Marcelo Zero: Pagers explosivos anunciam escalada perigosa na tensão no Oriente Médio; vídeos

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Hospitais em todo o Líbano sobrecarregados com vítimas dos pagers explodidos. À direita, detalhe de um deles. Fotos: Reprodução de redes sociais

Pagers Explosivos Anunciam Escalada Perigosa na Tensão no Oriente Médio

Por Marcelo Zero*

O caso dos pagers que explodiram no Líbano (veja vídeos, ao final), um atentado terrorista, representa clara agressão contra um país soberano, a qual viola a Carta das Nações Unidas.

Observe-se que o Hezbollah é uma força política oficial e legal no Líbano, tendo assento no parlamento e participando do governo como representante da população xiita daquele país.

Ademais, o atentado, que já deixou 14 mortos e centenas de feridos, não atingiu apenas a rede de suporte civil do Hezbollah, mas também servidores da saúde do Líbano, que usavam o mesmo tipo de aparelho.

O uso dos pagers vinha se dando, ironicamente, por razões de segurança, já que esses dispositivos, ao contrário dos celulares, não têm GPS, câmeras, microfones etc., tornando-se menos propícios para fins de espionagem.

As hipóteses técnicas para o ataque são basicamente duas:

1. introdução de um software malicioso para sobrecarregar, incendiar e explodir as baterias de lítio dos dispositivos;

2. substituição das baterias originais por outras, com explosivos e pellets (chumbinhos) para causar um dano maior.

Essa segunda hipótese, que vem ganhando mais força, implicaria operação logística bastante sofisticada e custosa.

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Ela poderia ter sido feita na própria fábrica dos dispositivos ou em algum momento do transporte, mais provavelmente em uma alfândega.

Os pagers, como se sabe, foram comercializados sob a marca Gold Apollo, uma empresa taiwanesa especializada em tais dispositivos.

Contudo, de acordo com essa empresa, os dispositivos vendidos no Líbano foram fabricados sob licença pela empresa húngara BAC Consulting KFT.

A CEO e fundadora da BAC é Cristiana Arcidiacono-Barsony, que se autodescreve como uma consultora estratégica em assuntos internos, com experiência internacional no Oriente Médio.

Ela estudou nas universidades SOAS e LSE em Londres. Segundo site Moon of Alabama, isso poderia indicar um possível envolvimento do MI-6 britânico no episódio. Não obstante, Orbán e Netanyahu possuam excelentes relações. Pode ter sido um esforço bilateral.

Mas os dispositivos poderiam ter sido implantados, como observamos, durante o transporte.

Segundo Elijah Magnier, os pagers teriam ficado retidos na alfandega durante alguns meses, o que teria dado oportunidade e tempo para a operação.

De qualquer forma, tratou-se de uma iniciativa ousada, sofisticada, de grande impacto midiático e político, a qual inaugura nova forma de terrorismo de Estado.

Resta ver as consequências, no plano estratégico e militar.

Há uma divisão, no governo israelense, entre como conduzir a ação contra o Hamas, e, sobretudo, como lidar com o Hezbollah.

O ministro da Defesa de Israel, ameaçado de demissão por Netanyahu, Yoav Gallant, é a favor de um cessar-fogo em Gaza, da libertação imediata dos reféns israelenses e de uma solução política negociada para livrar Gaza da influência do Hamas.

Ademais, Gallant vinha se mostrando cético, no que concerne a uma intervenção militar de Israel contra o Hezbollah no Líbano, no que é apoiado pelo governo do EUA, que não deseja o alastramento do conflito, neste momento.

Autoridades dos EUA estão preocupadas com a possível demissão de Gallant, alegando que ele é o “único adulto na sala” no governo de Netanyahu, depois que as relações entre o primeiro-ministro e o presidente dos EUA, Joe Biden, azedaram.

Gallant quer ampliar as ações no norte de Israel sem, contudo, provocar uma guerra aberta.

Entretanto, Netanyahu e parte de seu gabinete não querem um cessar-fogo com o Hamas e nem negociar uma solução política para Gaza, uma vez que isso implicaria negociar também um estado independente para os palestinos.

Além disso, Netanyahu parece estar sob a ilusão de que uma guerra com o Hezbollah é factível de ser vencida.

Embora possível, uma “vitória” contra o Hezbollah teria um custo altíssimo, justamente no momento em que Israel não consegue impor uma vitória militar convincente contra o Hamas.

O formidável arsenal de mísseis bem protegido do Hezbollah provavelmente poderia superar as defesas israelenses, causando danos substanciais.

Lembre-se que o Hezbollah, uma força muito disciplinada, bem mais poderosa que o Hamas, conseguiu expulsar Israel do Sul do Líbano, em 2000, após uma sangrenta e sistemática guerrilha.

Além disso, um possível envolvimento direto do Irã no conflito transformaria todo o Oriente Médio, já muito tensionado, em um pesadelo. Teria de haver o envolvimento dos EUA, para que Israel tivesse qualquer chance de sucesso.

Nesse contexto, o episódio dos pagers parece uma provocação do governo de Israel contra o Hezbollah e o Irã (como o bombardeio da embaixada do Irã em Damasco e o assassinato do líder do Hamas em Teerã, entre outras), com o intuito de suscitar uma reação que poderia justificar uma nova intervenção de Israel no sul do Líbano.

Obviamente, teremos de esperar a reação do Hezbollah, para ver se ela justificaria uma escalada definitiva e irreversível desse conflito, o qual, até agora, é de relativa baixa intensidade.

A guerra, contudo, poderia ser facilmente evitada. O Hezbollah concordaria em acabar com o conflito atual, assim que um cessar-fogo duradouro for assinado entre Israel e os palestinos.

No entanto, a rejeição de Netanyahu a qualquer cessar-fogo, em Gaza e a uma solução política definitiva em torno da criação do Estado Palestino torna um ataque israelense ao Líbano uma hipótese crescentemente provável.

Veremos se “os adultos da sala” conseguirão evitar o pior. Adultos sem pagers e celulares.

* Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais

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