Ajudar a Argentina significa ajudar o Brasil
Por Marcelo Zero*
A nossa mídia tradicional tem muita dificuldade em entender que é do interesse brasileiro “ajudar” parceiros importantes.
É o que se pode deduzir das notícias sobre a vinda do presidente argentino Alberto Fernández ao Brasil para buscar auxílio, face à crise econômica que assola aquele país vizinho.
Há um questionamento generalizado sobre se o Brasil deveria “ajudar a Argentina”, inclusive com a possibilidade de comerciar sem o dólar. Argumentam que o Brasil poderia ser prejudicado, que o BNDES já foi afetado por empréstimos para países vizinhos etc.
Bom, em primeiro lugar, o BNDES não empresta dinheiro para governos ou países. O BNDES, por lei, só pode conceder empréstimos para empresas brasileiras exportarem bens ou serviços.
Bancos de desenvolvimento ou “eximbanks” de muitos países fazem isso o tempo todo, de modo a assegurar a competitividade internacional de suas empresas.
Há cerca de 200 grandes empresas brasileiras que exportam para a Argentina. Na maioria, são indústrias importantes, já que 90% das nossas exportações para aquele país são de manufaturas de alto valor agregado.
Saliente-se que, mesmo com a crise, a indústria de transformação brasileira exportou, no ano passado, mais de US$13 bilhões para a Argentina.
Exportamos muitos automóveis, motores, partes de automóveis, caminhões, chassis, tratores, colheitadeiras, máquinas, celulares etc. para nosso vizinho.
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A Argentina é um dos poucos mercados, no qual nossas manufaturas são competitivas.
Entretanto, devido à crise financeira e à carência de dólares na Argentina, essas empresas estão com dificuldades em manter essa importante corrente de comércio.
O mesmo não ocorre, contudo, com empresas chinesas que exportam para a Argentina, as quais têm apoio financeiro decidido de seu governo.
Por isso, ou em boa parte por causa disso, as empresas brasileiras estão perdendo exportações para as chinesas, nesse estratégico mercado para o Brasil e sua indústria.
Em 2021, a China ultrapassou o Brasil no mercado argentino, embora nosso país continue a ser, em sentido contrário, o principal destino das exportações argentinas, já que a China importa relativamente pouco daquele país.
Segundo cálculos do governo, o Brasil perdeu, nos últimos 5 anos, cerca de US$ 6 bilhões de exportações para a Argentina, em virtude da falta de apoio financeiro adequado para nossos exportadores.
Por conseguinte, é do interesse do Brasil manter e estimular a corrente de comércio bilateral com a Argentina.
Não se trata de ajudar gratuitamente um “governo amigo”. Trata-se, essencialmente, de ajudar o Brasil e suas empresas. Trata-se de evitar um prejuízo ainda maior e, talvez, irreversível. Uma vez que se perde espaço em um mercado, é muito difícil recuperá-lo depois.
Deve-se observar que a crise atual da Argentina não é uma crise causada por “gastanças” e “irresponsabilidade fiscal”.
A crise atual da Argentina é, sobretudo, uma crise climática, como reconhece o próprio FMI.
Há três anos que a Argentina enfrenta uma seca severa, que afeta 55% de seu território. Obviamente, essa seca histórica, fruto de 3 anos seguidos de La Niña, está afetando fortemente as safras das commodities agrícolas argentinas e, consequente, o afluxo de dólares para o mercado interno daquele país.
A safra da soja, por exemplo, está em apenas 48% do seu potencial normal. Espera-se, para este ano, um prejuízo direto de pelo menos US$ 20 bilhões, somente para soja e o milho.
Isso é mortal para um país que depende da exportação de commodities para ter acesso a moedas fortes.
As reservas internacionais próprias da Argentina estão em somente US$ 2,7 bilhões. Um nada. Embora a Argentina tenha obtido um empréstimo de US$ 44 bilhões com o FMI, a situação continua a se deteriorar.
Além disso, o encarecimento do dólar provoca um grande aumento da inflação, que já está em mais de 100%.
Não obstante, a crise da Argentina será, em algum momento, superada. Essa seca não será eterna.
Segundo os meteorologistas, este ano a La Niña deverá ser substituída por El Niño, o que deverá propiciar chuvas abundantes no Cone Sul.
Os chineses, que bobos não são, já concordaram em fazer um swap em renminbis para facilitar suas exportações para a Argentina. Apostam, acertadamente, numa relação de longo prazo mutuamente benéfica.
Bobos são aqueles que não têm visão estratégica e que não conseguem ver que as relações bilaterais Brasil/Argentina são fundamentais para nosso país.
Para esses bobos, só restaria, como diria ironicamente Manuel Bandeira, tocar um tango argentino. Estão fadados à extinção.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
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Comentários
Zé Maria
Ajudar os Países da América Latina, assim como
fazer Intercâmbio Comercial com os do BRICS,
significa Ajudar o Brasil.
Ainda que os EUA e a OTAN não queiram.
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