo um bom negócio ao aderir em condições de inferioridade ao Nafta, o North American Free Trade Agreement, que acoplou a economia mexicana à dos Estados Unidos e Canadá.
Eu deconheço exatamente quais foram as vantagens obtidas pelo México para aderir ao Nafta. Supostamente, acesso aos mercados do Norte mas, para abastecê-los exatamente com quais produtos, além de petróleo e derivados?
O fato é que hoje as exportações representam 55% do PIB do México e, quando os Estados Unidos tossem, os mexicanos caem de cama com uma grave pneumonia.
Se é para especular livremente, peço licença aos amigos mexicanos para sugerir que esqueçam De Gaulle e pensem em alguém com o perfil do ex-presidente Lula. Alguém que faça uma revolução capitalista no México, baseando a economia não apenas na exportação de produtos, mas no fortalecimento do mercado interno. Alguém que, como Lula e o ex-chanceler Celso Amorim fizeram no Brasil, busque diversificar o destino das exportações — aliás, uma das propostas de Castañeda no livro.
Superar a relação de amor-e-ódio dos mexicanos em relação aos Estados Unidos não me parece apenas uma questão de “psicologia”. Acredito que seria necessário rever tratados que colocaram em pé de igualdade economias desiguais e adotar mecanismos para reduzir os efeitos da assimetria. Não sei quanto a vocês, mas acho difícil conviver na boa com um vizinho que a gente acredita, com ou sem razão, que nos passa a perna todos os dias.
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Comentários
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Maria Ferreira
Aqui no Brasil ainda tem alguns com complexo de "vira lata" que acha o fino d ofino vangloriar-se de ter ido passear em nova York! Coitados! não sabem que estãosendo induzidos a tanta bobagem.
Os participantes deste Blog devem ter visto na Venus Platinada uma Reportagem dando a entender que ir casar em Nova York é chique!
Eu posso com tanta bobagem, e tem gente que ainda acredita.
Os Yankes sabem que estão quebrados , mas não descem das tamancas!
Marat
Caríssimo Azenha, caríssimos colegas/amigos virtuais, hoje eu me deparei com uma situação no mínimo curiosa: Sempre considerei essa coisa de academia como uma grande bobagem, algo importado dos EEUU, porém, graças a um elevadíssimo colesterol, aliado a um enorme nível de triglicérides, me vejo, ao menos uma vez por semana, numa academia, para tentar abaixar meus níveis (menos o intelectual). Eis que, numa academia de ginástica, vejo diversos enfeites com motivos do Halloween! É verdade!!! Quer coisa mais grosseira, estúpida, idiota, imbecil etc., que importar folclore dos EEUU? Saci Pererê, Curupira et al devem estar se revirando em seus túmulos… pois é… de todo modo, quero deixar bem claro que algumas invenções estadunidenses são boas (Academias, para fins médicos, por exemplo), mas essa coisa de querer importar o modo de vida, a cultura, as crenças etc., dos EEUU, como se aquilo fosse de alguém "escolhido" como o melhor, como o mais bem preparado, como o mais honesto etc., é uma grande boçalidade. Eu fiz questão de falar bem alto que aqui no Brasil há muitas pessoas desejando que nosso país seja (re)colonizado pelos EEUU, pela nossa incapacidade, pela nossa burrice e pelo nosso complexo de vira-latas. Desculpe o enorme prolegômeno, mas imaginemos, se isso ocorre num enorme país tão longe dos EEUU (mas tão perto de suas "tentações" diabólicas), que dizer do pobre México, que foi "colonizado" por assassinos grosseiros, ladrões e metalistas espanhóis, e que, logo depois desses ladrões saírem de lá e darem lugar a assassinos, ladrões e pilantras muito, mas muito mais sofisticados como os estadunidenses, que roubaram, de maneira vil e sórdida, 50% do território mexicano? Já imaginaram conviver com esse monstro consumista, lado a lado, eternamente? Deve ser horroso. Deve ser algo semelhante a um estupro diário: ou você me dá ou eu te mato!!! Creio que numa situação assim é até natural que haja seus Rwdiards Kiplings e seus inocentes úteis a exaltar uma ou outra esmola, e "esquecer" os estupros diários. Creio que o México precise de alguém mais inteligente e pragmático que de Gaulle, alguém mais amedrontador que uma Curupira. Creio que o México necessite urgentemente de alguém que tenha no perfil uma simbiose de Ho Chi Minh e Mao Tsé Tung, pois, para lutar contra um brutamontes totalmente ignorante e estúpido, é necessário um estupendo estrategista!
