Mário Scheffer: Sete de Setembro pode ter transformado a CPI da Covid em um tigre sem dentes

Tempo de leitura: 3 min
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Por Mário Scheffer, Blog Diário da CPI no Estadão

As manifestações golpistas de 7 de Setembro mudaram o arco de tempo da CPI, que apura retrospectivamente a negligência do governo federal na resposta à pandemia.

O contexto mudou, a crise sanitária não é a única a ditar a agenda pública, embora a covid ainda mergulhe o País em incertezas e na indignação de que tudo poderia ter sido diferente.

Saúde e vida ameaçadas pelo vírus ao longo de 2020, já rivalizavam, no primeiro semestre deste ano, com a crise econômica que impôs desemprego, fome e inflação.

Há pouco mais de um ano das eleições de 2022, é a crise política mais aguda que se junta e se mistura agora ao pandemônio nacional.

Estudiosos da radicalização política no mundo apontam elementos que sinalizam quando uma democracia é jurada de morte e, por isso, a ameaça deve ser levada a sério e precisa receber todas as atenções e reações.

A primeira advertência é a dimensão progressiva do radicalismo rumo a parcelas mais expressivas da população.

Há quem enxergue boa notícia no encolhimento do eleitorado inicial de Bolsonaro, mas o fato é que aproximadamente 20% dos brasileiros se isolaram de certos valores e referenciais da vida em sociedade, cidadãos conduzidos pelo presidente a uma projeção grandiosa de si mesmos.

O segundo elemento é a cristalização do sectarismo em estruturas paralelas ou virtuais, o compartilhamento de visões de mundo desenhadas sobre mentiras, transformadas em verdades absolutas e não negociáveis.

O terceiro e mais grave sinal é o uso potencial da violência, que prevê desde a defesa de rearranjos do Estado de Direito para eliminar os que são considerados inimigos até, ao fim, o acionamento da força e das armas.

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A CPI da pandemia, no âmbito da saúde pública e da corrupção, combateu valorosamente desmandos e documentou malfeitos urdidos no interior do governo Bolsonaro.

Mas a fervura do momento, no limiar entre protesto e ruptura, é dessemelhante do cozimento lento mantido pela CPI, que ainda crê na fama que amealhou lá atrás.

Mesmo com o País em transe, membros da comissão só querem saber da VTClog e da Precisa Medicamentos.

A essa altura, seguem analisando carta anônima de funcionários da transportadora de insumos e agendam, para meados de setembro, novos depoimentos sobre a compra frustrada da Covaxin.

A CPI devia encerrar imediatamente seus trabalhos e entregar o que prometeu, ajudando a motivar, com seu relatório final, o impeachment de Bolsonaro.

Investigações de pontas soltas, da propina na aquisição de vacinas às fake news de sites bolsonaristas, podem depois dar origem a apurações de órgãos externos e quem sabe até servir de fatos concretos para novas CPIs.

Muito antes de Bolsonaro simular um recuo, de desdizer que não iria mais cumprir decisões do STF, a CPI já havia antecipado argumentos e propostas de indiciamento do presidente pelos crimes de responsabilidade, de epidemia, prevaricação e até curandeirismo.

Nesse instante, de radicalização na rua e Centrão no governo, em que não há apoio do Congresso Nacional nem voz uníssona para impeachment, a criminalização de Bolsonaro fundamentada pela CPI poderia esquentar o debate e a mobilização popular.

É certo que uma CPI só não faz verão, diante da dupla Aras e Lira, de uma frente ampla convocada por movimentos sem estatura para tal, de partidos que preferem a bipolarização ao impedimento, até para evitar o assanhamento de eventual terceira via nas eleições.

A CPI foi peça chave para o derretimento da popularidade de Bolsonaro, mas teve pouco êxito, enquanto investigava, em ajustar uma resposta nacional adequada à pandemia.

É desesperador continuar assistindo parlamentares a desenterrar novos fatos e a puxar comboio de depoentes periféricos, enquanto a democracia pede socorro.

E sem democracia, sabemos, não há SUS que combata a pandemia, nem economia que distribua renda, nem prevenção de crise energética.

A CPI tem a chance de honrar seu propósito ao contribuir, ainda que com limitações, para a remoção constitucional do presidente.

Caso contrário, a comissão pode ter o final melancólico de um tigre sem dentes.

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