simas
Mas… cara, essa de ser o mais lindo, o mais forte, o mais rico, o mais inteligente, faz parte da propaganda. E essa mesma propaganda viceja dentro e fora dos EEUU. Faz parte da estratégia imposta e vivida ao cidadão norte americano, tbm… Não o fora, por exemplo, por nossas bandas, a mídia maldita, não teria público, cativo. Cara, não foi fácil, emplacar uma eleição do Pres Lula; necessário se tornou a "degustação" de mtos sapos, q não barbudos… O aparente enfraquecimento político, econômico e financeiro da águia, até, tem permitido a Pres Dilma se dar ao luxo de aconselhar antigos colonizadores e desenvolvidas economias… ao arrepio dessa mesma maldita, imprensa. Pessoalmente, acredito q essa águia vai ressurgir das cinzas, por sobre as cinzas de todos; inclusive, a do México. Não faço fé na juventude e operariado dos EEUU; pq, até agora, essa mesma gente formou batalhões pra oprimir… lideradas por uma elite; a de sempre. Verdade q existem pontos favoráveis e q poderiam funcionar como uma tênue luz, de esperança – os exércitos, regulares, não são mais formados, como antigamente; tudo, terceirizado, como deveria, em uma sociedade altamente mercantil. Um futuro, decente, para o México se coloca em consequência… Não existe vida própria no México, meu caro – só petróleo e tráfico de drogas. Infelizmente.
Bonifa
É isto. Antes de pensar em De Gaulle, Castañeda deveria pensar em Lula. Acontece que o equivocado Castañeda é leitor contumaz da Folha de São Paulo e sobre Lula ele tem a mesma opinião que os tucanos.
ana db
Pobre Mexico tão longe de Deus tão pero dos USA. E ainda tem petroleo para atentar a cobiça do diabo vizinho de fronteira.
Julio Silveira
Com todo o respeito que os mexicanos mereçam, mas um país que perde metade de seu território para um outro, de forma vil, e depois no futuro ainda se coloca de quatro ante os interesses do espoliador, esse país merece o que?
luiz pinheiro
tTriste comentário, Julio.
"Com todo o respeito que os mexicanos mereçam… esse país merece o que?"
Merece respeito sim, Julio, Todos os povos merecem, e mais ainda os mais perdedores, os mais oprimidos, os mais próximos dos EUA..
Julio Silveira
Caro Luiz, meu comentário serve mais como um alerta, por que acredito que nunca podemos perder de vista a dignidade de nossos povos. Sei perfeitamente que os Mexicanos merecem respeito mas o faço, respeitá-los, por que como cidadão me coloco solodariamente ao lado deles, mas esse sentimento é particular que pode até ser compartilhado por outros individualmente, não por merecimento. Pois como disse são maus exemplos de como nações devam se comportar. E digo mais, por detrás dessa postura de submissão é que surgem os encorajamentos para os outros atos de seus algozes. Francamente, como nação o Mexico mereceria mais repudio que solidariedade, pelo incentivo que causaram com suas fraquezas, estimulando por parte de seu principal algoz agressões a outros povos. Assim se constroi a história, os "fracos" sem perceber tem papel preponderante na cultura de arrogância dos "fortes".
Celso
Azenha,
Os mexicanos precisam combinar com os americanos para superar isso tudo. França estava numa posição superior em relação à Alemanha. Garrincha, um sábio, disse isso antes de uma partida de futebol com a União Soviética.
Lucas
É verdade. Imaginar que o México de hoje está na mesma posição em relação ao Império que a França pós-segunda guerra estava em relação à Alemanha (Ocidental) é, no mínimo, estranho.
Francamente, acho que a ideia do Azenha de se espelhar no Lula faz mais sentido. No mínimo eles precisam tentar desatrelar a economia mexicana da estadunidense. Mas isso vai ser difícil, porque a política mexicana é atrelada à estadunidense.
Antonio
Procuro estudar um pouco de economia apenas o suficiente para não ser ludibriado por algum "cabeça de planilha". Certas ideias parecem que saíram de algum buraco e servem para responder tudo. Uma prima minha está no México desde a implantação do Nafta e disse que tudo está caro, muito caro, e a população sofre muito (evidente), pois a massa salarial não acompanha o aumento dos preços. Imagine uma população que tem como base da alimentação o milho : justamente uma commoditie! Além disso, ela me disse uma coisa por demais simples: se uma empresa tem negócios com uma grande e justamente é a responsável pela maior parte da lucratividade, então, se a grande tiver algum problema, a pequena sofre. "Se" nunca resolve o problema de ninguém: é apenas uma hipótese ou um falso princípio para começar a esboçar as próprias ideias. Claro: "se" não fôssemos mexicanos (ou brasileiros, tanto faz), "se" não tivéssemos Pelé, "se" a Terra não fosse redonda… tudo seria diferente. Mas com base em que afirma-se isso? Enfim, a linguagem permite tudo, inclusive a má poesia.
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